Mazda MX-5 RF – Recordar o prazer de conduzir
Já lá vão mais de 25 anos, mas lembro-me como se fosse hoje. Do banco de trás do carro do meu querido Avô, observava com atenção a sua condução serena. Quem teve o prazer de o conhecer, sabe bem do que falo. Foram mais de 40 anos ao volante, durante os quais a prudência e o respeito pelos demais condutores só podiam resultar numa vida isenta de acidentes na estrada. O jogo de pés certinho e a destreza a girar o volante manobraram o seu carro para dentro e para fora do quintal durante anos. Era, sem dúvida, um dos momentos altos dos meus dias, em que só queria saltar para o banco do condutor, pôr o motor a trabalhar e ver o ponteiro subir enquanto acelerava e ouvia o som grave do escape que ecoava na velha e húmida garagem.
Em tempos de férias, passear de carro pelo Guincho ou ir tomar o pequeno-almoço à Casa do Preto, em Sintra, eram alguns dos nossos destinos preferidos e foi nesses passeios e nessas estradas que comecei a perceber como funcionava um carro. Desde os mais simples pormenores, como entender o significado de cada luz e botão, até às mais complexas, como a sincronização entre pés e mãos. Não conduzia, mas aproveitava todo e cada momento para ver e tentar perceber os “como” e os “porquê”. Saber as rotações de funcionamento do motor, para cada mudança, a várias velocidades pode parecer exagerado e ficar em êxtase com uma simples ida ao concessionário para a mudança de óleo um autêntico disparate, mas era tudo o que tinha, pois o dia de tentar conduzir um carro ainda vinha longe. Este era o meu prazer de condução e eu adorava estes momentos. Os anos passaram com uma rapidez assustadora. Infelizmente, já não posso partilhar com o meu Avô esta história, mas tenho a sorte de poder conduzir o seu carro e relembrar todos estes episódios, pois embora o carro esteja (com muito orgulho meu) em meu nome, ele será sempre “o carro do meu Avô”.
O Mazda MX-5 RF que ensaiei fez-me voltar atrás no tempo e relembrar estes momentos marcantes da minha infância. Os carros em miniatura espalhados pelo chão, o som e o calor dos motores que já na altura mexiam comigo, as fotografias das máquinas a escorregar nas curvas, os pneus a chiar com os inúteis mas gratificantes arranques que pedia ao meu Pai para fazer e os passeios no Guincho em que pedia ao meu Avô para acelerar um bocado mais do que ele achava necessário. Agora que o posso fazer sempre que quiser, sem ter que massacrar os ouvidos dos meus Pais e Avós, sinto que as coisas se encaminharam e valorizo todos os momentos que passo ao volante. E se em criança apenas sonhava conduzir as grandes máquinas daquele tempo, jamais me passou pela cabeça que viria a ter o prazer de sentir na pele as emoções de um automóvel como este, exclusivamente pensado para o prazer de condução, quer o conduzamos devagar ou depressa. Essa é a magia do Mazda MX-5 e este RF mostrou-me exactamente isso.
A pureza da sua condução é o segredo do seu sucesso. O MX-5, softtop ou RF, é um automóvel que se veste, que se sente e que nos vicia. A filosofia sob o qual foi criado, assente na ligação entre o homem e a máquina, está presente em cada interacção que temos com o roadster da Mazda. Desde o motor cheio de carácter, que respira com um saudável som de admissão, passando pela simplesmente fabulosa caixa de velocidades, muito rápida e precisa, com curso extremamente reduzido, até à óptima colocação do volante e dos pedais. Tudo está perfeitamente posicionado para que não se perca um segundo de comunicação com a estrada quando se espreme o motor até às 7500 rpm e se manuseia a caixa manual entre as curvas. Uma agilidade sem paralelo, fruto do peso correctamente distribuído e de um trabalho sublime de afinação de chassis, garante que saímos das curvas com um sorriso na cara, acelerando a fundo até à próxima, para depois travar, reduzir e fintar a física como só o MX-5 sabe. As sensações são difíceis de descrever.
O motor acorda rebelde e acelerado, com uma sonoridade muito própria que convida à velocidade mesmo antes da sua temperatura o permitir. A baixa cilindrada do motor Skyactiv e os seus 131 cavalos deixam muita gente a desconfiar da sua performance, dúvidas que rapidamente desapareceriam se se sentassem ao volante e o conduzissem com o devido empenho. Ficamos imediatamente rendidos à leveza de movimentos e à naturalidade com que o RF muda de direcção. A afinação do amortecimento é perfeita, permitindo-lhe absorver as irregularidades da estrada sem comprometer a dinâmica de excepção. Visto de fora, a carroçaria parece adornar demasiado em curva, mas a verdade é que, ao volante, as reacções são imediatas, comunicadas, também, através do banco para o “assento” natural do condutor.
E agora? Capota de lona ou retractable fastback? Antes de ensaiar este belíssimo RF Branco Pérola, não tinha dúvidas de que, visualmente, o softtop era o meu preferido. Agora, sinceramente, não sei. Mas também não importa. Ambos resultam muito bem, e o que importa, sim, é que ao apostar numa versão de capota rígida, a Mazda consegue oferecer as mesmas sensações a um público mais alargado, uma vez que o MX-5 RF foi alvo de melhoramentos a nível de isolamento, oferecendo um superior conforto térmico e acústico que, para alguns, poderá fazer a diferença. Dinamicamente, pouco ou nada separa as diferentes carroçarias do MX-5, apesar do peso superior do RF. Este foi compensado pelo trabalho efectuado a nível de chassis, que lida sem qualquer hesitação com os 45 kg extra do RF. Para tal, a Mazda afinou a direcção, os travões e, na suspensão, foram modificados componentes como a barra estabilizadora e os amortecedores. O ganho em peso final também não foi superior devido a uma cuidada aplicação de materiais, muito resistentes mas, acima de tudo, muito leves. São disso exemplo o alumínio, o aço e o compósito utilizados nas três diferentes secções que compõem o hardtop do emocionante RF.
Do ponto de vista de um fã de automóveis, o Mazda MX-5 oferece praticamente tudo aquilo que mais valorizamos. Uma carroçaria lindíssima, um motor cheio de alma e uma dinâmica entusiasmante. É um carro extremamente recompensador para o condutor, mas igualmente prazeroso para quem viaja à nossa direita, numa experiência que chega até ao passageiro. É um automóvel de partilha. É uma ferramenta devidamente calibrada para executar a tarefa a que se destina com enorme precisão. É, acima de tudo, uma excelente base para a criação de recordações. Tal como as que guardo enquanto espreitava sobre os bancos da frente no carro do meu Avô e o observava. E como recordar aqueles de quem gostamos e que nunca esqueceremos é do melhor que temos na vida, este MX-5 RF, em particular, é simplesmente perfeito. Obrigado, Avô.
Fotografia: Tiago Costa