26 anos sem Ayrton Senna: como todos nós, também eu sei onde estava naquele dia
Os meus fins-de-semana enquanto criança incluíam sempre um almoço em casa dos meus avós, refeição à qual se seguia uma visita a casa dos meus tios. Enquanto os mais velhos, pais e avós, acendiam o lume e preparavam a comida, eu ia até à oficina do meu avô, pegava nas minhas ferramentas em miniatura, enchia um regador de água, e cavava e moldava a terra do quintal a meu gosto, construindo pistas e estradas onde depois brincava com os imensos Majorette, Matchbox, Corgi e outros que transportava comigo num saco para onde quer que fosse.
Depois do almoço, já em casa dos meus tios, enquanto todos desfrutavam de um café, eu contentava-me e deliciava-me com uma pequena colher para ficar com aquele gostinho maravilhoso que evoluiu para um vício de que hoje não me quero separar. Tenho saudades desses tempos. Divertia-me e não tinha preocupações. Mas esses domingos eram ainda melhores quando havia Grande Prémio na televisão. Nesses fins-de-semana, largava os meus carrinhos e sentava-me sossegado em frente à grande Sony Trinitron que ocasionalmente tinha um gato a dormir em cima.
Com apenas oito anos, não era, obviamente, nenhum entendido em Fórmula 1, algo que também não sou actualmente. Mas adorava ver as corridas pela impressionante rapidez das cores daqueles fabulosos carros com que acelerava também no chão de casa e, acima de tudo, pelo som ensurdecedor e viciante com que se faziam ouvir ao domingo na sala dos meus tios. O Grande Prémio de San Marino de 1994 não foi excepção. Nesse domingo, lá estava eu em casa deles, com os brinquedos estacionados num canto da carpete enquanto via Senna e companhia a acumular voltas no traçado de Imola.
Não me lembro da corrida nem de nenhum outro episódio que não o acidente de Senna. Tenho igualmente a certeza de que, aos olhos de uma criança, não fiquei, na altura, com uma verdadeira noção da dimensão e importância do que sucedeu naquela fatídica corrida. Actualmente, e depois de ter visto as imagens do acidente inúmeras vezes nos últimos 26 anos, posso dizer que o impacto assusta-me cada vez mais. As imagens continuam a ter tanto de inconclusivo como de impressionante. Como pode um homem resistir a tamanho embate? Não pensei nisso com oito anos e, hoje em dia, também não sei a resposta.
Não são poucas as vezes em que ouvimos as gerações mais velhas a relembrarem episódios passados com precisão. Todos os que o viveram, sabem onde estavam e com quem estavam no 25 de Abril de 1974, naturalmente. Eu não estava por cá ainda. Mas apenas com oito anitos, sei exactamente onde e com quem estava no dia 1 de Maio de 1994. Mesmo sem o saber, aquele momento fez-me crescer e aperceber-me do quão significativa pode ser a perda de alguém que nos é querido, um ídolo, amigo ou familiar. Tenho mesmo muitas saudades desses tempos. Da condução e talento de Senna, obviamente, mas também da boa disposição e humildade do meu tio e do carinho e abraço do meu avô. Passados 26 anos, para mim, Senna é isto.
Fotos: ayrtonsenna.com.br/Formula1.com