A combinação era simples: sábado de manhã, no parque de estacionamento debaixo da Ponte Vasco da Gama. Ainda ao longe, distingui com facilidade a silhueta do SEAT 124 branco do meu amigo Nuno Alves. Nas conversas de café, nos tempos de faculdade, este 124 foi muitas vezes o tema das nossas manhãs em que os livros poucas aulas visitavam. Infelizmente, até este dia, ainda não tinha tido a oportunidade de conhecer o 124 pessoalmente. Foi, portanto, com muito gosto que vi este dia chegar.
O SEAT 124 foi um dos grandes responsáveis, senão o maior do mundo automóvel, pelo incremento da mobilidade da população em Espanha. Um veículo moderno, fiável e de fácil manutenção que possibilitou ao típico cidadão espanhol “dar o pulo” do seu amado, mas ultrapassado, 600, para um veículo mais actual e, acima de tudo, melhor adaptado às mais recentes vias que compunham a rede de estradas espanhola. Mais do que um mero sucesso de vendas em terras de nuestros hermanos, o 124 fez igualmente furor enquanto veículo de competição, conduzido por pilotos como Zanini e Cañellas, assim como foi o veículo de eleição da Guardia Civil, entre outros serviços.
Já na companhia do Nuno, e assim que tive as chaves na mão, soube que este ia ser um dia ainda mais especial. Conduzir um dos carros mais emblemáticos e importantes da história da marca espanhola – pela qual tenho um carinho especial – é uma experiência única, da qual quis aproveitar cada momento, sempre respeitando este “senhor” com quase cinquenta anos de aventuras para contar.
Instalo-me a bordo e fecho uma porta que bate com aquele som típico de outros tempos. Coloco o cinto de segurança, também ele diferente daquilo a que estamos habituados, e ponho a chave no canhão de ignição, à esquerda do volante. Ao primeiro toque, o quatro cilindros acorda acompanhado de um bonito som e daquele cheirinho que os automóveis mais novos já não partilham.
Assim que arranco, apercebo-me, para minha surpresa, do quão precisa é a caixa de quatro velocidades, até mesmo pelos padrões dos automóveis actuais. Uma verdadeira delícia que, em conjunto com o seu fino volante com dimensões de outros tempos, viria a dominar por completo este contacto com o 124, uma vez que as constantes lombas que iam surgindo no percurso me obrigaram a repetitivas reduções de terceira para segunda, para logo a seguir acelerar até à próxima. Sempre com a segurança de uma travagem eficaz, graças aos travões de disco nas quatro rodas, e com disponibilidade do motor e consequente destreza de movimentos, para as quais contribuem o seu baixo peso e a vivacidade dos seus 65 cavalos, que se deixam ouvir no habitáculo, quer na subida de rotação, quer nos pequenos rateres causados nas desacelerações e que o 124 não faz por esconder.
Conduzir um carro como este é um verdadeiro teste aos nossos sentidos, a verdadeira experiência do que é conduzir um automóvel, com o qual é preciso interagir para dele extrair aquilo que queremos. Os pormenores são, no mínimo, fabulosos. Os pequenos vidros giratórios nas portas da frente, o rádio da época, o funcionamento totalmente manual do esguicho do pára-brisas e o seu “reservatório”, que mais não é do que um saco de água, assim como a ausência de alternador, que no seu lugar tem um dínamo. Todo este conjunto de características que nos transporta no tempo contrasta com vários elementos de modernidade deste “quarentão”. A suspensão e o conforto que proporciona, a caixa de velocidades sincronizada (já referi que é um “mimo”? Já? Pronto…) e os discos de travão no eixo traseiro, são apenas alguns dos exemplos.
Este contraste entre a simplicidade do passado e a modernidade que referi, resulta num produto muito fiável e bem conseguido tendo em conta a sua época, sendo também um automóvel carismático e com uma presença que se faz notar por onde quer que passe. Apesar de ser um dos automóveis mais antigos que alguma vez conduzi, foi, sem dúvida alguma, um dos que mais gozo me deu guiar e conhecer.
Como “conheceste” o teu SEAT 124?
Conheci-o quando eu tinha uns cinco ou seis anos. O meu pai comprou-o a um vizinho que, sendo uma pessoa de idade avançada, já não o conduzia. Foi comprado já com a intenção de o guardar e estimar como clássico. Sei igualmente que o anterior proprietário chegou a viver em Angola. No livrete antigo, que tenho guardado em casa, tem registada essa indicação de que o carro esteve lá matriculado.
Há quanto tempo o tens e que utilização lhe costumas dar?
Desde 1990, o 124 foi o daily driver do meu pai. Depois disso esteve praticamente parado até 2004, altura em que foi vendido. Já em 2010 encontrei-o à venda pela mesma pessoa a quem o tínhamos vendido e não resisti. Voltei a comprá-lo. Desde então faço entre mil a dois mil quilómetros anuais com ele.
Que trabalho de restauro e manutenção foi feito até ao momento?
Relativamente à manutenção, não difere muito da de um carro mais vulgar usado no dia-a-dia. Tubagens do sistema de refrigeração, bomba de água e termóstato, tubos de travão, casquilhos e escape são alguns dos componentes já substituídos. A nível de restauro, para além da pintura exterior, feita em 1990, ainda nada foi feito, apesar de estar para breve algum trabalho de chapa para recuperar algumas zonas a precisarem de atenção. Este 124 foi sempre um carro de garagem.
O que mais te agrada no teu 124? Que aspectos merecem o teu destaque?
Dizer o que mais me agrada não é fácil, pois são muitas coisas. Vou fazer o contrário e dizer aquilo de que não gosto tanto. O volante, por exemplo, é demasiado grande e fino para o meu gosto. Destaque? A condução. Muitas pessoas olham para o carro e não fazem ideia do gozo que a sua condução proporciona. Basta perguntar a alguém que já tenha tido ou conduzido um 124 e todos vão dizer maravilhas. O meu pormenor preferido é, sem dúvida, o esguicho do limpa pára-brisas de accionamento manual, através de botão de pressão, ao invés de accionamento eléctrico.
Que trabalho e melhoramentos tens em mente para o futuro?
O meu objectivo é fazer uma reparação mais profunda a nível da carroçaria. É preciso reparar algumas zonas mais críticas e fazer uma pintura total que esteja à altura do 124. Quanto ao resto, o meu plano é mantê-lo exactamente como está.
Agradecimentos
Este contacto com o SEAT de 1973 do Nuno deu-se já há alguns anos. Actualmente, o 124 já foi alvo do trabalho de restauro que havia a fazer. No entanto, as memórias deste dia continuam bem presentes e parecia-me injusto não as partilhar convosco. Obrigado por esta oportunidade, “Samurai”. Agora quero voltar a conduzi-lo para experimentar a pintura nova.