Nas Asas do Desejo
Merecedora do cobiçado troféu “Palma de Ouro” no Festival de Cannes de 1987 e sendo uma das mais aclamadas obras do realizador alemão Wim Wenders, o filme “As Asas do Desejo” retrata a vida e a eternidade, a consciência e a descoberta, a luta entre o divino e o efémero, num cariz meditativo e profundo, fluindo sem pressas, na paciência dos anjos.
São esses mesmos adjectivos com que eu, enquanto entidade terrena, sonho, ambicionando voar rasteirinho nas asas de um destes anjos que compõem a denominada “Aston Martin Wings Series”. Ainda mais porque o todo-poderoso construtor britânico de superdesportivos acaba de desvendar um novo exemplar da sua frota de aviões, projectos que, na sua história recente, fazem uma ligação à indústria que explora as nuvens e as alturas, parte do próprio passado da marca.
Ligada, há muito, à excelsa Royal Air Force britânica, tem 3 das suas 4 instalações fabris – Gaydon, Wellesbourne e St. Athan – situdas em ex-aeroportos da mais antiga força aérea do mundo (a RAF foi criada a 1 de Abril de 1918, aquando da 1ª Guerra Mundial), somando-se-lhes a mais state-of-the-art de todas elas, edificada a preceito nos outrora Super Hangars do Ministério de Defesa britânico. Ou seja, “segredos” é o que não falta por aquelas paragens!
São, para já, 4 os projectos comissionados sob a bandeira “Wings Series”, programa do departamento “Q by Aston Martin” – até aqui a coisa assume a essência dos livros de espionagem de Ian Fleming – edições de enorme exclusividade que, assim, ficam ligados ao mundo da aviação.
Aston Martin DBS Superleggera Concorde: Tributo a um ícone dos céus
Elevemos a imaginação às alturas com o DBS Superleggera Concorde, o mais recente exemplar da série. Desvendado há dias como encomenda dedicada aos festejos do Centenário da British Airways, é dedicado ao supersónico avião que, a 2 de Março último festejou os 50 anos sobre o seu voo inaugural completo, num longínquo ano de 1969, e que a 24 de Outubro de 2003 tocou os céus pela última vez, pelas mãos do operador britânico.
No presente, a alternativa para esses altos voos é este singular jacto do alcatrão by Aston Martin, de pintura branca e um contrastante tejadilho preto tintado, dotado aqui e ali com o azul e vermelho da BA, elementos cromados e em fibra de carbono q.b., o famoso logo ‘Speedmarque’, acima da assinatura ‘Q by Aston Martin’, uma referência “G-BOAC” (do primeiro aparelho Concorde entregue à BA), e até um certificado atribuído pela Autoridade de Aviação Civil, entre outros elementos identificativos desta singular associação.
O luxuoso habitáculo das exclusivas 10 unidades, vendidas por £ 321.350 (cerca de € 380.000) cada, conta, também e aqui e ali, com elementos evocativos do supersónico pássaro, sendo em titânio as patilhas da caixa, colocadas atrás volante, aproveitado das lâminas de um compressor do Concorde. Como coração do bicho está o supremo bloco V12 twin-turbo de 5,2 litros, com 725 cv e 900 Nm de binário, permitindo uma aceleração dos 0 aos 100 km/h em 3,4 segundos e uma velocidade máxima de 340 km/h, números que fazem inveja a algumas aeronaves. A colocação no solo de tais números é feita através de umas borrachinhas Pirelli P Zero, de 21 polegadas (265/35 à frente e 305/30 atrás), montadas em jantes de 10 raios duplos, naturalmente de igual medida “21”. Simplicidade da pura, portanto…!
Vanquish S “Red Arrows”: O espelho do Hawk T1
Segue na esteira da edição “Red Arrows”, desvendada há um ano, esta assente no modelo Vanquish S. Entre outras particularidades, esta edição especial, também de apenas 10 exemplares, integra um conjunto de elementos produzidos a partir de peças do trem de aterragem de um Hawk T1, avião da equipa de exibição “Red Arrows”. Nove viaturas foram vendidas a clientes com inerente e aprovado pedigree, atribuindo-se a restante a um leilão, em prol do “RAF Benevolent Fund”, atingindo-se um interessante valor final de £ 1,46 milhões de (qualquer coisa como € 1,7 milhões, ao câmbio actual).
V8 Vantage S “Blades Edition”: Acrobacias ao volante
Recuando a 2016, o “Q by Aston Martin” agarrou num V8 Vantage S e dotou-o de uns quantos pozinhos acrobáticos, para fazer jus à famosa formação britânica de espectáculos aéreos. Contando com a bit of this & a bit of that na exclusividade exterior e interior, foram entregues a apenas uma mão cheia de sortudos (e endinheirados) clientes, num evento exclusivo realizado no Sywell Aerodrome, onde os novos proprietários puderam viver, por dentro, uma experiência acrobática com os “The Blades”.
V12 Vantage S “Spitfire 80”: O Caçador
Nesse mesmo ano a Aston Martin desvendou, também o seu “Spitfire 80”– os primeiros exemplares da actual série “Wings Series” – comemorativos do inigualável e rápido caça britânico com o mesmo nome, que suportou grande parte do esforço bélico britânico na 2ª Guerra Mundial, em que a Aston Martin fabricara, entre outros, componentes para esses heróis dos céus e para os não menos famosos caças Mosquito. Esta edição de 8 exemplares celebra o 80º aniversário do voo de baptismo do primeiro deles, sendo todos na cor Duxford Green, de onde se destacam os famosos detalhes em amarelo daqueles caças britânicos.
Concorde, o supersónico de ‘nariz agulha’
Voltando ao Concorde original e a título de curiosidade, apesar do voo inaugural ter ocorrido a 2 de Março 1969, só a 21 Janeiro de 1976 o aparelho dotado do peculiar ‘nariz agulha basculante’ entraria verdadeiramente no circuito comercial, num voo que ligou Inglaterra ao Bahrein. Nascido de uma rara partilha anglo-francesa British Airways/Air France – é por demais sabido que britânicos e franceses não morrem de amores uns pelos outros… – esta peça de engenharia aeronáutica está definitivamente no chão, nos museus e nos compêndios da aviação, após o último voo do operador britânico, que a 24 de Outubro de 2003 ligou Nova Iorque e Londres.
Saído do JFK às 07h35 locais, o BA002 transportou 100 celebridades, pagantes de cerca de £ 9.000 cada (cerca de € 10.500 no presente). Um segundo Concorde da BA levantaria de Edimburgo, com vencedores de diversos passatempos, e um terceiro circundava o Golfo da Biscaia, com VIPs e ex-pilotos do icónico avião. Uma vez juntos, foram autorizados a sobrevoar Londres, em formação e a baixa altitude, aterrando depois e em sequência, em Heathrow, com o BA002 a ser o último a tocar o solo, às 16h05 locais.
Terminava, assim, um ciclo da aviação mundial, infelizmente antecipado na sequência de um trágico acidente com uma outra aeronave, da Air France: o voo AF4590, que a 25 de Julho de 2000 saiu de Paris, tendo os EUA como destino nunca atingido… Em 2003 fazia-se o derradeiro voo comercial sob a égide do operador gaulês (31 de Maio) e o último lift off /touch down (24 de Junho), quando o peculiar supersónico saiu de Paris, rumou ao Atlântico, para aí ultrapassar a barreira do som uma última vez, aterrando depois em Karlsruhe (Alemanha). Foram construídas 20 unidades, mas apenas 14 destinaram-se a uso comercial (7 para cada lado do Canal da Mancha), cobrindo-se milhares de milhas aéreas nos cerca de 5.500 voos realizados. Atingia uma velocidade máxima de Mach 2,04 (Mach 2,00 em velocidade de cruzeiro) e uma altitude máxima de 60.000 pés (18.300 metros). Os que ainda restam são, hoje, peças de museu em aeroportos ou centros de exposição aeronáutica, espelhando um passado que dificilmente se repetirá…!
Voltando à “Wings Series”, os 4 exemplares acima já receberam a autorização de “cleared for take off”, pelo que resta-nos continuar a sonhar nas asas do desejo e esperar pela descida à Terra do próximo anjo da ‘Q by Aston Martin’!
Jota Pê