Philippe Bugalski: “today was a good day”
O alcatrão da Catalunha, cenário da quinta prova do calendário de 1999 do Campeonato do Mundo de Rally, foi igualmente o palco de um dos mais inesperados episódios de sempre desta disciplina da competição automóvel. Isto porque foi ali, naquele ano, que um kit car, um F2, bateu pela primeira vez os teoricamente mais competitivos WRC equipados com tracção integral. A mais vantajosa relação peso/potência dos kit car em combinação com a superior aderência das provas em asfalto mostrou aqui ser um osso duro de roer pela concorrência de tracção às quatro.
A máquina em questão foi o Citroën Xsara Formula 2, um tracção dianteira equipado com um motor dois litros atmosférico, dono de uma sonoridade de admissão simplesmente viciante. Mas se o ronco dos cerca de 300 cavalos do Xsara é como música para os ouvidos de todos os petrolheads, o que dizer do talento do maestro Philippe Bugalski que o punha a cantar, e que o levou, na prova catalã de 1999, à vitória geral final com mais de meio minuto de vantagem para o Corolla WRC de Auriol e deixando o Lancer do campeão Mäkinen a 2:21 no lugar mais baixo do pódio.
O Rally da Catalunha desse ano previa a realização de dezanove classificativas, num total de cerca de 400 quilómetros. Esta foi a primeira prova do ano a realizar-se sobre asfalto mas logo na primeira classificativa a origanização viu-se obrigada a interrompê-la devido à quantidade incontrolável de público que aguardava, na insegurança das sobrepovoadas bermas, pela passagem dos seus pilotos preferidos. O rali ficou assim reduzido a dezoito classificativas, sendo que metade foi ganha por um Xsara Kit Car, ou com Bugalski ao volante, com cinco vitórias acumuladas, ou com o seu companheiro de equipa, Jesús Puras, que não viria a chegar ao fim devido a problemas de motor.
Após a desistência do Xsara do piloto espanhol, Bugalski passou para a liderança – para não mais a perder – mas sempre pressionado pelo Toyota de Auriol que entrou para o último dia de prova, com cinco classificativas e pouco mais de 90 quilómetros pela frente, com 17,7 segundos de desvantagem. No entanto, nesse último dia, Bugalski conduziu o Xsara a duas novas vitórias em classificativas e aumentou a sua vantagem os 31,4 segundos finais. Auriol nada mais pôde fazer senão aceitar a vitória do kit car francês, embora não tenha ficado agradado com a regulamentação que o levou a “perder” pontos para um piloto que não competia na sua classe. Esta foi a primeira vez que um carro de tracção dianteira venceu uma prova do mundial de ralis desde 1988, quando um Opel Kadett GSI venceu na Nova Zelândia. No entanto, na jornada seguinte da temporada de 1999, na Córsega, Bugalski repetiu a dose e foi, desta vez, acompanhado pelo Xsara de Puras no segundo lugar do pódio, uma dobradinha inesquecível para a marca do double chevron.
Para muitos, Jean Ragnotti é o mais espectacular e eficaz piloto de todos os tempos ao volante de um carro de ralis de tracção dianteira. É, sem dúvida, um reconhecimento merecido. No entanto, Bugalski provou, por mais do que uma vez, que merece igualmente uma distinção equivalente ou, pelo menos, ser relembrado como um dos maiores “tarmac expert” que o mundo dos ralis já viu nascer. O piloto francês viria, lamentavelmente, a falecer em 2012, com apenas 49 anos, vítima de uma queda. Esta é a nossa simbólica, mas justa, homenagem, o nosso reconhecimento pelo talento de um piloto que não conseguiu esconder a alegria no seu inglês à francesa, ao vencer o seu primeiro rally, naquelas circunstâncias, à partida, pouco vantajosas: “For Citroën is a good day and for Philippe Bugalski is a good good day.”
Fotos: ewrc-results.com/Citroën