Não Deixem Morrer os Carros
Começo por dizer que este é um apelo sincero cuja repercussão vai ser nenhuma. Ou pelo menos para já. Gostava de pensar que um dia mais tarde alguém importante dissesse que uma vez leu uma crónica de um gajo em Portugal chamado Rafael Aragão e que isso o fez pensar duas vezes. A verdade é simples: os carros estão a morrer. Mas os carros a sério, para pessoas reais. Mesmo os superdesportivos estão cada vez mais a virar-se para as modas dos SUV, embora algumas marcas ainda estejam relutantes. Mas com essas não me preocupo. Primeiro, porque os preços são astronómicos e, segundo, porque para os ricos ou super-ricos vai haver sempre uma solução para o que procuram. Agora, para as pessoas normais, aquelas para quem o dinheiro é uma ferramenta de vida que precisam de utilizar com inteligência para não correr mal e dar game-over, para essas, o caso está um pouco complicado.
A essas, está a ser forçada uma escolha cada vez mais específica e pouco abrangente, numa receita de SUVs desinteressantes e desnecessários, motorizações sem sabor e o quase desaparecimento dos desportivos acessíveis; aqueles que se conseguem utilizar verdadeiramente no dia a dia. Não aqueles que se piscamos os olhos quando aceleramos a curva já ficou lá atrás ou que têm motores maiores que tratores. Não me interpretem mal. Adoro-os, mas dificilmente os compraria. Mesmo que tivesse dinheiro, atenção! O problema aqui não é o custo, é a falta de opções.
Por partes
Na grande maioria dos países europeus, os carros são carregados de impostos. É IVA, capacidade do motor e emissões poluentes. Nada contra. Percebo e concordo com a razão, ainda que discorde do modo e da consequente aplicação (ou falta dela) desses impostos. A diferença é que esses países não estão na mira das construtoras, que sabem que ganham mais dinheiro nos países mais displicentes nos impostos porque não precisam de inovar tanto, o que as faz ganhar duas vezes. Poupam no desenvolvimento e vendem produtos mais caros que têm maiores margens de lucro. Não posso discordar, é o mercado a funcionar. Mas isto traz um problema.
Se não se pára uma fuga de água na parede, é muito provável que ela vá aumentar até rebentar com a parede. Nos mercados é igual. Se não se apresentam alternativas, as pessoas passam a comprar o que há. E as marcas, percebendo essas orientações de consumo, começam a apostar só nesses produtos. Quem perde? O consumidor. Quantas vezes já não pensámos “Eish, já não fazem disto? Gostava tanto.”? Nos carros, como há pouca escolha – apesar de não parecer – o problema torna-se exponencial. Ai gostam de SUVs? Então tomem lá. Ai gostam de carros desinteressantes? Então tomem lá. Toda a gente vai atrás das modas. Mesmo que digam que apostam no design e na evolução tecnológica, é tudo peta. Querem é dar o que acham que as pessoas querem. Mas em qualquer história há sempre o outro lado. E esse lado, por ter sido “esmagado” por impostos e falta de alternativas ou soluções interessantes, começou a não comprar. É aqui que entram as pessoas que gostam de carros (da mesma forma que há pessoas que gostam de casa, por exemplo). Dizer que um carro só deve servir para ir de A a B é o mesmo que dizer que uma casa só serve para dormir. Então se é assim passamos todos a viver num T0 sem graça. Entendem o que digo?
A solução, para mim, passa pela “hibridização recarregável”. É o melhor dos dois mundos. Temos um carro mais eficiente e, ao mesmo tempo, mais pujante. Não basta isso para tornar um carro num desportivo, claro, mas quanto melhor se trabalhar um chassis ou a plataforma, melhor serão todos os carros que a usarem. Dos mais desportivos aos menos desportivos. Toda a gente ganha. Podemos usar motores mais pequenos e que poluem menos. Os impostos ficam mais leves e as alternativas surgem naturalmente e mais facilmente. Há marcas que continuam a apostar na diferenciação e em carros verdadeiramente desportivos e relativamente acessíveis, é certo, mas não chega. Podiam fazer mais. Começo a perceber alguns sinais de que estão a acordar para esta ideia, mas não só ainda é cedo para perceber como ainda não dá para perceber se é uma moda.
Cada vez mais o tipo de consumidor vai polarizar-se. Os que não se interessam por isto e os que se interessam muito. É normal e não há problema nenhum. É preciso é ter soluções para ambos. As marcas que o souberem fazer serão as que, no futuro, vão ganhar.
Fotos: Oficiais