Guichets abertos: UE poderá encaixar 500 milhões em multas de CO2
Não era de todo desejável pelo sector mas era algo (bastante) expectável, pois a todo poderosa União Europeia já tinha deixado um claro aviso: os que não cumprissem com a norma de emissões médias de 95 gramas por quilómetro de dióxido de carbono teria de se chegar à frente com o pagamento das respectivas multas, montante que, antecipa-se agora, poderá rondar os 500 milhões de euros!
São estas as primeiras estimativas da ICCT – The International Council on Clean Transportation, assumindo-se como base o tal valor de 95 € a pagar por grama extra de CO2 emitida acima daquele limite e por veículo vendido que não tenha respeitado esse objectivo (mesmo com as benesses aplicadas em 2020), projecções que atribuem as favas aos grupos Volkswagen, Ford, Fiat Chrysler Automobiles, Daimler e Volvo. Um bolo-rei conjunto que, a confirmar-se, deverá implicar aquela choruda entrada de euros na tesouraria da UE.
As conclusões provisórias estão espelhadas num relatório recente da ICCT, tendo em conta a integração e os chamados créditos de eco-inovações, sublinhando-se que ”o nível médio de CO2 atingido no ano passado foi de 97 g/km (NEDC)”, sendo que “a ‘pool’ de marcas do Grupo VW terá falhado esse objectivo por 4 g/km e a do grupo Daimler por 3 g/km”. Acrescentam-se, entretanto, as reacções já conhecidas de ambas as companhias: “a VW a anunciar ter falhado esse ‘target’ em apenas 0,5 g/km, enquanto a Daimler diz ter cumprido com os objectivos na totalidade”, concluindo que “a implementação e os créditos de eco-inovações foram melhor aproveitados do que o inicialmente assumido nesta nossa análise”.
De facto, o Grupo VW, através do seu CEO Herbert Diess, já veio a terreiro confirmar os “bons progressos para nos tornarmos uma companhia neutra em CO2. Conseguimos reduzir de modo significativo as emissões de CO2 dos nossos novos modelos na União Europeia (…) tendo falhado por pouco o objectivo para 2020, impedidos pela pandemia de COVID-19”, num discurso complementado por Rebecca Harms, membro do independente conselho de sustentabilidade do grupo alemão, ao afirmar que “apesar dos nossos enormes esforços na electrificação, não foi possível cumprir com a meta na sua totalidade. Mas estamos no bom caminho para a alcançar”, nomeadamente através de “uma maior aposta em modelos mais pequenos, eficientes e acessíveis, inerentes ao ‘rollout’ de electrificação”. De facto e apesar desses progressos rumo à neutralidade, a marca poderá ter de desembolsar um valor entre 100 e 120 milhões de euros, referente à média de veículos vendidos em 2020 e já levando em linha de conta as curtas, mas muito bem espremidas benesses, entretanto aplicadas nesta difícil contabilidade.
Já o Grupo Daimler, pela voz do seu Presidente do Conselho de Administração, Ola Källenius, sublinhou que “as nossas projecções internas de 2020 indicam que atingimos os objectivos de CO2 na Europa para automóveis de passageiros”, assentando a sua premissa no facto de que “mais do que triplicámos as vendas dos nossos modelos plug-in híbridos e totalmente eléctricos, procura que cresceu significativamente, em especial no final do ano”. O responsável acrescentou que o grupo irá “continuar com a nossa estratégia ‘Electric First’ e expandir ainda mais a nossa iniciativa de electrificação. De acordo com o que sabemos, esperamos voltar a atingir as metas europeias de CO2 em 2021”, pelo que não contam ter de lidar com estas indesejáveis despesas extra.
A ICCT sublinha ainda que ao longo do ano de 2020, registou-se “um crescendo gradual e significativo das vendas de veículos eléctricos”, levando a que “os níveis de emissões médias de CO2 descessem dos 122 g/km (NEDC) em 2019 para uns estimados 107 g/km em 2020. Trata-se de uma taxa de redução de cerca de 1 g/km por mês, enquanto de 2015 a 2019 a taxa de redução fora de cerca de 0,6 g/km de CO2 por ano. Todas as ‘pools’ de construtores foram ao encontro, ou ficaram muito perto, dos seus respectivos objectivos em matéria de CO2, pelo que não se esperam penalizações muito substanciais”.
Eco-techs, alianças corporativas e os inevitáveis lobbies de corredor
Os grandes grupos industriais do sector tentaram de tudo, uns fazendo avultados investimentos em novas plataformas e mecânicas, nomeadamente através de uma avalancha de novos modelos electrificados – 100% eléctricos, multi-híbridos ou com soluções plug-in – de modo a que os valores de emissões poluentes dos diferentes modelos das suas gamas ficassem cada vez mais baixos. Neste capítulo destaque-se o TPC que o então ainda Grupo PSA (Citroën, DS Automobiles, Opel/Vauxhall e Peugeot) desenvolveu, saindo-se com as chamadas flying colours, alcançando avaliações deveras positivas.
Já outros grupos tentaram salvar a pele através de alianças, através de há uns anos impensáveis parcerias com concorrentes com gamas de (muito) baixas emissões, sendo exemplos as ligações da Ford à Volvo, entre a FCA, a Tesla e a Honda, ou da Mazda à Toyota, etc. Não se pagando o elevadíssimo valor em multas, chegaram-se à frente com pagamentos destas parcerias estratégicas, com vista a minimizar o embate. Isto já para não falar nos múltiplos lobbies que o sector desenvolveu, falando ao coração das insensíveis altas esferas financeiras, que mais não lhes deram do que uma espécie de descontos – os chamados créditos – apenas alcançáveis em períodos temporais específicos e sob determinadas circunstâncias, abrangendo este(s) ou aquele(s) modelo.
Tudo somado, nem todos conseguiram eliminar os montantes a desembolsar à UE, entidade que oficialmente ainda não se manifestou sobre quem tem que pagar o quê, anúncio que estará para breve. Tirando as reacções dos grupos Volkswagen e Daimler acima expressas, os restantes grupos – positivos ou negativos – ainda não disseram de sua justiça, nomeadamente em face das conclusões deste relatório da ICCT e que, segundo o quadro acima, aproximado a uma potencial realidade, as colocam em lados opostos da linha de água, permitindo a uns poupar uns tustos para serem usados em 2021 e anos seguintes, e a outros tentar encontrar um poço de petróleo ou, melhor dizendo, um gerador de electricidade XXL que os salve de um potencial desastre.
Um CAFE cada vez mais verde, mas amargo e a um preço premium
Eis-nos, assim, chegados à hora de assistir à romaria dos pagamentos dos valores em dívida, com os que se confirmarem como mais poluidores a terem de meter pés ao caminho para o pagamento dos ditos, ao mesmo tempo que se vêem na obrigação de investir mais uns quantos milhões de euros/dólares/ienes nos inevitáveis projectos de electrificação das suas gamas de modelo, para conseguirem ir, não só ao encontro das normas vigentes numa Europa que se quer totalmente descarbornizada em 2050, sabendo-se que para isso, há que cumprir com a próxima leva de reduções, inerentes a um cada vez mais restritivo programa CAFE – Corporate Average Fuel Economy.
Para a pancada não ser tão forte, em 2020 os construtores ainda usufruíram de algumas benesses, a saber: 5% dos novos registos com maiores níveis de CO2 ficavam fora das contas da média, na chamada fase de integração (ou phase-in); os seus níveis de CO2 podiam ver-se reduzidos até 7 g/km pela aplicação de inovações tecnológicas ecológicas nos veículos; as vendas de modelos com emissões abaixo de 50 g/km de CO2 (NEDC) beneficiavam de um super-crédito, valendo por duas para a contabilidade final. Esta ajuda tem aplicação no conjunto do período 2020/2022, só que, para 2021 o factor reduz-se para 1,67 veículos, descendo para 1,33 em 2022.
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Mas as coisas vão apertar ainda mais até ao final da presente década, tendo sido já anunciados dois novos e assustadores objectivos de redução do actual valor de referência de 95 g/km CO2, em 15% já em 2025 e em 37,5% em 2030. Se pensarmos nos tempos do vale (quase) tudo – a que nos referimos neste artigo, de há um ano – os valores de referência eram de 186 g/km em 1995, de 161 g/km em 2005 e de 130 g/km em 2009, a implementar entre 2012 e 2015. Ou seja, quanto menos elevada está a barra, mais complicado é… passar por baixo!
Vão, assim, continuar os múltiplos suores frios e noites mal dormidas nos gabinetes de projectos dos grandes grupos industriais do sector automóvel, anomalia que se eleva aos cargos de topo, com vista a não defraudarem (ainda mais) as expectativas dos seus grandes investidores (leia-se accionistas), fruto do constante frenesim de sobe & desce no valor das acções. Papelinhos que, para além disso, continuam a sofrer de outras maleitas como os custos de produção e de matérias-primas, os câmbios bancários e, naturalmente, os efeitos da pandemia que abala todas as indústrias e as economias deste enfermo planeta Terra.
Fotos: Oficiais / União Europeia / Daimler / Volkswagen / ICCT (quadros) / Garagem