Mercado: SUV, SUV, SUV, Repeat…!
Longe vão os tempos em que as preferências dos consumidores se dividiam entre os pequenos modelos citadinos, as carrinhas (mais) ou as berlinas de 4 portas (menos) dos segmentos C e D, com os restantes a optarem por outras versões de carroçaria menos consensuais ou específicas de um determinado estatuto, fosse de luxo ou de cariz mais desportivo, etc. Vieram depois os MPV e, anos mais tarde e em sequência, os seus descendentes SUV, ou crossover, ou qualquer combinação entre as duas expressões, consoante o marketing de cada construtor. O mundo automóvel começou, então, a mudar por completo, com todos a quererem diferenciar-se dos demais mas tornando-se cada vez mais parecidos com os vizinhos, levando a que a paisagem se tornasse algo – diria bastante, mesmo – monótona.
Ainda sou do tempo em que se olhava para o catálogo de uma qualquer marca automóvel generalista e se viam viaturas de formatos perfeitamente distintos e demarcados. Tínhamos os carros pequeninos, acessíveis aos menos endinheirados – ou mesmo aos mais, caso houvesse pilim para chegar às respectivas versões mais espigadotas – num segmento B que, ano sim, ano não, decorrente das poupanças de cada um e das aberturas dos bancos a empréstimos a perder de vista, dividia a primazia das preferências do povo lusitano com as propostas do patamar seguinte, o segmento C, abrangendo berlinas e respectivas carrinhas, formato de que Portugal era particularmente fã. Surgiram, depois, os monovolumes (ou “Multi Purpose Vehicles”), que foram conquistando as massas, e depois os seus descendentes SUV, a actual coqueluche do mercado automóvel… que já roça o patamar da loucura, a um quase ponto de “Não tens um SUV!? Ah, então não existes!”.
Originária dos States, mercado que já tinha algo parecido para (quase) tudo o que não fosse um formato automóvel tradicional, incluíam-se nos SUV (ou mini-van) as viaturas visualmente mais bolha, com mais espaço interior, maior altura ao solo e até tracção integral, sigla que apareceria na Europa sob a égide dos “Sport Utility Vehicle”, categoria que combinava as características e capacidades de um modelo familiar, com o espaço de uma carrinha, a versatilidade em estrada/cidade de uma pick-up ou pequeno jipe, associando-lhe algum cunho mais desportivo em alguns casos (outros nem lá perto, mas era bem ser-se SUV), maior visibilidade para o exterior, uma posição de condução mais elevada, etc, etc, propondo-se, assim, o aparente melhor de diferentes e variados mundos. Só que a etiqueta tinha algumas contraindicações que, segundo parece, poucos leram…
Há de tudo e para todos os gostos!
Fruto do imensamente enorme sucesso dos pioneiros da temática MPV – com a Renault à cabeça, marca que tinha feito um estrondoso barulho com os seus monovolumes originais, como a Espace (1984) ou o Twingo (1993) e com praticamente tudo o que lançaria a seguir nesse domínio, na suas diferentes gerações – os demais também quiseram ir atrás do mesmo filão, pelo que o produto foi evoluindo até a um presente em que o catálogo da grande maioria das marcas (senão quase todas) tem um SUV, um crossover, um SUV/crossover ou crossover/SUV, em tamanho mini, compacto, médio, grande e XXL, de visual mais ou menos Racing e/ou recheado, de formato coupé e com motores térmicos ou na também crescente oferta electrificada, seja ela PHEV ou 100% eléctrica.
Isto já para não falar dos leques de preços tão díspares, consoante se olhe para um mais básico, mas bastante competente, Dacia Duster (cerca de € 13.500) ou para o recém-anunciado e ultraluxuoso Lamborghini Urus (PVP na casa dos € 270.000), ou ainda da questão pessoal do gosto, temática tão subjectiva que não vou detalhar.
Noutro artigo recentemente publicado na “Garagem”, refere-se que “É a vontade do cliente que dita os modelos que surgem no mercado e se são esses que mais vendem, as marcas têm de responder a essa procura. Simples. E se é o que vende, é bom para as marcas e para os seus clientes.” Claro que sim! Para quê ter determinado modelo num catálogo ou em stock nos concessionários se, no final, poucos lhes pegam, por muito bonitos que sejam? E, há modelos dos agora quase exilados segmentos B e C visualmente fantásticos e em (quase) tudo semelhantes em termos de tecnologias e ajudas à condução dos SUV que geraram ou de que derivam – vejam-se os novos Alfa Romeo Giulia, Hyundai i30, Mazda3, Mini (o de base, não aquela panóplia de derivativos do modelo, uma vez mais decorrente da auscultação ao cliente), Peugeot 208, Renault Mégane, ou mesmo o Tesla Model 3…
A prova de que nós, na Garagem, também apreciamos um bom SUV
A moda é isso mesmo… alguém a inicia e, decorrendo do sucesso alcançado, outros também querem o seu quinhão de lucros e a seguem de imediato, com maiores ou menores floreados nas suas tentativas, muitas vezes vãs, de diferenciação do seu produto. Há, depois, os que seguem aquela máxima do “primeiro estranha-se, depois entranha-se”, e os que virão a cair lá, pois não se querem sentir colocados de parte pela (grande) maioria! É assim como a pastelaria que abre lá no bairro e que, fruto da sua diferenciação, torna-se num enorme sucesso entre os habitantes e visitantes, levando a que surja, pouco tempo depois e quase paredes meias, uma outra pastelaria, que busca esse mesmo sucesso… e depois outra e depois mais outra, até o bairro estar saturado e já ninguém fazer verdadeiramente negócio, levando a trespasses antecipados e/ou falências! Nos carros isso ainda não sucedeu, mas será uma questão de tempo até que alguém rebente!
Surge, assim, a nomenclatura “SUV” mais linear/transversal, adoptada pela grande maioria dos construtores, e as assinaturas (re)criadas pelos imaginativos departamentos de marketing das marcas, rumo à tal (desejada) diferenciação. Para mim, um potencial case study neste domínio é da SEAT, com a sua própria assinatura “SUV – SEAT Urban Vehicles”, que até está registada com o implacável trademark, para que outros não lhes roubem a ideia.
Outros casos menos vincados, mas igualmente identificativos, são os da DS Automobiles, com os seus CROSSBACK, enquanto, com recurso ao alfabeto, a Skoda tem todos os seus SUV iniciados com a letra “K”, tal como a Volkswagen que usa o “T”. A Opel termina a denominação com um “X”, letra que a BMW também usa (considerando os modelos que a compõem como “SAV – Sport Activity Vehicles”), enquanto a rival Mercedes-Benz recorre ao duplo caractere “GL”, conceito que a Mazda também segue, embora na combinação “CX”, curiosamente as mesmas que a Volvo tem na sua oferta, aqui invertidas num “XC”. Já a Peugeot aposta nos números e tem um duplo zero “00” no meio da sua oferta. Imaginação a rodos, como se vê pelos exemplos acima, entre muitos outros, pois o que interessa é lá estar. E como se sabe que quem não aparece, desaparece…
2019: o ano em que os SUV assumiram o poder!
Fechadas as contas a 2019 em Portugal, o panorama é indesmentível (tal como no resto da Europa). Fruto de uma oferta superior a 100 propostas, diferenciada consoante os escalões, de cerca de 30 marcas automóveis diferentes – quase não há quem não tenha uma proposta no seu catálogo – os SUV vieram para ficar e estão a dominar os acontecimentos, conquistando, em conjunto, a maior fatia de sempre do mercado nacional de veículos de passageiros.
Como um todo, fizeram-no alcançando uns impressionantes 31,7% do mercado, correspondendo a pouco mais de 140.000 unidades vendidas – entre pequenos (15,7%), médios (11,7%) e grandes (4,3%; inclui premium) – remetendo-se, com isso, os outrora dominadores segmentos C e B para o 2º e 3º lugares, com 26% e 24%, respectivamente. Já agora, os restantes segmentos A (mini-citadinos) e D (familiares grandes) estão ambos abaixo da fasquia dos 10% e o E (luxo, excepto SUV) manteve-se quase residual, embora exista.
Como se referiu atrás, fruto do exponencial crescimento da oferta SUV, dos mais simples aos mais sofisticados, dos maiores aos mais pequenos, cresceu-se das pouco menos de 100.000 unidades em 2017 para as 132.500 do seguinte – num significativo pulo de 32,5% – crescendo-se, no ano passado bastante menos (5,7%).
Os grandes dominadores dos diferentes escalões SUV foram, no de entrada, o Renault Captur, com 7.392 unidades, quase tantas como os volumes dos seus dois adversários mais directos – Peugeot 2008 (4.979) e SEAT Arona (2.963) – em conjunto. No patamar acima o Nissan Qashqai, com 4.352 unidades, também vendeu muito acima dos restantes, batendo as 2.791 unidades do Peugeot 3008 e as 2.264 do Toyota C-HR, enquanto no nível seguinte, o top-3 final compõe-se do Peugeot 5008 (1.324), Mercedes-Benz Classe GLC (1.004) e Volvo XC60 (858). No sub-segmento premium, a palma de ouro ficou para o Range Rover Sport (225), frente ao Porsche Cayenne (207) e ao Volvo XC90 (198).
A título de curiosidade, no ano passado também se registaram, com matrícula lusa, nada menos do que 12 Bentley Bentayga, 8 Maserati Levante e também 8 Lamborghini Urus, entre outros SUV mais… estratosféricos, naquela máxima do “é para quem pode, não para quem quer!”.
Mas eis que senão quando, como se não chegassem os actuais SUV, o ano de 2020 promete trazer mais uma enxurrada de exemplares, entre restylings de maior ou menor envergadura e novidades absolutas, aqui incluindo-se uma vasta oferta para se ligar à corrente. As renovadas exigências de Bruxelas assim o obrigam, ainda mais quando se sabe que determinados motores, uma vez montados em carroçarias do tipo SUV, emitem mais do que os equivalentes noutros formatos.
São exemplos Aston Martin DBX, Alfa Romeo Tonale, Audi Q5 e Q3 RS Sportback, BMW iX3, X5, X6 e X7, Cupra Formentor, Ford Kuga, Mustang SUV, Puma e, eventualmente, o Baby Bronco (se sempre vier para a Europa), Kia Soul EV e Sorento, Land Rover Defender, Mazda MX-30, Mercedes-Benz GLA e GLE Coupé, a regressada MG com o 77 HS, Nissan Qashqai, Opel Mokka X EV e Grandland X Hybrid4, Peugeot 2008, e-2008, e 3008 Hybrid4, Renault Captur – como se pode ler na recente apresentação nacional, o líder de mercado reforçou, ainda mais, os seus argumentos –, SEAT e-Born EV, Skoda Vision E, Tesla Model Y, Volkswagen ID. Crozz, Volvo XC40 Recharge, e assim por diante!
Ufff… será que chega? Ou quer-se ainda mais molho? É porque se os quiser de outras paragens menos, digamos, consensuais estão ainda na calha, para uma eventual introdução na Europa uma série de SUV chineses – como o Aiways U5, o Great Wall Wey S ou o Geely FY11 – bem como o TOGG C-SUV, uma inesperada proposta da Turquia, ou ainda o Ocean, produto de uma startup chamada Fisker.
Quanto a mim, não sei se é fruto da idade acumulada, mas continuo a gostar mais da real diferenciação e na aposta num pequeno “B” de 3 portas – mais de acordo com a minha carteira/necessidades – ou numa carrinha “C”, formato com que continuo a estar eternamente apaixonado. Já o mercado, esse vamos aguardar para ver até quando vai durar esta febre!
Fotos: oficiais