10 x Ferrari: Do que (não) o era ao que (não) veio do espaço
Um dos mentores da vossa Garagem publicou, há dias, um post sobre os 10 modelos Ferrari da sua preferência – até aqui tudo bem – mas depois foi para o Facebook armar-se ao pingarelho e desafiou uns quantos a conseguirem o mesmo “ou então só um, vá”.
Vá?!?! Ahhhhh, então se é com molho, vá de dar uma resposta a preceito, pelo que, aqui têm uma dezena bem medida com as minhas preferências, numa lista cuja ordenação será quase inviolável!
Então, vejamos!
Dino 246 GT (1967): O Ferrari que, de facto, não o era, embora até o fosse
Construído por Enzo Ferrari, em memória do filho Alfredino –“Dino” no meio familiar – que morrera muito novo, por distrofia muscular, o Dino tem logótipo próprio e tudo, não ostentando o tradicional ‘Cavallino Rampante’ preto, em fundo amarelo, para além de que o seu coração era um bloco V6 de 2,4 litros (195 cv) e não os habituais V12 que equipavam (quase) todos os modelos Ferrari da altura.
Assim, embora nascido em Maranello, o Dino 246 (tal como o antecessor 206, que tinha um V6 2,0 litros, de 180 cv) não era un vero Ferrari, discussão que divide, até hoje, os mais puristas e os fãs da marca italiana. Do Dino 206 GT foram apenas construídos 152 exemplares, todos de volante à esquerda; já o volume conjunto dos 246 GT (coupé/berlinetta) e 246 GTS (spyder/targa top) alcançou umas bem mais expressivas 3.569 unidades. Se é ou não um verdadeiro Ferrari? Não sei e não estou nem aí, pelo que não me importava nada de ter um levezinho destes – apenas 1.080 kg – na Garagem!
Ferrari 250 GTO (1962): O ‘Holy Grail’ do universo automóvel
Nenhum outro modelo, independentemente da marca, encerra a sua áurea, mística e reverência, em parte devido às suas capacidades estradistas, num tracção traseira com um bloco V12 3.0 com 6 carburadores Weber e 300 cv, que lhe permitia chegar a qualquer lado e praticamente aniquilar a concorrência. Foram construídas apenas 36 unidades, dizendo-se que o próprio Enzo Ferrari tinha de analisar os perfis dos potenciais compradores para ver se mereciam tal joia da coroa.
Pelos seus pergaminhos e pela raridade é, hoje, hiper-valioso, como demonstra o facto de um desses exemplares ter, presentemente, o estatuto de “automóvel mais caro de sempre vendido em leilões”. Coube à RM Sotheby’s arrematá-lo, em 2018, um 250 GTO by Scaglietti, de 1962, por uns – à altura – estonteantes 48.4 milhões de dólares! Já agora, a segunda mais cara licitação de sempre é, de outro 250 GTO, Berlinetta de 1962, numa acção da Bonhams (2014) por 38,1 milhões de dólares. É, por isso, o mais desejado Ferrari de sempre, pelo menos do que ecoa destas acções oficiais, ouvindo-se outros valores ainda mais estratosféricos de trocas de mãos entre particulares.
Ferrari 125 S (1947): “La Prima Ferrari”, um exemplar extinto
Foi o primeiro produto de Enzo Ferrari de sempre a ostentar o ‘Cavallino Rampante’, tendo apenas sido construídas 2 unidades – chassis 01C e 010l – que, segundo os experts da história automóvel, até já não devem existir como tal e que, a acontecer, serão réplicas ou reconstruções muito fidedignas, com peças dos originais, mas nunca os exemplares de 1947. Até mesmo o que está exposto no ‘Museum Ferrari Maranello’…!
Pensado para a competição, o pequeno 125 S tinha um motor V12 Colombo de 1,5 litros, de 118 cv, montado longitudinalmente à frente, e uma caixa de 5 velocidades manual, conjunto integrado num chassis de apenas 650 kg e que lhe permitia atingir 210 km/h. Destinando-se a corridas em circuito, depois de um desaire na prova de estreia – valeu, até, um comentário de Enzo Ferrari de “um fracasso prometedor” – viria a impor-se em 6 das restantes 13 corridas em que participou em 1947, saboreando-se o champanhe inaugural no GP de Roma, fruto da vitória do italiano Franco Cortese.
Ferrari 308 GTB Grupo 4 (1975): Das pistas para os ralis
Trata-se de um projecto da Michelloto para o Mundial de Ralis da época (hoje WRC), com o beneplácito da Casa di Maranello que, não querendo desviar o investimento da campanha da Fórmula 1 para outras categorias de motorsport, decidiu entregar àquela a tentativa de ser bem sucedida noutras paragens. Desenvolvido de acordo com o Grupo 4 da altura, o 308 GTB viria a alcançar a sua primeira grande vitória internacional no Rally Autodromo de Monza de 1978, pelas mãos da dupla Rafaelle ‘Lele’ Pinto/Claudio Peraniol.
De entre as mais de 50 vitórias internacionais que registou desde então – hoje participa maioritariamente em eventos de regularidade e ralis clássicos – destaca-se a dupla vitória nos Tour de France de 1981 e ’82 por Jean-Claude Andruet, então navegado por uma co-piloto diferente: Chantal Bouchetal e Michel ‘Biche’ E-Petit, respectivamente. Já o resultado de maior relevo no Mundial de Ralis foi o 2° lugar absoluto no Volta à Córsega de 1982, pela dupla Jean-Claude Andruet/’Biche’. Já com uma primeira evolução dos originais 310 cv e consequente homologação no então recém-nascido Grupo B, com uns supostos 400 cv, foi este o único pódio que alcançou no Mundial de Ralis.
Ferrari F40 (1987): E nada voltou a ser como dantes!
Quando ninguém o esperava, a Ferrari saiu-se com esta edição comemorativa do seu 40° aniversário e nada mais foi como dantes! Fruto da engenharia de Nicola Materazzi e design by Pininfarina – who else?! – Uma carroçaria de sonho, com uma asa traseira de dimensões consideráveis, que escondia um bloco V8 de 3,0 litros montado atrás, longitudinalmente, com 478 cv, postos no alcatrão por uma elaborada tracção traseira e por uns pneus P-Zero ZR 17 (245/40 à frente e 335/35 atrás), especificamente desenvolvidos pela Pirelli para um bicho que atingia os 324 km/h de velocidade máxima! Uffff!!!
Foram produzidas 1.315 unidades, com recurso a fibra de carbono, kevlar, alumínio e vidros em policarbonato, tudo em prol de se obter o mais baixo peso possível (1.100 kg) e diminuir a relação do dito com a potência (2,3 kg/cv ou 163 cv/l), dividindo-se entre versões de estrada (de 1987 a 1992) e de competição (LM e LM Competizione, até 1994, GTE até 1996). Acrescente-se que o F40 foi o último Ferrari a que Il Commendatore deu o seu aval, antes de morrer, no ano seguinte.
Ferrari 312T (1975): La 7° Reina de Maranello vincitora del Mondial di Formula 1.
Foi este visualmente impressionante monolugar, com umas generosas asas, dianteira e traseira e uma entrada de ar superior de abertura igualmente volumosa, que levou a Ferrari aos títulos de F1 de 1975. Seria o seu 7° ceptro de Construtores, resultado das excelentes prestações de Niki Lauda (5 vitórias e 9 pole-positions em 14 GP), que também o elevaram a Campeão do Mundo de Pilotos, sendo ajudado por Clay Regazzoni, seu companheiro de equipa, ele que somou mais 1 vitória.
Longitudinalmente colocado atrás dos pilotos roncava um brutal flat-12 de 3,0 litros – o primeiro de uma longa série – nesta versão com 495 cv (anunciados) às 12.200 rpm, acoplado a uma nova caixa de velocidades de menores dimensões, que tornava o package mais concentrado e, por isso, mais maneável em pista, facto também ajudado pela suspensão modificada, à frente e atrás. Faria toda a época de 1975 e parte da temporada de 1976, antes da Ferrari avançar para as evoluções T2, T3 e T4, usadas nas épocas seguintes.
Ferrari 330 P3 (1966): O humilhado de Le Mans
Nem o novo chassis tubular com uma estrutura em fibra de vidro, nem o mais leve bloco V12, de 4,0 litros (420 cv às 8.000 rpm) foi suficiente para evitar aquela que foi uma das grandes derrotas do automobilismo mundial e da própria Ferrari na competição. Foi em Le Mans 1966 e os culpados foram os novos Ford GT que, se um ano antes tinham claudicado, permitindo aos italianos acumular 6 vitórias consecutivas (1960 a 1965), já em 1966 deram um banho de sangue, suor e lágrimas aos rivais italianos, numa vingança em que quase não se olhou a custos!
Entregues a Lorenzo Bandini / Jean Guichet e Ludovico Scarfiotti / Mike Parkes, os novos 330 P3 ficaram pelo caminho, vendo os carros da oval azul a ocuparem todos os lugares do pódio. Foi um duelo nas pistas que espelhou o ódio visceral que se criou entre Enzo Ferrari e Henry Ford II, resposta do líder norte-americano à recusa de última hora do Commendatore a um negócio de aquisição da Ferrari pela Ford, que esteve mesmo mesmo mesmo para acontecer…
Ferrari 365 GTB/4 “Daytona” (1968): Um nick que catapultou as vendas
Desportivo que passou a ser conhecido por “Daytona” – nome nunca oficialmente registado pela Ferrari – depois da marca de Maranello ter vencido, em 1967, as 24 Horas de Daytona, ocupando todos os lugares do pódio, num até ali inédito 1-2-3. Esse factor serviu de catapulta para a elevada procura que o modelo registaria a partir daí, nomeadamente em terras do Uncle Sam.
Também saído dos estúdios da Pininfarina, o 365 GTB/4 é um Grande Turismo de dois lugares e foi produzido de 1968 a 1973. Tinha um V12 de 4 litros, com carburadores Weber, colocado longitudinalmente à frente, debitando 352 cv às 7.500 rpm. A produção abrangia as versões Competizione, que até legou a uma incursão em Le Mans 1969. Só que esta terminaria logo nos treinos, após um aparatoso acidente que impediu a sua recuperação para a corrida desse ano.
Ferrari 365P “Tre Posti” Berlinetta Speciale (1966): Dois lugares, certo? Não, são… três!
É um dos muitos projectos pessoais de Pininfarina, este “Tre Posti” que tinha como particularidades – como o próprio nome indica, o facto de ter 3 lugares, com o do condutor ao meio (!!!) e de – imagine-se – nele se abdicar de cintos de segurança! Claro que (não) fazia todo o sentido para um desportivo de 380 cv e que pesava uns meros 1.080 kg. Atingia 245 km/h, fruto de um bloco Ferrari V12 de 4,4 litros, montado centralmente e derivado de uma mecânica de competição usada nos EUA!
Com um chassis em alumínio algo loooooooooooooongo, é um dos mais raros projectos com o badge Ferrari de sempre, só tendo sido construídos dois exemplares: o original 8971, que depois de passagens por mostras em Paris, Londres, Bruxelas, Genebra e Los Angeles, nunca mais saiu dos EUA, país onde tem andado a trocar de mãos em diferentes leilões, e o posterior 8815, que foi feito a preceito para Gianni Agnelli, à altura responsável máximo da Fiat. E porquê só estes dois? Porque o todo-poderoso Enzo Ferrari não caiu de amores pelo projecto, que nunca passou disso mesmo!
Ferrari Modulo (1970): Um concept que (não) veio do espaço
Este rasteirinho surgiu aos olhos do mundo no Salão de Genebra, saído dos estúdios de design de Sergio Pininfarina – ahhhh… a sério?!?! nãããão!!! – e não vindo de qualquer avançada galáxia longínqua, bem distante do nosso sistema solar. De carroçaria em cunha e rodas parcialmente cobertas, o acesso ao interior fazia-se por uma abertura em cúpula, que deslizava para a frente.
Projectado como um one-off – a sua passagem à produção nunca esteve em causa – o Modulo assentava na estrutura de um 512 S e contava com um motor V12 de 5,0 litros com 550 cv, que lhe permitia atingir os 354 km/h e cumprir os 100 km/h em 3,0 segundos. Alvo de 22 distinções internacionais, o concept está hoje na colecção privada de James Glickenhaus, reputado construtor de modelos hiperdesportivos.
E pronto… venha o próximo “Desafio da Garagem”…!
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Fotos: Oficiais / Ferrari / Pininfarina/ RM Sotheby’s