A minha ideia do que um hot hatch deve ser
A foto-montagem está incrível. Incrivelmente má, na verdade. Photoshop não é, de todo, o meu forte, mas pareceu-me importante para fazer passar a mensagem com eficácia. A mensagem de que o hot hatch está a morrer. O original, pelo menos.
Ainda há poucos dias aplaudi marcas como a Toyota e a Hyundai, símbolos que, tal como a Ford, por exemplo, mantêm a aposta no conceito hot hatch através de uma abordagem moderna, com potentes motores sobrealimentados, jantes enormes calçadas com muita e aderente borracha e um habitáculo com equipamento para dar e vender. Até já contam com tracção integral, imagine-se. Estes são modelos cada vez mais raros no mercado, com uma vida cada vez mais dificultada pela constante perseguição àquela grama de CO2 que salvará o planeta de um fim negro e àquele decibel do escape desportivo capaz de fazer pontes cair. Volto por isso a agradecer às marcas que os mantêm vivos. Obrigado, caras marcas que os mantêm vivos.
No entanto, o seu fim parece-me inevitável. Para o hot hatch sobreviver é preciso rever a receita. Mas no lugar da electrificação dita obrigatória, proponho um regresso às origens. Até porque o maior obstáculo à performance e eficiência de um automóvel é o peso e esse aumenta muito ao electrificar uma motorização para que uma marca possa dizer que o seu novo e potente modelo gasta apenas 1,5 litros/100 km. Os primeiros 100, entenda-se.
E já que o mercado SUV prospera com as suas carroçarias enormes, jantes de 25 polegadas e motores de 400 cavalos com sistemas mild hybrid que reduzem a pegada ambiental na mesma proporção que a Terra tem na Via Láctea, gostava que fossem os hot hatch, essas coisas desnecessárias, a dar o exemplo de como se reinventa um conceito para felicidade de quem os admira e para o bem daqueles que, por outro lado, não querem nada com eles e preferem o seu económico V8 ligeiramente electrificado – com tecnologia de desactivação de cilindros, claro! – que só gasta assim 18 l/100 km nos três quilómetros diários entre o escritório e o ginásio.
O problema continua com os números dos hot hatch actuais. Acho o Mercedes-AMG A45 S um carro fascinante. Mas um Classe A com mais de 400 cavalos e tracção integral não é um hot hatch. O Civic Type Type R é um hot hatch fabuloso. Só que não é um hot hatch. Com 320 cavalos e jantes de 20 polegadas pintadas com tinta preta super aderente, atira-se para os 280 km/h e limpa curvas com uma eficácia capaz de sujar as calças de um pendura mais nervoso. Desculpem-me, mas é rápido demais para um hot hatch.
E o problema prolonga-se ao segmento dos utilitários onde, felizmente, não é tão grave. O GR Yaris vai custar 50 mil euros. O Fiesta tem 200 cavalos e o i20 N promete potência e eficácia equivalentes. Mas veja-se o exemplo da Suzuki com o Swift Sport. Não é rival do Ford nem o será do Hyundai. Muito menos do Toyota. Mas é talvez aquele que melhor veste o fato de hot hatch, com mais potência que as versões base, mas sem a duplicar. Perfeito para as rotundas e não tanto para o “ring”. Pois é nas rotundas e curvas entre casa e trabalho que o condutor do hot hatch vive. Não vive num circuito. As ruas são a casa do hot hatch.
Por outro lado, agradeço o aumento de potência dos mais recentes modelos, pois só assim se consegue compensar o aumento de peso a que o equipamento tecnológico de que tanto gostamos e a segurança que tanto prezamos obrigam. Mas é também verdade que as plataformas dos automóveis modernos estão cada vez mais leves. Proponho então que não as enchamos de lastro que um hot hatch não precisa. Quero lá saber do sistema de som premium se o motor tem um grande ronco. Quero lá saber dos bancos aquecidos se vou estar a suar adrenalina por todos os poros quando sair para comprar frangos.
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Assim, reduzindo o peso, pode também reduzir-se a potência. E reduzindo-se a potência, podemos reduzir a cilindrada e consequentemente os impostos. E se há menos potência, é preciso menos borracha para a passar ao asfalto, beneficiando, novamente, os consumos e também porque um hot hatch tem de se mexer, tem de ser nervoso e não uma arma. Tem de ser um atleta e não um cirurgião. Tem de ter caixa manual e três pedais e um travão de mão à altura da gincana dos pilares do parque do shopping. Estou-me borrifando se a transmissão de dupla embraiagem tira 0,1 segundos ao tempo de 0 a 100 km/h. O que eu quero é interagir com o carro. Quero fazer ponta-tacão e acertar 2 vezes em cada 10. Não quero saber se o SQ7 novo do tio do Tó Zé anda mais que o meu hot hatch. O tio do Tó Zé vai ser apanhado por excesso de velocidade numa autoestrada, mas nunca fará uma rotunda em “lift-off oversteer” a 50 km/h. Jamais.
O que eu quero mesmo é algo como aquilo que tentei criar com este Peugeot 208 Rallye, um potencial sucessor espiritual do 205, talvez o melhor hot hatch de todos os tempos. O 208 é um automóvel leve e tem na sua gama um pequeno, mas grande motor 1.2 litros Turbo com 130 cavalos com potencial para dele se extraírem mais alguns sem com isso prejudicar demasiado os consumos, emissões e fiabilidade. Tem também uma caixa manual de 6 velocidades. E mais importante de tudo, tem um dos símbolos certos na grelha. Um símbolo com história no segmento. O 205 merece a homenagem, o 208 merece a preparação e nós merecemos conduzi-lo.
A cada 10 minutos nasce uma nova marca de supercarros, alguns deles eléctricos para compensar a pegada ambiental e continuidade de outros que não o são. Gosto disso. Só que os carros, na sua generalidade, estão cada vez maiores, mais potentes e caros. Mas continuam a dizer-nos que são cada vez mais eficientes. Discordo. Não totalmente, mas discordo. Porque acho que mais podia ser feito nos modelos que realmente importam no mercado, os carros que as pessoas compram ou podiam comprar. E ao mesmo tempo que lhes retiravam as jantes cada vez maiores e o equipamento que não se justifica, reduzindo o peso e a necessidade de mais potência, salvavam uma espécie em vias de extinção. Deixávamos o Autobianchi A112 Abarth, o Volkswagen Golf GTI e o Alfa Romeo Alfasud Ti orgulhosos. E o planeta. E o Tó Zé, que não gosta do SUV do tio. Menos é mais e o hot hatch é disso um grande exemplo. Ou podia sê-lo.