Especial Estugarda: Museu Mercedes-Benz, Untertürkheim
O edifício do museu da Mercedes-Benz é, sem dúvida alguma, o mais impressionante que já vi e visitei. E não me refiro, ainda, ao seu valioso recheio que tão bem protege e expõe nas suas salas e corredores. Falo, sim, do ponto de vista arquitectónico, da forma perfeita como o betão, aço e vidro se combinam e transmitem os valores da marca. É uma obra fascinante, quer pelo seu imponente design exterior, quer pela forma inteligente e original como a estrutura foi projectada, permitindo que, no seu interior, os veículos da marca da estrela estejam dispostos de uma forma perfeita para que o visitante se deixe levar e contagiar pela Mercedes-Benz ao mesmo tempo que acompanha a sua história e a evolução das suas mais importantes e inovadoras criações.
A visita começa com uma viagem de elevador, uma verdadeira cápsula do tempo metálica de aspecto “retro-futurista” que nos leva da recepção do museu ao topo do edifício. É aqui que a viagem na história tem efectivamente início, com os primórdios do automóvel e da marca. Dali para baixo, o caminho, sempre recheado de motivos de interesse com informação interactiva, faz-se ao longo de uma dupla espiral cronológica que não só nos permite passar de era em era, através das sete belíssimas salas Legend, como também aceder às cinco salas intermédias temáticas, naturalmente iluminadas, designadas por Collection. Estas palavras não são mais do que um resumo do resumo que a seguir partilho. Garanto-vos: não há descrição (por mais pormenorizada e rica que seja), fotografias ou visitas virtuais que substituam uma visita física ao lar dos mais importantes Mercedes-Benz de sempre. Ali, entre a sua unidade de produção, o estádio Gottlieb Daimler e o rio Neckar, está igualmente o Mercedes-Benz Center Stuttgart. Este é o epicentro da marca da estrela e é território sagrado para qualquer fã de automóveis.
No piso superior tomamos contacto com o trabalho pioneiro das mentes brilhantes de Gottlieb Daimler, Carl Benz e Wilhelm Maybach, nomes que, para todos os efeitos e como resultado da sua dedicação, talento e esforço, são os responsáveis pela invenção do conceito de automóvel, ainda que muito diferente daquilo a que estamos presentemente habituados. Avançando no tempo ao descer a perfeita espiral do Mercedes-Benz Museum, vamos tomando contacto com os mais diversos e fabulosos veículos do início do século XX. Porém, é-me impossível não destacar um: o Mercedes-Simplex 40 HP de 1902, o mais antigo Mercedes em existência, exposto e iluminado de forma exímia ao centro da sua sala, um espaço soberbamente decorado. Durante largos minutos não consegui tirar-lhe os olhos de cima, só momentaneamente enquanto lhe apontava a máquina fotográfica ou o telemóvel. Um exercício de puro bom gosto entre o motivo e a sua envolvente, tudo para partilhar connosco a emoção de um automóvel que se prepara para fazer 120 anos.
Sabias que…Daimler e Benz, apesar do seu contributo conjunto e de trabalharem a apenas 100 quilómetros um do outro, nunca se conheceram pessoalmente?
Abaixo, seguem-se vários automóveis que inovaram com tecnologia como os motores Diesel e a utilização de compressores, muitos deles desenvolvidos para a aviação. Uma vez mais, digo: todos os elementos em exposição estão incrivelmente bem arrumados e adaptados ao espaço, captando constantemente a atenção do visitante. A atenção ao detalhe é doentia e, ao mesmo tempo, cativante e inspiradora. Dito isto, não é de todo impossível encontrar motores e até mesmo veículos suspensos, desafiando a gravidade. Passando ao período pós-guerra, são destaque modelos como o icónico Gullwing de chassis tubular ou o Ponton de 1953, o primeiro modelo da marca em que chassis e carroçaria eram na verdade um só corpo. Estes são apenas dois exemplos de um extenso número de veículos, todos eles, à sua maneira, carismáticos e relevantes para a longa história da Mercedes.
Nos pisos abaixo, também a segurança activa e passiva ocupa uma posição de destaque, com veículos como o ESF 22 – Experimental Safety Vehicle – de 1973, bem como novas soluções de propulsão como a tecnologia fuel cell. A última sala Legend é talvez aquela que mais impressiona. Não só pela diversidade de modelos, cores e épocas representadas, bem como, uma vez mais, pela forma encontrada para os mostrar. Este piso, dedicado ao mundo da competição, não é mais do que uma extensa curva, um plano inclinado ao melhor estilo do circuito de Zandvoort ou, por que não, inspirada na mítica Karussell do Nordschleife. É impossível não associar. Ali, de camiões de corrida a monolugares de Formula 1, passando ainda pelos clássicos Silver Arrow W 196 R e 300 SLR conduzidos por nomes como Juan Manuel Fangio e Sir Stirling Moss. Há de tudo e para todos os gostos. Não faltam igualmente as máquinas do campeonato DTM como o 190 E 2.5-16 Evo 2 de Klaus Ludwig, vencedor do campeonato em 1992, o primeiro da marca, ou um mais recente SLS AMG da categoria GT3. Ainda assim, a cereja no topo do bolo é a bancada superior que permite desfrutar daquela vista recheada de potência enquanto o sistema de som do espaço reproduz o som dos motores de corrida. É de ficar sem palavras.
Foi difícil manter-me concentrado, pois queria absorver o máximo possível de informação, captar tudo ao mesmo tempo e dei por mim algo assoberbado com a dimensão e espectacularidade do espaço. No entanto, para além dos que descrevi, visitei ainda as cinco salas Collection. A primeira, a “Gallery of Voyagers”, inclui uma variedade de autocarros e limousines de várias épocas. Destaco o belíssimo autocarro O 2600 de 1940 com carroçaria de dois tons e motor Diesel de 5,0 litros com quatro cilindros e 70 cavalos. Na “Gallery of Carriers” estão “estacionados” diversos veículos de transporte de mercadorias, de furgões a camiões, e onde o ponto alto é claramente o veículo de transporte dos 300 SLR de competição. Uma réplica perfeita do único exemplar construído em 1955 e que atingia mais de 160 km/h mesmo quando carregado com a máquina de corridas. A ideia era intimidar os seus rivais, pois se o camião é assim tão rápido, como será o carro de corrida…
A terceira sala é designada por “Gallery of Helpers” e expõe todo o típo de veículos de serviços, desde ambulâncias dos anos 1930 a carros de combate a incêndios produzidos em 1912. Esta área é também dividida por veículos que não podiam ser mais diferentes um do outro, como um Unimog limpa-neves e o carro do médico do campeonato mundial de Formula 1. Já na “Gallery of Celebrities” fiquei a saber que o Randall “Memphis” Raines do filme “Gone in 60 seconds”, também conhecido por Nicholas Cage, não conduzia um Shelby GT500 fora do ecrã, mas sim um 190. Por ali há também outros carros muito interessantes, como o 230 G utilizado na visita do Papa João Paulo II à Alemanha em 1980 e a réplica do autocarro da selecção de futebol alemã no campeonato mundial de 1974. Por último, na “Gallery of Heroes” estão expostos os veículos representativos das mais diversas tarefas diárias e que celebram a mítica fiabilidade da marca, desde um Unimog de 1949 a um táxi 240 D de 1975.
A verdade é que estive mais de seis horas dentro do museu e foi – lagrimita no canto do olho, ao relembrar – maravilhoso. No entanto, não consegui deixar de ficar com a sensação de que muito ficou por ver. Queria ter consumido e absorvido tudo sobre tudo. Todos os veículos ao pormenor, todos os expositores e acessórios que complementam os carros, camiões e autocarros, todos os painéis de informação e todos os pontos de paragem obrigatórios para que através do guia áudio pudesse ficar a saber um pouco mais sobre o objecto em questão. Já me doíam as pernas, mas seis horas não chegam. Pelo menos para mim. Saí já de noite e fui recebido por um grande nevão que só veio tornar ainda mais especial uma viagem que já há muito queria fazer. Foi um dia que, pelas melhores razões, pareceu-me demasiado curto. No entanto, foi um grande dia. Obrigado, “Mercedes”.