O carro é meu. Os “tiques”, também.
Todos temos os nossos hábitos. Os nossos rituais, rotinas, “tiques” e pancadas. O que lhes quiserem chamar. Uns mais do que outros, obviamente, mas todos os temos. Em casa, no trabalho e, em especial, a bordo do nosso automóvel. No meu caso, a bordo do meu e de todos os outros que, felizmente, tenho oportunidade de conduzir. São vários os “tiques” e certamente não me vou lembrar de todos até acabar de escrever este texto. Isso é, na verdade, bom. Não quero admitir algo de que mais tarde me arrependa.
Alguns desses hábitos são de tal forma “automáticos” que nem sempre dou por mim a fazê-los. Já outros, caramba, não há como negá-los. E não há como negar, também, a sua inutilidade. Não uso régua e esquadro para tudo o que faço, mas há certas assimetrias e desalinhamentos de que não gosto. Dou-vos um exemplo: o ar condicionado bizona. É impecável para que o pendura possa desfrutar de uma temperatura diferente daquela que o condutor quer. Mas digo-vos já, se vou sozinho no carro, a temperatura tem de estar sincronizada. Se é 21 graus, é 21 graus para mim e para quem não vai comigo. Quero lá saber se têm frio! O carro é meu. Eu é que mando.
Mais uma. E desta até me gabo de a aplicar sempre que estaciono o meu carro. As rodas são para ficar direitinhas, alinhadas com os traços que marcam o lugar no chão ou com o passeio ao lado. É assim que deve ser e é assim que faço sempre. Esta seguinte é ainda pior, mas aqui entre nós que ninguém nos ouve, e porque felizmente nem sempre dou por mim a fazê-lo, vou partilhar: contar os estalos dos dentes do travão de mão. Às vezes conto quatro. Às vezes conto cinco. Para quê? Pois, também não sei. Tem a mesma utilidade de um ralador de queijo na cozinha de um tipo intolerante à lactose.
Chego, estaciono – de rodas alinhadas e dentes contados, relembro – e verifico que todos os vidros estão fechados. Depois de feita a confirmação, saio. Tranco o carro e afasto-me. Mas como sou daqueles que adora o carro que conduz, mando-lhe um último “check it out” por cima do ombro. E por vezes, aproveito para confirmar a confirmação de que os vidros estão fechados. Eles não se abrem sozinhos, muito menos nos últimos 14 segundos, por isso não sei porque o faço. E se da primeira parte me orgulho, um último piscar de olho à bella ragazza Giulietta, a segunda parte é só parva. Mas pronto, o que se há de fazer? Há malta que também carrega 72 vezes no botão para chamar o elevador e não é por isso que ele vem mais depressa. Ele acabará por vir e os vidros continuarão, também, fechados.
Mas se o meu Alfa está pronto para me receber de cada vez que me aproximo, o mesmo não acontece com os outros 100 automóveis que conduzo, em média, num ano. Estão irrepreensivelmente limpos e desinfectados, em óptimas condições e por vezes com apenas umas muito verdes dezenas de quilómetros no odómetro. O depósito está atestado e eu estou ansioso por me fazer à estrada. Tudo a postos? Não. Longe disso. Ao levantar um carro para testar, por vezes até me afasto das instalações da marca – uns cinquenta metros bastam – não vão associar a minha demora a sair do parque a algum problema com o carro ou, pior ainda, à minha incapacidade de pôr a máquina em funcionamento. “Olha, o tipo Garagem não sabe ligar o motor, aquele chouriço!”
Mas a verdade é que demoro porque me falta o ritual de início de ensaio, um procedimento que começa com uma fase mais profissional, de anulação do computador de bordo e de registo das primeiras impressões a bordo, seguida do obrigatório ajuste dos espelhos, não sem antes ajustar o banco sempre para a posição mais baixa e só depois, se necessário, subo “um cheirinho”. A perna esquerda não pode esticar totalmente ao pressionar a embraiagem, mas quase. Há por ali um “sweet spot” para identificar, um ângulo de cerca de 150 graus entre o fémur e a tíbia, diria eu. Sim, por aí. No entanto, há cada vez menos pedais de embraiagem para pisar e isso não é mau. É péssimo.
Depois é preciso emparelhar o smartphone com o sistema de infotainment, hábito que não tinha e que felizmente ganhei. Bem como garantir que o som está bem afinado e distribuído, com o Balance e Fader a zeros e os agudos e graves bem ajustados para ouvir a minha música quando me apetecer. Pancadas, bem sei. Mas é o que é. Isto porque depois de avaliado o conforto de rolamento e a insonorização, há que invadir o habitáculo de boa música, uma vez que os cada vez mais numerosos motores elétricos provocam um silêncio ensurdecedor nas minhas petrolears da minha petrolhead.
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E pronto. É isto. Assim de repente, não me ocorre mais nada, mas admito que possa ter outros hábitos, ainda mais rebuscados e parvos, dos quais não me lembro agora (felizmente!). Admite lá tu, também. És daqueles que não ouve música com o “volume no 13” e que tem as saídas do ar da ventilação alinhadas? Ou estás simplesmente a marimbar-te para isso e até tens lâmpadas de médios diferentes? Uma mais amarela, outra mais azulada. Se pertences ao primeiro grupo, não precisas de ter vergonha. Não faz mal. Cada um com os seus vícios. Mas se tens uma lâmpada de “cada nação”, trata lá dessa brincadeira porque isso até me arrepia só de pensar.
Fotografias: Tiago Costa / Pedro Francisco / Pedro Lopes / Garagem