5 carros para quem deles gosta, ciclovias e futebol americano
Este é um tema que, embora me diga muito, me deixa cada vez mais triste. O primeiro, entenda-se. Acho que há cada vez menos pessoas que gostam, efectivamente, de carros. E acho que há várias explicações para isso, se bem que vão todas dar à mesma: a demonização do automóvel, esse objecto inútil, poluidor e nocivo. Mas gostar de automóveis é bem mais do que participar em corridas ilegais e colocar a vida dos outros em perigo. Gostar de automóveis não tem de significar, igualmente, gostar apenas dos rápidos. E gostar dos rápidos não significa que conduza, diariamente, como se estivesse a fugir à Polícia, até porque a última coisa que quero é ter o meu automóvel inundado de luzes azuis e ter de parar para receber os agentes à janela enquanto me pedem um autógrafo e três centenas de moedas de euro.
Actualmente, falar de automóveis em público, mostrar, ainda que discretamente, de que gosto muito de carros, é meio caminho andado para ser ostracizado, excluído da sociedade. Os olhares dizem tudo. Ou sou o “nerd”, o “geek”, o fanático, ou o irresponsável. E acho que isto tem conduzido a que, cada vez mais, existam cada vez menos pessoas, potenciais condutores, a querer, literalmente, conduzir. Sim, é verdade que os transportes públicos são uma excelente solução, e vivemos, também, na era das bicicletas e trotinetas eléctricas, mas a grande verdade é que há cada vez menos fãs de carros porque há cada vez menos carros para pessoas que gostam de carros e de, consequentemente, conduzir.
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E já que abordei o tema dos ciclistas, são eles o mais recente grupo de salvadores do planeta e acusadores do irresponsável e egoísta automobilista. Tal como abordei, numa crónica anteriormente publicada sobre veículos eléctricos e o seu, muitas vezes, tendencioso condutor, também não posso generalizar quando o tema são ciclistas. Sei que os há responsáveis, justos e com bom senso, mas ultimamente não me tenho cruzado com nenhum com essas qualidades perto de uma ciclovia, muito menos na própria ciclovia. A ciclovia está para os ciclistas, assim como o futebol americano está para o Tio Sam. Foot significa mão e eu não sabia. Juro que não sabia… O que eu gostava mesmo de saber é qual a percentagem desses ciclistas – que ao fim-de-semana trocam bitaites debaixo dos seus aerodinâmicos capacetes na Marginal de Cascais – que durante a semana vai trabalhar nas suas impressionantes montadas ou que, pelo menos, recorra ao fiel companheiro que ali ao lado passa, o comboio. Só para perceber quantos restam, quantos vão no conforto do seu confortável carro particular. Só para isso.
Como me estou, novamente, a perder e como não quero, de forma alguma, ser mal interpretado – porque gosto muito de ciclismo e de andar de bicicleta – voltemos àquilo que realmente importa, os automóveis. Cada vez mais seguros, bem equipados e evoluídos. E “desligados”. E frios, também. Meros meios de transporte com os quais é difícil criar ligação. São excelentes meios de transporte, mas onde está a emoção? Como pode alguém que se diz fã de automóveis e da sua condução ficar entusiasmado com a ideia de ir dentro do seu carro a ler, costurar, jogar ou a fazer outra qualquer actividade enquanto este o leva ao seu destino? Tenho uma relação muito mais próxima com o meu aspirador do que alguma vez terei com um automóvel que se conduza sozinho. Vou achar giro. Vou ficar impressionado com a tecnologia, com aquilo de que somos capazes de desenvolver enquanto seres inteligentes. Mas ficar entusiasmado com a condução autónoma? Acho que preferia fazer uma endoscopia todas as sextas.
E claro, para muitos, a fonte do problema, a montante deste rio de automóveis que nos levam em segurança, conforto, estilo e de forma ambientalmente responsável de A a B sem qualquer ligação, emoção ou romantismo, são as marcas e, principalmente, as pessoas que lá estão a trabalhar, todos os dias. Mas será mesmo assim? Serão as marcas e os seus desenhadores, projectistas, engenheiros, marketeers e tantos outros elementos essenciais completamente desprovidos de qualquer ligação com o automóvel, com a sua história e indiscutível importância na vertente emocional das nossas vidas? Não acredito. A culpa é nossa. De todos nós. Gostamos de automóveis ou gostamos de dizer que gostamos de automóveis? Mais uma vez não quero generalizar, mas acho que a segunda opção ganha esta luta. “Eu fiz, fui, faço, vou e aconteço. E adoro automóveis.” Só que não. O que a maior parte adora é ter um automóvel. Isso não está errado, porque o automóvel fez, faz e fará muito pelas vidas de todos nós. Mas uma coisa é gostar de o ter porque é cómodo, outra coisa é GOSTAR de o ter. Porque SIM. E não ter vergonha de o admitir porque a moda é ter uma Bimby na cozinha e outra na garagem.
Felizmente há bons exemplos de marcas no mercado actual, nomes que produzem automóveis para quem deles gosta, para quem vive para eles e para os conduzir. Assim de repente, sem entrar em superdesportivos e radicalismos mecânicos que quase os levam para o mundo da competição e dos seus carros de corrida, lembro-me de cinco. O belíssimo Alfa Romeo Giulia Quadrifoglio, o eficaz Honda Civic Type R, o soberbo Alpine A110, o mítico Mazda MX-5 e o divertido Toyota GT86. E o que é que estes 5 brilhantes automóveis têm em comum? Nenhum é um SUV e nenhum é eléctrico. Coincidência? “Nop”, lamento. Sim, já aqui admiti que o Stelvio Quadrifoglio é brilhante e nas próximas semanas vou conduzir o Puma ST. Outro que tenho a certeza de que vai ser espectacular. Porquê? Porque se o Stelvio é um Giulia um pouco diferente, o Puma é um Fiesta ST maquilhado de crossover. Mas aqueles 5 são especiais, garanto-vos. Pelo menos do que conheço. Porque do que não conheço, não falo, embora com muita pena minha.
Mas vá, querem um SUV, mas não precisam do centímetro extra de altura livre? Tudo bem, estão no vosso direito. Gostam de automóveis eléctricos, do silêncio e do menor impacto ambiental que estes, teoricamente, têm? Aceito, mas comprem um eléctrico sensato. Tipo um Zoe ou um Corsa. Ou um Ami, por que não? Não é para poupar? Não me venham falar de carros com 2500 kg de peso, 1000 cavalos e acelerações capazes de nos inverter o sentido da digestão. Condução autónoma? Quero é distância disso. Se quiser jogar, ler ou aprender a fazer origami, faço-o fora do carro. Gostam de pedalar, pelo vosso bem-estar, pelo ambiente, pelo convívio com os companheiros de pelotão? Excelente. É óptimo que o façam, mas se puderem, façam-no no sítio que vos está destinado. Só peço bom senso, algo que está, ou devia de estar, acima de qualquer lei ou regra. E se também eu tenho que aceitar que agora é regra não poder gostar de automóveis, então fiquem lá com os vossos tempos canhão de 0 a 100 km/h, autonomias limitadas, conversas de café em cima do selim a ocupar toda a largura da faixa de rodagem e cisnes em papel feitos do banco do “condutor” entre Carnaxide e o Saldanha, e deixem-me, simplesmente, gostar de carros.
Fotografia
- Alpine/Honda – Paulo Maria/INTERSLIDE
- Alfa Romeo/Toyota/Mazda – Pedro Francisco