O novo Porsche 911 GT3 já chegou e eu concluí que quero um Microlino
Valorizo todos e cada um dos dias da minha experiência enquanto jornalista de automóveis. Sempre o quis fazer, sempre foi o sonho e talvez por isso tente aproveitar ao máximo cada oportunidade que uma marca me dá de experimentar um automóvel. Gostava que as semanas tivessem 14 dias e os dias 48 horas e tenho a certeza de que, mesmo assim, aproveitando esse tempo extra ao máximo, talvez este não chegasse para fazer tudo aquilo que gostaria com todos os carros que tenho a sorte de conduzir.
Se o objetivo do meu trabalho é conhecer através da experimentação para depois opinar, há que saber, ou pelo menos tentar, identificar os pontos positivos e negativos de cada automóvel que me passa pelas mãos, mas sempre tendo em linha de conta o tipo de carro e os fins para os quais se destina. É muito fácil dizer que um McLaren Senna é um automóvel muito superior a um Opel Corsa. Eu nunca guiei um Senna, mas já guiei vários Corsa. Não preciso de guiar o McLaren para ter como certo qual o melhor carro. Mas garanto-vos que, embora menos entusiasmante, conduzir e ficar a conhecer um novo utilitário é tão ou mais importante do que um desportivo raro. É menos emocionante, mas muito mais abrangente a nível de público, a nível de mercado. Ainda achas que o Senna é o melhor carro?
Então e se o objectivo for transportar quatro pessoas numa cidade com estradas esburacadas, de forma económica, para depois aceder a um parque subterrâneo de um hipermercado para comprar abastecimentos para as férias e de seguida deixar o carro estacionado num parque poeirento algures num acesso remoto a uma praia escondida? Ainda achas que o Senna é o melhor carro? Meu rico Corsa, digo-vos já. Adorava conduzir um Senna. Não vos consigo dizer quanto. Deve ser uma experiência de outro mundo. Mas, na minha opinião, sabem qual é a melhor parte de se poder ter um Senna ou qualquer outro exótico ou hipercarro de 1 milhão de euros? É poder poupar 750 mil euros e comprar o novo Porsche 911 GT3.
Um Senna é mais raro? É. É mais rápido? É. É mais bonito? Depende do ponto de vista, claro, mas do meu, embora o considere impressionante, não o acho particularmente bonito. Mas pronto, pode ser mais bonito para alguns. Vai aparecer mais vezes no Facebook? É provável. Vai valorizar mais? Provavelmente, também. Vais usar toda a sua potência, aerodinâmica e tecnologia? Não, não vais. Nem o vais tirar da garagem, não vás ter o azar de encontrar uma borboleta em sentido contrário que lhe danifique a pintura. Estou a exagerar, é certo, mas não consigo não ficar com a ideia de que, apesar de toda a rigidez estrutural e utilização de materiais resistentes que nem a tabela periódica conhece, os exóticos são automóveis frágeis e esquisitos, daqueles que pedem aos donos para lhes tirarem a côdea da gasolina e que só podem ser lavados com uma luva feita de pêlo do cachaço de um iaque morto à chapada no solstício do Verão. Gosto de precisão e pureza, mas daquela que se possa usar, com confiança.
O Porsche 911 GT3 é o oposto. A sensação que transmite é a contrária à de um exótico: “ando menos, mas ando muito. E quero andar sempre a fundo.” Constantemente a convidar a levar o ponteiro do conta-rotações o mais perto possível do “10” onde termina a sua escala. Bem sei que do novo GT3 também não vais, certamente, usar os 510 cavalos. Mas se o fizeres, ele não se vai queixar. A carroçaria não tem medo de ficar cheia de mosquitos. O motor, ainda que asfixiado por um filtro de partículas, continua a expelir a plenos pulmões um fantástico grito misto de ar admitido e gases cuspidos de que poucos automóveis se podem gabar. Não há turbos na equação e muito menos electrões a fazerem as rodas girar. Há um motor proveniente do mundo da competição, há, pela primeira vez, suspensão de triângulos duplos no eixo dianteiro de um 911 de produção, há mais carga aerodinâmica e há, acima de tudo, uma evolução da mesma receita de sempre. Ainda bem que assim o é. A Porsche pode estar longe da minha realidade, mas alimenta-me a esperança, diariamente, de que o automóvel tem futuro numa sociedade que gosta, cada vez menos, de automóveis.
Para muitos, o Porsche 911 é um automóvel do passado. Um automóvel que não “muda” desde 1964, uma afirmação que é, no mínimo, mal sustentada. Um automóvel que não sendo electrificado, não tem lugar no futuro, algo que, aos meus olhos, na minha humilde opinião, é exactamente o inverso. O desportivo do futuro é aquele que mais à frente está, actualmente, nesse capítulo. O 911 GT3 992 tem tudo para ser esse carro. Tem lugar na história automóvel que se vai construir daqui em diante como um dos mais assombrosos e eficazes desportivos de sempre e tem direito a ser o desportivo do agora e do amanhã porque um eléctrico ou electrificado nunca o vai ser tanto como este o é agora. Não há números eléctricos que me fascinem tanto como as sensações de um motor de combustão. Não há búzios, nem cartas do Professor Bambo que prevejam um futuro eléctrico que me preencha sensorialmente. O automóvel eléctrico é fascinante do ponto de vista ambiental, da beleza intrínseca à utilização da força e do silêncio da electricidade para nos levar daqui até ali. Fascina-me o cérebro, mas nunca, jamais, fascinará o coração.
Então, sendo assim, qual é o melhor carro para ir à praia e andar em Lisboa a fintar buracos, um Senna ou um Corsa? O Corsa, claro. Qual é o melhor eléctrico, um eléctrico qualquer ou um 911 GT3? Um eléctrico qualquer, pois o 911 GT3 não o é. Qual é o melhor desportivo, um Porsche 911 GT3 992 ou um eléctrico com 2000 cavalos, 2500 kg de peso, aceleração de 0 a 100 em 1,5 segundos e velocidade máxima de 380 km/h a ser lançado em 2050, quando o GT3 tiver 30 anos? O velhinho GT3, sem dúvidas. Porquê? Porque um eléctrico tem tanto de desportivo como este GT3 de eléctrico. Estou por isso feliz por existirem carros como o 911 GT3, mas triste por pensar que um dia esta pureza mecânica pode acabar. Mais triste do que por não poder ter um agora. E quando isto acabar, talvez eu até já conduza o meu próprio eléctrico. Vai ser pequeno para ser fácil de estacionar, para gastar pouco e ser rápido a carregar. E para ser barato, também. E vai ter uns 20 cavalos porque 2000 cavalos não me dizem nada. Pode ser o giríssimo Microlino. Vai partilhar a garagem com o GT3, tenho a certeza disso. Nem que seja em poster. O Microlino, claro.
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