Dakar Classic: Buggy Sunhill de regresso ao futuro!
Esta é a curiosa história do Buggy Sunhill, um pequenino buggy que esperou 42 anos para voltar às pistas do Dakar, desforrando-se do azar que lhe havia batido à porta na primeira vez que participou na hoje icónica maratona, levando agora de vencida aquela que foi a primeira edição do “Dakar Classic”, categoria que se estreou nas pistas desérticas da Arábia Saudita.
Trata-se de um projecto criado, originalmente, pelo francês Yves Sunhill, e que foi conduzido pelo próprio na primeiríssima edição do então Paris-Dakar, em 1979, prova onde não teve grande sorte, já que abandonou bastante cedo por avaria irreparável no intercooler do seu motor Alpine. Eventualmente desgastado com a situação, após tudo o que investiu na preparação e participação na prova, tê-lo-á vendido – dizem as crónicas – a um expatriado francês que vivia na Nigéria, perdendo-se-lhe o rasto a partir de então.
O carro ressurgiria no início do Século XXI, em exibições de promoção para o Dakar e já pelas mãos de novos proprietários, ávidos de o recuperar para a competição, num regresso que se fez nesta que foi a primeira edição do Dakar Classic. E fez-se pela porta grande, já que o outrora desistente conquistou, agora, uma saborosa vitória através da dupla Marc Douton e Emilien Étienne, dois amigos franceses que trabalham na Dassault Aviation e que decidiram embarcar nesta primeira aventura clássica da maratona de TT.
Aos comandos de uma versão restaurada do buggy Sunhill original, trabalho feito pela Nantes Prestige Auto, que entretanto o dotou de um motor VW T1, Marc e Emilien cumpriram os milhares de quilómetros deste “Dakar Classic”, impondo o rejuvenescido Buggy Sunhill n°229 ao Mitsubishi Montero V6 dos espanhóis Juan Donatiu / Pere Serrat (carro que participou na edição de 2005 do Dakar através das irmãs Julia e Beatriz García, dupla feminina que, então, se perdeu na Mauritânia) e ao camião Renault Kerax 420 DCI da tripla francesa Lilian Harichoury / Luc Ferti / Laurent Correia, exemplar que participou em diversas edições do Dakar africano. Acrescente-se que, no total as 12 Etapas deste seu Dakar particular, este buggy alcançou 6 vitórias em Especiais, 5 2ºs lugares e um 3º melhor tempo, ou seja, a cada dia subia sempre a um dos lugares de pódio.
À chegada a Jeddah, os orgulhosos vencedores avançaram um pouco do que poderá ser o futuro do seu Buggy Sunhill, estando em estudo a adaptação do mesmo a um bloco eléctrico alimentado por baterias de iões de lítio, ou mesmo a uma pilha de combustível, inscrevendo-o em potenciais rally-raids que integrem categorias de energias alternativas… incluindo um potencial (já falado) “Dakar Electric”, ou “e-Dakar”. Aguardemos!
Vinte e quatro regressados no novo Dakar Classic
De 3 a 15 de Janeiro último correu-se aquela que foi a primeira edição de sempre do “Dakar Classic”, prova que se correu nas mesmas duas semanas do Dakar tradicional, mas com um percurso próprio, em paralelo e menos demolidor face ao da prova grande, mas ainda assim com uma elevada exigência de navegação. Desenhado a preceito, o seu percurso integrava 12 etapas, com distâncias competitivas entre os 200 e os 300 km, por vezes, entrecruzando-se com o traçado do Dakar tradicional.
Reservada a veículos que tivessem participado em edições desta maratona realizadas entre o original Paris-Dakar de 1979 e o Paris-Dakar-Cairo de 2000, contavam-se, à partida da prova. nada menos do que 24 icónicos exemplares do Dakar do século passado, entre os quais dois buggies Sunhill (o referido no texto acima e outro mais recente), entre outros exemplares mais rústicos, com visual VW Baja (interpretações do versátil Carocha). Também de regresso estiveram viaturas a que nos habituámos em ver no Dakar africano e noutras provas de TT, entre Mitsubishi Montero/Pajero, Mercedes G, Nissan Patrol, Range Rover e Toyota Land Cruiser, em diversas configurações e motores de diferentes disposições de cilindros.
No universo das relíquias destacavam-se um Porsche 911 SC 2.0 (com as cores originais da tabaqueira Rothmans), um Peugeot 504 Pick Up, um Skoda LR130 e um Volkswagen Iltis, numa lista complementada por 3 camiões, MAN, Mercedes Unimog e Renault 420 DCI, entre outros participantes.
Para a história ficou, assim, a primeira vitória de sempre nesta nova vertente da prova do Buggy Sunhill de Marc Douton / Emilien Étienne, acumulando uma penalização de apenas 961 pontos, seguido de longe pelo Mitsubishi Montero V6 de Juan Donatiú / Perre Serrat Puig (2650 pontos de penalização), fechando o top-3 o camião Renault Kerax 420 DCI da tripla francesa Lilian Harichoury / Luc Ferti / Laurent Correia (5.205 pts). No limiar do pódio ficaram o Toyota Land Cruiser de Kilian Revuelta / Oscar Sánchez Hernández (5.838 pts) e o segundo Buggy Sunhill, de Frédéric Verdaguer / Julie Verdaguer (8.775 pts). Dos 24 que partiram de Jeddah para a 1ª Etapa, apenas um exemplar não regressaria àquela cidade, onde se festejou o final deste primeiro evento clássico!
… e que venha o “Dakar Classic 2022”!
O sucesso deste primeiro “Dakar Classic” foi tal que se aguarda ansiosamente por uma segunda edição em 2022, havendo já quem se esteja a preparar, como os multi-Campeões holandeses do Team De Rooy, vencedores por diversas vezes da categoria de Camiões em África e que estarão a recuperar e preparar dois exemplares DAF dos anos ’80, para os alugar a quem os quiser, entre outros projectos em curso.
Quanto a nós, portugueses, resta-nos sonhar em voltar a ver nas pistas da Arábia Saudita viaturas como os saudosos UMM, jipes made in Portugal da entretanto extinta União Metalo-Mecânica, dos Dakar de 1982, ’83 e ‘84, no primeiro ano entregues a José Megre / Manuel Romão (à altura colegas de trabalho no Grupo Entreposto), Pedro Cortez / Joaquim Miranda (respectivamente piloto e mecânico naquele importador) e Diogo Amado / Pedro Villas-Boas (o primeiro colaborador da marca e o segundo tio de um certo treinador de futebol), entre mais uns quantos nomes sonantes, como Carlos “Tucha” Barbosa. Ou mesmo os Portaro 260 que, em 1983, levaram ao deserto as cores lusas através de 5 duplas, duas francesas “oficiais” e mais duas portuguesas – Vitalino Costa Marques / José Fernando Silva (trabalhadores na fábrica de Trajouce) e Laurentino Reis / Paulo Gomes (preparadores dos Portaro de competição) – responsáveis pela assistência rápida aos franceses, para além de uma dupla mista, Luís Santos / Serge Proust, respectivamente membro dos serviços técnicos da Portaro e responsável pelo planeamento de assistências).
Outros exemplos eventualmente passíveis de regresso seriam os Nissan Patrol de Duarte Guedes e de Joana Lemos, a vencedora da Taça das Senhoras do Dakar 1997, ou os Mitsubishi Pajero de Carlos Sousa e Teresa Cupertino de Miranda, entre muitos outros orgulhosos lusos que participaram nos diferentes Paris-Dakar realizados nos últimos anos do século passado, elevando bem alto a bandeira verde rubra! Até ‘pró ano!
Fotos: Oficiais / Dakar / UMM Entreposto / Wikipedia