Ai os híbridos poluem mais? Só se for na terra dos sonhos!
Sim, estou notoriamente incomodado com a decisão do Parlamento em limitar/eliminar os apoios à compra de carros híbridos para o Orçamento de Estado de 2021. Para começar, porque se baseia numa premissa falsa. Depois, porque não houve qualquer discussão com o sector e nenhuma consulta com especialistas e vai colocar o peso da evolução tecnológica e renovação do parque automóvel novamente nos mesmos.
Vamos a factos
Facto número 1: os carros híbridos e híbridos recarregáveis são muitíssimo menos poluentes e muitíssimo mais eficientes que os carros que apenas têm motores de combustão interna. Isto é válido independentemente da cilindrada. Seja um 4 cilindros com 1 litro de cilindrada, ou um V8 com 4 litros. Qualquer solução que inclua um motor eléctrico para ajudar o térmico vai ser sempre mais eficiente, tanto a nível de consumo e energia, como de poluição.
Facto número 2: se os carros forem, apenas, híbridos dos que não permitem carregamento, existe uma gestão muito eficiente por parte do computador do carro para que este funcione o mais possível na sua maior eficiência, o que permite, imediatamente, redução de emissões e consumo. Mais! Dentro das cidades, actualmente a tecnologia permite que funcionem grande parte do tempo em modo eléctrico, o que reduz significativamente a poluição sonora e química.
Facto número 3: se falarmos dos híbridos que permitem carregamento, temos no mercado soluções que permitem rodar em modo totalmente eléctrico durante 40 a 60 quilómetros. Mais do que a média diária de distância percorrida por cada condutor nacional. A grande maioria destes carros são os “normais”, com baixas cilindradas, cujos motores a combustão, se não houver bateria, são exactamente iguais a todos os outros (ou, até, mais eficientes por usarem tecnologia mais recente).
Facto número 4: o parque automóvel português é dos mais antigos da europa (média de 13 anos de idade) e o conjunto de emissões médias de todos os carros à venda actualmente é muito inferior à média dos carros mais antigos. Em 2020, qualquer carro consome e polui muito menos que um carro de motor equivalente, mas construído há vinte anos. Este é o principal problema da poluição gerada pelos automóveis em Portugal.
Facto número 5: o nosso país nunca foi amigo dos carros. É dos países com maior carga fiscal na compra de carro novo e todos os anos leva multas por parte da União Europeia por fazer uma brincadeira chamada dupla tributação. O IVA, aplicado no fim do cálculo dos custos do carro, incide sobre o ISV, aplicado como parte do custo de aquisição do carro. Ora isto leva a que estejamos a pagar imposto de um imposto. Uma palhaçada, sim! O problema da elevada carga fiscal na compra de carro novo faz com que o problema do ponto número 4 se mantenha e/ou agrave.
Facto número 6: efectivamente, carros com grandes e poluentes motores, mesmo que sejam híbridos recarregáveis, se não derem uso ao motor eléctrico e carregarem as baterias, vão consumir muito. Mas estamos a falar de motores de muito alta cilindrada, cuja representatividade no total de carros híbridos e híbridos recarregáveis comprados todos os anos é baixa. Quem tem 125 mil euros para comprar um “carrão”, vai continuar a ter, mesmo que o preço aumente em 25 mil. Agora, quem está a ponderar gastar 25 mil num carro que tem uma pequena ajuda do Estado, se o carro passar a 30 mil provavelmente não o vai comprar. Esta falácia de que as ajudas só ajudam quem tem dinheiro é falsa. Quem tem poder de compra, vai continuar a ter. Quem não tem, se perder as ajudas para estas soluções mais ecológicas e eficientes, vai deixar de ter.
Hipótese: se querem limitar as ajudas à compra de carros híbridos e híbridos recarregáveis, que o façam por escalões. Não sou especialista em finanças públicas, mas seria algo do género: carros híbridos e híbridos recarregáveis até 1.5 litros de cilindrada beneficiam de ajuda a 100%; ate 1.8 litros, 75%; e até 2 litros, 50%. Acima disso, não beneficiam. Dado que a maioria dos carros deste género têm motores a combustão dentro destas faixas de cilindrada, todos ganhavam. Os que quiserem comprar carros com estas tecnologias mas que queiram motores maiores – e, tendencialmente, menos ecológicos – sujeitam-se às alternativas mais eficientes que prevêem ajudas ou desembolsam o dinheiro que for necessário. Bastante simples, parece-me!
Isto e reforçar a rede eléctrica de carregamento (algo muito importante para híbridos e para os 100% eléctricos) e as boas práticas ecológicas. Isto deve ser feito por cada um dos utilizadores, mas relembrar não custa nada.
Os partidos e deputados que levaram esta alteração para o Orçamento de Estado têm boa vontade. Têm eles, eu e todos aqueles que tenham dois dedos de testa. Mas numa altura em que é essencial que as pessoas comprem soluções mais ecológicas – carros e não só – para baixar as emissões e renovar o parque automóvel, esta limitação ao incentivo de compra de veículos híbridos passa uma mensagem muito perigosa e contrária não só aos valores desses partidos, como aos valores de uma sociedade que se pretende mais amiga do ambiente. Se têm dúvidas, perguntem. Se não sabem, pesquisem.
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