Engenharia aeroespacial, superdesportivos e… croissants?
Pode parecer um tanto ou quanto complexa a temática desta crónica, pois como se sabe, mesmo fora do universo culinário, “água e azeite não se misturam”, mas parece que engenharia aeroespacial e croissants sim, com um pinch de superdesportivos pelo meio!
Assistia eu a um episódio da actual temporada do ‘Masterchef Australia’ e eis que, para um dos confrontos de eliminação de que esta série culinária de culto é fértil, a convidada era uma reputada Chef de Viennoiserie local, de seu nome Kate Reid. Ela é o top of the pops lá do burgo no domínio dos croissants e de outros produtos em que a massa folhada é rainha, em especial depois do prestigiado ‘New York Times’ ter considerado, em 2016, esta delicatesssen saída dos fornos da “Lune Croissanterie”, como “O Melhor Croissant do Mundo”. Tal leva a que todos os dias se formem filas descomunais, que só terminam quando se anuncia “Deste, já não há mais!”, frase icónica de António Silva, na épica obra de 1942 “O Pátio das Cantigas”, na cena do “Milagre do Vinho” (nota: eu sei… a associação é impossível para alguns, mas procurem no Youtube).
Então e o que a piquena tem a ver com o mundo da “Garagem”? Tudo, porque antes de se ter envolvido na engenharia dos croissants – cuja composição roça o “segredo de estado”, ao ponto da receita não ser do domínio público (como, aliás, acontece com diversas iguarias da doçaria portuguesa) – a australiana Kate Reid fora especialista em aerodinâmica na equipa Williams F1, decorrente da sua anterior formação em Engenharia Aeroespacial no Royal Melbourne Institute of Technology (RMIT).
Fervorosa fã de desportos motorizados desde pequena – como tantos dos que lêem estas linhas – Kate largou o seu país e rumou à Europa, ao Reino Unido, com sonhos já colocados bem lá no alto, apontando ao pináculo do motorsport, pretendendo tornar-se Directora Técnica no restrito mundo da Fórmula 1. Ingressou na Williams, equipa onde passou grande parte do tempo em aturados e específicos cálculos de downforce e afins, aqueles que permitem que os monolugares se mantenham agarrados ao asfalto dos circuitos. Logo depois dar-lhe-ia novo click, tendo desistido de todo aquele exigente mundo e regressou a casa, apontando, anos mais tarde, a outro amor de infância: a pastelaria! Criou o seu próprio negócio na área – o “Lune” – e apostou na (re)criação de um dos seus exponentes máximos: um croissant, simultaneamente leve e arejado, amanteigado e crocante, mas diferente dos demais! Hummmmmm…!
Foi um desafio e pêras – ou, neste caso, croissants… – pois se há coisas que não têm nada a ver são tecnologias empregues na F1 e na pastelaria… ou será que…? “A minha formação ensinou-me a dividir um determinado problema, entender as suas diferentes variáveis, analisá-las e como a alteração de cada uma delas irá afectar o produto acabado, medir os resultados, registá-los, ultrapassar os limites e inovar ainda mais esse determinado produto.” Descendentes dos “kifli” (ou “crescentes”) da viennoiserie austríaca do século XIII, os franceses “croissants” (idêntico significado) surgiram séculos mais tarde em França, país a que, presentemente, a maioria dos mortais os associa. Foi, assim, para Paris que Kate rumou, para aprender com os melhores do ramo, num processo evolutivo contínuo, que lhe permitiu abrir o seu negócio. Fê-lo em Junho de 2012, contando hoje com duas infraestruturas situadas em Melbourne, desenhadas por si e pelo irmão, uma no subúrbio de Fitzroy e outra em pleno centro financeiro de Melbourne. O logótipo, uma espécie de foguetão com um formato de croissant na cauda, espelha a ligação do seu passado ao presente.
E, para alternar entre um espaço e outro, com a casa e as compras e a vida social pelo meio, Kate associou-se à Porsche, marca icónica no mundo dos superdesportivos e que fez parte da sua própria infância, não fosse o pai um colecionador/restaurador, em particular do intemporal 911. Conduz, por isso, um 911 Carrera S, maquininha de pergaminhos ui ui – 450 cv de potência às 6.500 rpm, 530 Nm de binário entre as 2300 e as 5.000 rpm, com uma velocidade máxima de 308 km/h e uma aceleração dos 0 aos 100 em 3,5 segundos, precisando, apenas, de outros 4 segundos e pouco para chegar aos 160 – sumo espremido de um motor boxer de 6 cilindros, com 2.981 cc.
“Quando se olha para o modo como a Porsche cria os seus produtos, tudo o que eles colocam no desenvolvimento de um modelo tem em vista o prazer de quem o conduz,” refere. “A performance do carro, a inovação decorrente de uma certa tecnologia, pelo que quando penso na ‘Lune’ encontro paralelos que podem ser traçados entre a forma como inovamos e levamos mais além a qualidade do nosso croissant, não descansando sobre os louros conquistados, porque esse produto pode ser sempre ainda melhor.”“É o facto de saber que há sempre esse espaço de evolução e a oportunidade de se ser ainda melhor que nos continua a empurrar para a frente, algo subjacente à Porsche, uma marca que demonstra, claramente, que um produto de uma perspectiva automóvel está continuamente a evoluir e a inovar-se.”
Enfim… eu não tenho um curso no RMIT nem nada lá perto, mas até me desenrasco muito bem nos tachos, embora não tanto em doces e bolos, pelo que me era (quase) impossível recriar o seu icónico “Black Forest Croissant”! Será isso um óbice para que a Porsche….?
Jota Pê