Polski Fiat 126p: Quase como um Subaru!
Há, nesta foto de abertura, algo de familiar…! Sim, é uma combinação confusa, fazendo lembrar qualquer coisa como o cruzamento de um pequenino Fiat 126 com um Subaru Impreza 555 do WRC. Faz, por isso, sentido a referência “Prawie jak Subaru” escrita entre os faróis da frente e que em polaco se traduz em “Quase como um Subaru”, exemplar que tem hoje lugar de destaque na vossa Garagem.
Comecemos por fazer um pequeno enquadramento da história. Era uma vez o Polski Fiat 126p, uma (re)interpretação polaca do italiano Fiat 126, criação de Sergio Santorelli, e que foi um dos mais populares pequenos carros do mercado europeu dos anos 70. Esta variante polaca foi-o, em especial, nos países de Leste que, outrora deram estrutura ao denominado eixo soviético. Houve-os aos magotes, contabilizando-se uma produção que, segundo as estatísticas, terá ultrapassado as 4,6 milhões de unidades, divididas entre a Fiat, que o construiu de 1972 a 1980, e a Fiat Polónia, entidade que prolongou a sua vida até – imagine-se! – até ao ano 2000, cabendo-lhe, por isso, o grosso das matrículas (mais de 3,3 milhões).
A nossa atenção recai hoje sobre dois exemplares em particular: o Polski Fiat 126p do Kropek Rally Team e a equivalente mini-bombinha com que o também polaco Kajetan Kajetanowicz se lançou no mundo dos ralis.
O bonito “Maluch” dos ralis históricos da Polónia
Comecemos pelo Polski Fiat 126p do Kropek Rally Team, máquina habitualmente conduzida por Wojciech Grondal em ralis históricos do leste europeu, em especial no seu país. Padeiro de profissão, já teve 2 exemplares, unidades com matrícula “KRA 1JR8” e “KRA 7L06” que têm dado que falar, fruto da peculiar decoração que lhes foi aplicada.
Tendo como sonho poder disputar um dia um rali ao volante de um Subaru Impreza iguais aos que correram no WRC, Grondal decidiu-se pintar o seu pequeno “Maluch” – é o nick genérico que os polacos deram ao modelo original (significa “criança” em português) – com as cores com que os carros do construtor japonês se apresentavam. Naturalmente que o facto não passou despercebido à equipa oficial da Subaru Poland Rally Team, estrutura que, de vez em quando, até dá guarita e assistência técnica ao pequeno Polski Fiat 126p, permitindo-lhe ficar lado a lado com as máquinas japonesas nos Parques de Assistência de alguns dos ralis disputados naquele país.
O rali que mais exposição mediática lhes deu foi o da Polónia 2018, pontuável para o ERC, ali exibindo, orgulhosamente, os seus estonteantes 40 cv (23 cv no modelo original), ao lado dos bem mais recentes e potentes Impreza STi da equipa oficial. A distinta cavalagem é extraída de um bicilindro de ciclo Otto com 652 cc com carburador Weber-Lódz, colocado em cima do mesmo eixo traseiro que lhe assegura a tracção e uma caixa de 4 velocidades (mais marcha-atrás), para um peso na ordem dos 600 kg. Infelizmente este “Quase como um Subaru” não chegaria ao final desse rali devido a problemas de motor, mas Grondal não se cansa de o levar de norte a sul da Polónia, exibindo-se entre as múltiplas dezenas de unidades do 126p que dão um colorido e uma animação muito especial ao campeonato local de 2 rodas motrizes ou na vertente dos históricos, tendo já garantido algumas vitórias na sua classe.
Produzido aos milhares… ehhhp… milhões, esta irrequieta pulguinha saía das instalações da FSM – Fabryka Samochodów Małolitrażowych (“Fábrica de Automóveis Pequenos”, em português), tendo entretanto sido proposto para homologação em Grupo A, num processo que viria a ser atestado pela FISA (antecessora da actual FIA) a 2 de Janeiro de 1984, com a referência “A-5188”, válida por 9 anos, permitindo-lhe, assim, aparecer em algumas provas do Mundial de Ralis e, principalmente, no Europeu da especialidade. Hoje é um sucesso em encontros de regularidade histórica ou em ralis de clássicos ou carros que perderam homologação.
‘Kajto’, o outro “Maluch”
Antes de mais, lê-se “malux” e não “maluc”, ok? Isto embora o carapuço até pudesse servir ao senhor que se segue, tal é a dinâmica que emprega ao volante! Sim, há outro nome cuja associação ao pequeno 126p lhe serviu de alavanca para que hoje seja um dos mais promissores nomes dos ralis mundiais, sendo também um dos que mais invulgares acidentes protagoniza, em contraponto a uma excelência em termos de resultados finais. Falamos do também polaco Kajetan Kajetanowicz – ‘Kajto’ para os amigos – ele que, há 20 anos, se estreou nos ralis com um “Maluch” e que hoje compete entre os grandes da categoria WRC3 do Mundial de Ralis, aos comandos de outra bem mais actual e promissora máquina.
A estreia fez-se no Rally Cieszyńska Barbórka 2000, prova pontuável para uma copa polaca de viaturas históricas, após a compra de um carro baratinho e que, fruto do quase desconhecimento mecânico seu e do seu pai, entrou no rali com uns meros acertos no motor e na suspensão. Se a entrada se fez em grande, com um 4º tempo na especial de abertura, o resultado final traduziu-se num abandono logo no troço seguinte, após um aparatoso acidente – et voilá! – que quase lhe destruía a viatura… já era um prenúncio!
Após muito trabalho de reconstrução e seis meses depois, ‘Kajto’ voltava à mesma prova, alcançando um resultado que deixou muita gente de boca aberta, pois conseguiu impor com enorme convicção o seu bólide, não só entre os 8 Polski Fiat 126p que se apresentaram à partida, como a todos (menos 1) dos bem mais potentes 43 Fiat Cinquecento e Seicento dos respectivos troféus, carros com o triplo da potência (120 cv) do seu. Navegado pela sua mulher Aleksandra, terminariam num fantástico 25º lugar absoluto, entre o volume de 101 equipas que atingiram o final da prova.
Entretanto a carreira de ‘Kajto’ evoluiu meteoricamente, fruto de um conjunto de excelentes resultados, culminando na conquista de 3 títulos consecutivos de Campeão da Europa de Ralis (2015 a 2017). Ascendeu depois ao WRC, sagrando-se Vice-Campeão de WRC2 em 2019, ano em que iniciou a colaboração com o seu compatriota Maciej Szczepaniak como navegador dos dois carros que usou, um Škoda Fabia R5 e um VW Polo GTi R5. No presente ano de 2021 ambos assumem a candidatura ao título da categoria WRC3, aos comandos de um bem mais recente Škoda Fabia Rally2 Evo.
Voltando ao Polski Fiat 126p tem, assim, vivido à sua escala uma época dourada muito própria nas competições, em especial em campeonatos disputados nos países da metade leste da Europa, participando, ultimamente, em ralis ou encontros históricos ou em troféus locais, adaptando-se às regulamentações de ralis em vigor nos diferentes países. Independentemente onde sejam vistos, as imagens são sempre espectaculares, como comprova este resumo de ralis de 2020 ou o canal de Youtube do Maluch Trophy, troféu de circuitos que, para 2021 apresenta um alinhamento de 4 jornadas duplas!
Curiosidades de um “polaquito piči-poki”
Há carros que, pelas suas características peculiares, fazem com que o povo lhe atribuía alcunhas, umas vezes mais elogiosas, outras nem tanto. O 126p da Polski Fiat não foi excepção, com os locais a apelidá-lo de “Maluch” (“Criança” em português), ao ponto que, a certa altura, a própria marca polaca o passou a comercializar como tal. Mas também era conhecido como “kaszlak”, que em tradução directa dá qualquer coisa como “tosse”, fazendo eco da ímpar sonoridade do pequenino motor de 700 cc quando é posto a trabalhar.
Na vizinhança ia de “bambino”, expressão italiana para “criança”, que também era dada pelos alemães, a “kikirez” (“galarucho”) na Albânia, mais o “peglica” (“ferrinho”) na Sérvia, enquanto na Eslovénia as alcunhas dividiam-se entre “bolha” (“pulga”), “piči-poki” (“rápido e barulhento” em tradução livre) ou “kalimero”, à imagem do envergonhado pinto preto com uma casaca de ovo na cabeça, um popular e simplista desenho animado dos anos 60 do século passado. Já os húngaros chamavam-lhe “kispolszki” ou “kispolák” (“pequeno Polaco”), tal como acontecia na bem mais distante ilha de Cuba, outro dos seus mercados de sucesso, em que os locais o apelidavam de “Polqi” or “Polaquito”.
Para além disso, também mudava de nome consoante o mercado a que se destinava. Exemplos: na extinta Jugoslávia era um Zastava 126, na Áustria (que o produziu) era um Steyr Puch Fiat 126 e até na longínqua Austrália teve sucesso, ali sendo vendido como FSM Niki. Era o carro mais barato que um australiano podia comprar, país que até terá sido brindado com uma exclusiva e muito rara versão cabrio!
Fotos: Oficiais / Kropek Rally Team (Facebook), Kajetan Kajetanowicz, Maluch Trophy, FIA, FCA (Stellantis)