Kia Telluride: “Veni, vidi, vici”
Frase alegadamente proferida pelo imperador romano Júlio César, no ano de 47 a.C., descrevendo uma das suas múltiplas vitórias militares no processo de alargamento do seu império, a clássica expressão em latim “Veni, Vidi, Vici” (algo como “Cheguei, vi, venci” em português) aplica-se que nem uma luva à vitória do Kia Telluride na iniciativa ‘World Car Awards’ deste ano, através da conquista do prémio máximo de ‘Carro do Ano Mundial’.
Como lhe dissemos há cerca de um mês, no texto “Carros do Ano 2020: Peugeot 208, Toyota Corolla e… aceitam-se apostas!”, o único ‘Carro do Ano’ que faltava conhecer em 2020 era este de âmbito mundial, pelo que, quem escolheu, de entre os três finalistas ao dito, o mais crescido dos SUV da Kia… ganhou a aposta!
Nem imagino o desalento que se viveu nas hostes da Mazda, ao verem uma dupla hipótese de sucesso esfumar-se com o algo surpreendente sucesso da proposta sul-coreana, mas a realidade é esta e indesmentível: feitas as contas aos votos dos membros do júri, o quase desconhecido Kia Telluride (deste lado do Atlântico) somou 758 pontos, respectivamente mais 13 e mais 20 do que os mais propalados Mazda3 e Mazda CX-30.
Apesar de também importante, nem a vitória do Mazda 3 na sub-categoria de ‘Design’ deverá ter chegado para afastar algum do desespero sentido para os lados de Hiroshima, sendo que também a coisa aqui esteve perto de correr mal, pois os 179 pontos somados pela proposta japonesa apenas suplantaram o resultado final do superdesportivo eléctrico Porsche Taycan, por uns míseros dois pontinhos, sendo bem mais folgada a distância a que ficou o pequeno e bem bonito Peugeot 208, que ao não conquistar a simpatia dos jurados se viu relegado para uns longínquos 35 pontos de distância nesta categoria em que o subjectivo gosto de cada um tem mais importância!
Então e o que é um Kia Telluride?
O Telluride é um produto da Kia Motors, um SUV/ crossover com cinco metros de comprimento e três filas de bancos (ou oito lugares), fabricado, em exclusivo e desde Fevereiro de 2019, em West Point, no estado norte-americano da Georgia. Partilha com o seu primo Hyundai Palisade, este de produção sul-coreana, vários componentes mecânicos – incluindo o bloco GDI V6 de 3,8 litros, com 290 CV e 355 Nm de binário e a transmissão automática de 8 velocidades – e a sua base estrutural, tendo sido lançado nos EUA para tentar bater modelos de sucesso como o Ford Explorer, o Chevrolet Traverse, o Honda Pilot ou o Volkswagen Atlas nesse tão importante segmento. É um SUV de grande requinte, tecnológico e de conteúdo, em que se destaca o (opcional) sistema AWD com Torque Vectoring Cornering Control (TVCC), entre outros elementos.
Então e o que o destaca dos adversários Mazda 3 e o Mazda CX-30 no assalto a este título? Bom, tirando a parte subjectiva da beleza do design de cada um, os preços perfeitamente diferenciados e o facto de todos viverem em segmentos muito próprios, há algo que, de facto, os distingue muito em particular: a sua abrangência! Isto porque o SUV sul-coreano foi inicialmente pensado apenas e só para o mercado dos EUA, a sua comercialização viu-se, entretanto, alargada aos vizinhos Canadá e México e, depois disso, ao Médio Oriente, em especial aos Emirados Árabes Unidos, mercados que somavam, no seu conjunto (dados de Março último), um volume na ordem das 80.000 unidades.
A Europa não o contempla, a não ser pelo mercado paralelo de importação. Já as duas propostas japonesas que lhe faziam frente na luta pelo ceptro mundial vendem-se muito bem (mais a berlina que é mais antiga e menos o SUV compacto que é mais recente) e em dezenas de mercados de todo o planeta (Portugal incluído), sendo ambos construídos em mais do que uma fábrica: o Mazda 3 e o CX-30 nascem ambos no Japão, Tailândia e México, fabricando-se o primeiro também nos EUA e na China.
Então e como chegou o Telluride aos dez finalistas? Ou antes, como é que um SUV praticamente desconhecido consegue passar ao top-3 de finalistas, para depois arrebatar o troféu mais abrangente do planeta? Bom… como diz o outro, “comecemos pelo início”. À semelhança de outros galardões de ‘Carro do Ano’, são candidatos aos ‘World Car of the Year’, de um modo – digamos – automático, todos os modelos cuja comercialização se situe num determinado período temporal, em geral o ano comercial que se inicia em Janeiro e termina em Dezembro (há variantes, mas em regra geral abrange um total de doze meses).
Para esta edição e tidos em conta todos esses lançamentos nos diferentes mercados do planeta, mais as regras em vigor – cada modelo tem que vender pelo menos 10.000 unidades/ano, ter um preço abaixo da referência do mercado de luxo nos seus mercados principais e ser vendido em pelo menos dois continentes – os 86 jurados que compõem o painel internacional, de 24 países de todos os cantos do mundo (incluindo um português) deram o seu primeiro input na definição de uma primeira lista de 29 viaturas, alvo depois de uma análise mais atenta às suas características e capacidades. Seguiu-se nova avaliação, encolhendo-se o leque a um top-10 onde chegaram os seguintes modelos: Hyundai Sonata, Kia Soul EV e Kia Telluride, Land Rover/Range Rover Evoque, Mazda 3 e Mazda CX-30, Mercedes-Benz CLA e Mercedes-Benz GLB e Volkswagen Golf e Volkswagen T-Cross. Depois o cerco apertou e deste grupo elegeram-se os três que foram à tal votação final, de onde o Telluride fez história, tornando-se no primeiro modelo da Kia a alcançar um dos mais importantes ceptros internacionais da indústria automóvel.
O valor intrínseco do maior dos SUV da Kia é, hoje, uma realidade indesmentível, não só por este troféu, quanto mais não seja porque a sua vitrina está bem recheada. Só nos primeiros três meses do ano, o Telluride conquistou a denominada “Triple Crown” da indústria norte-americana, ao ver ser-lhe atribuído o ‘2020 North American Utility Vehicle of the Year’, nos galardões ‘North American Car of the Year’, o ceptro ‘MotorTrend SUV of the Year’ e o ‘Car and Driver 10 Best’. Ao mesmo tempo obteve o ‘Best New Car 2020’ e o ‘Best Car Interior Under $50,000’, ambos da AutoTrader, o ‘Top Pick for Families’, do U.S. News & World Report, o ‘MAMA Family Vehicle of the Year’, o ‘ALG Design Innovation’, o ‘Edmunds Top Rated Award’ e ainda dois troféus ‘Kelley Blue Book’s Best Buy Awards’, entre outras distinções.
As batalhas pelos restantes ‘World Car Awards 2020’
Numa das restantes vertentes destes ‘WCA’ a Kia surge de novo na ribalta, pois também o seu ambiental Soul EV saiu da cerimónia online com um prémio, da sub-categoria de ‘Urban Car’, somando 751 pontos, contra 702 do Volkswagen T-Cross e 574 do Mini Cooper SE Electric.
Do mesmo modo, a Porsche garantiu uma dupla vitória com o Taycan, uma na sub-categoria ‘Performance’ e outra na de ‘Luxo’. A primeira traduziu-se numa batalha fraticida, pois os dois outros finalistas eram o icónico 911 (809 pontos) e o cativante 718 (776 pontos), menos do que os 867 pontos do menino bonito da casa de Estugarda. No segundo grupo, o Taycan e o 911 voltaram a enfrentar-se, com vantagem para o primeiro (846 vs 786 pontos), batendo os compatriotas e eternos rivais da Mercedes-Benz, que viram o seu novo EQC somar apenas 778 pontos.
Acrescente-se que o grupo dos premiados desta edição 2020 dos ‘WCA’ encerrou com mais um nome, que até já havia sido anunciado no início de Março, o do português Carlos Tavares, CEO do Groupe PSA, a quem foi atribuído o troféu de ‘Personalidade do Ano’, pelo seu contributo para o sector e pelas suas inegáveis capacidades de gestão de um cada vez mais gigantesco grupo industrial que, se tudo correr como previsto, tem casamento agendado com a Fiat Chrysler Automobiles.
Fica, assim, provisoriamente, fechada a contagem dos galardões mais representativos da indústria automóvel deste peculiar ano, pelo menos até que seja anunciado o ‘Women World Car of The Year 2020’, a conhecer lá para Novembro. Aguardemos, nesta fase, de preferência em nossas casas. Proteja-se, a si e aos seus!
Fotos: Oficiais – Kia, Mazda, Porsche, WCA