Dos EUA 2005 à Hungria 2021: As grelhas de F1 minimalistas
O GP da Hungria de F1 do passado Domingo foi tudo menos convencional, nele reunindo-se um conjunto de situações que, devido à chuva que, entretanto, caíra sobre o perímetro do Hungaroring, para desaparecer quase logo de seguida, levou a um início caótico, um desenrolar de ansiedades e um final de tirar a respiração, com uma quase total indefinição sobre a ordem final do top-10, que até se prolongou para lá do cair da bandeira de xadrez!
Sem desprimor para a integralmente merecida vitória da dupla francesa Esteban Ocon / Alpine F1 Team – no ano de estreia da marca na modalidade, como novo representante do Grupo Renault – e da já nada admirável recuperação de penúltimo para 3º do foguetão Lewis Hamilton (até mais tarde promovido ao 2º posto), houve uma situação no mínimo sui generis: apenas um carro apareceu alinhado na recta da meta, na repetição da grelha de partida, saindo das boxes (quase) todo o restante pelotão!
Quem de 20 tira 4… e depois tira 15!
Iniciado através de um processo normal, com todos os 20 monolugares alinhados na primeira tentativa de partida do GP magiar, logo uma dupla carambola no final da recta da meta deitava quase tudo a perder, envolvendo vários deles em múltiplos toques, alguns imobilizando-se em pista e obrigando à apresentação da bandeira vermelha. Quatro ficavam irremediavelmente de fora, fruto dos danos sofridos nesses encontros imediatos, reduzindo a 16 os que supostamente alinhariam na nova grelha de partida.
Só que, afinal, nessa segunda partida apenas se sentaria o Mercedes-AMG F1 W12 E Performance nº 44 de Hamilton, fruto da decisão da equipa em mantê-lo em pista com pneus intermédios Cinturato Green. Todos os seus adversários reentravam no pitlane após a volta de formação, para montarem os P Zero Yellow C3 médios. Único a apresentar-se frente às bancadas, Hamilton aguardou que a sequência de luzes do semáforo de partida se apagasse para arrancar para a corrida de 70 voltas. Já os restantes 15, saíram das boxes, entregando-se a batalhas recheadas de conteúdos memoráveis, que se prolongaram para lá do seu final!
Nunca, na história da F1, houvera uma grelha de partida assim tão despida, e também nunca foi tanta a confusão no pitlane no arranque de um GP. Bem… nunca nunquinha não é bem assim, pois houve uma outra, há 16 anos, que se lhe aproximou…!
Recuemos ao GP dos EUA de 2005…
Embora em condições e com contornos substancialmente diferentes, esta situação trouxe à memória uma outra bastante mais caricata, para não dizer ridícula! Estávamos a 19 de Junho de 2005, em Indianápolis, no então GP dos EUA, corrida que apenas via 6 carros a ocupar os seus lugares na grelha de partida!
Dois Ferrari alinharam na 5ª e 7ª posições da dita, havendo, depois, dois Jordan e outros tantos Minardi alternados entre o 17º e o 20º lugar, os últimos do alinhamento. Quanto ao restante pelotão – as duplas da BAR, McLaren, Red Bull, Renault, Sauber, Toyota e Williams – rumaram às boxes no final da volta de formação, de onde não mais saíram, por questões de segurança!
Foi assim que foi dada a partida a esse interminável GP de 73 voltas, numa longa hora e meia de corrida (?!?) que, para além da expectável – ainda que também controversa – vitória de Michael Schumacher, frente ao seu colega Rubens Barrichello, viu um português a ocupar no lugar mais baixo do pódio: Tiago Monteiro alcançaria, ali e nestas condições, o seu melhor resultado da sua curta carreira na F1.
Nada curta é a história em si, longa e com bastantes jogos de bastidores, mas que se pode resumir numa palavra: pneus! Numa altura em que a F1 não tinha um fornecedor exclusivo, a batalha fazia-se entre a Michelin e a Bridgestone, com os franceses a fornecer a maioria das equipas, mas sem conseguirem lidar bem com o novo revestimento de asfalto do traçado misto de Indianápolis, vendo as suas borrachas a degradarem-se com enorme facilidade, não aguentando mais do que umas quantas voltas seguidas; ao contrário, a Bridgestone, que nos EUA contaria com as preciosas informações da sua congénere Firestone, tinha pneus que pareciam ser à prova de (quase) tudo, equipando três equipas… as tais que viriam a alinhar no GP.
Entre acidentes nos treinos, análises de última hora ao piso e até entregas hiper-urgentes de novas borrachas, vindas de França para os EUA em voos especialmente fretados, tentou-se de tudo. Até se considerou colocar uma chicane num ponto do circuito, a saída da muito problemática Curva 13, parte da oval cujo banking e o alcatrão impunham inesperadas forças e pressão adicional aos pneus. Teria de ser uma decisão tomada em unanimidade pelas 10 equipas, que analisaram essa eventual hipótese, mas uma houve que disse um taxativo “NÃO” e a coisa não avançou. Adivinhe-se que equipa italiana, de carros vermelhos e com dois pilotos candidatos ao título foi…!
E pronto, foi a tristeza de espectáculo que se viu, naturalmente desagradando quem pagou os muitos dólares dos dourados bilhetes do dia da corrida, espectadores que aos magotes iam abandonando as bancadas – fala-se que entre 100.000 e 130.000 abandonaram o circuito ainda a corrida ia na volta nº 10 – rumando às bilheteiras para tentar reaver o dinheiro. Isto para além do muito que, entretanto e depois, se veio a saber, com culpas atiradas de parte a parte, não só à Michelin, que não conseguiu apresentar uma solução para a deterioração dos pneus, como entre algumas equipas que não se quiseram entender, tomando uma posição em reuniões contrária ao que depois fariam na realidade, à Ferrari pela intransigência às potencias soluções apresentadas, à FIA como órgão máximo que poderia ter tomado outro tipo de decisões relativas ao desenrolar, adiamento, alternativa ao GP dos EUA, e à pessoa do seu então presidente Max Mosley!
Na Hungria quase só deu Ocon e Alpine
Claro que agora neste mais recente Formula 1 Magyar Nagydíj 2021 a situação foi por demais diferente, esta decorrente de questões climatéricas. O fornecedor de borrachas é hoje único, pelo que a haver diferenças seriam nos compostos da Pirelli que cada equipa e piloto poderia optar para os seus carros no arranque, sem que se considerasse haver quaisquer anormais desgastes.
Foi isso mesmo que sucedeu: aquando da primeira partida, quase todos, à excepção do Alfa Romeo de Antonio Giovinazzi, estavam com intermédios Cinturato Green, para enfrentar o asfalto molhado. Após o acidente da 1ª curva todos voltaram às boxes para mudar para pneus P Zero Yellow C3 médios, mantendo-se Hamilton com as borrachas iniciais. Sozinho nessa grelha, conquistando a sua 101ª pole, o britânico partiu sem ninguém por perto que o colocasse em perigo, fez uma volta à frente de um pelotão que, qual gato a bofe, saiu em formação (des)alinhada das boxes, para logo depois também ele entrar para mudar de gomas, regressando à pista na cauda do pelotão.
Quanto a Ocon, o futuro e inesperado vencedor, só voltaria a parar na volta 37 para montar quatro P Zero White C2 duros, uma depois do azarado Sebastian Vettel ter optado pelo mesmo para o seu Aston Martin AMR21. Dois pilotos com uma mesma estratégia e resultados finais tão díspares: o francês garantia a sua primeira vitória na F1 e o alemão festejava um saboroso 2º lugar no pódio, posição que lhe seria depois retirada, pelo facto de no depósito de combustível do seu carro, que parou em pane na pista após a bandeirada de xadrez, não existir o obrigatório 1 litro de combustível para análise pós-corrida. E quem é que, com isso, galgou mais um lugar no pódio? Pois é… começa em “Ham” e termina em “ilton”!
A inegável estrelinha da sorte do séptuplo Campeão do Mundo
Do historial desta que foi a 11ª prova do Mundial de F1 2021 fica, para além dessa inédita vitória de Esteban Ocon e da Alpine, resultado de uma gestão de corrida fantástica, mas grande parte consequência da carambola iniciada por Valtteri Bottas, voltou a ver-se um galgar de posições do seu companheiro de equipa, um Hamilton sete vezes Campeão do Mundo de F1 (2008, 2014 e 2015 e de 2017 a 2020) que continua a ver-se inegavelmente acompanhado de uma estrelinha da sorte, associada às suas capacidades como piloto, goste-se dele ou não!
Regressado à pista da tal primeira mudança de pneus no 14º lugar, começaria por alcançar o Red Bull RB16B Honda de Max Verstappen, o seu grande adversário ao título, na 21ª volta (de 70) e entrava no top-10. Subia, depois, a 5º na volta 39, iniciando uma luta com o Alpine A521 de Fernando Alonso, que o voltaria a ultrapassar na 48ª. As voltas diminuíam à medida que Hamilton tentava retomar a posição ao espanhol que, por seu lado, demonstrava os seus inegáveis dotes de condução, para manter o adversário atrás de si, criando, com isso, espaço para que o seu companheiro de equipa Ocon conseguisse essa inédita vitória, para si e para a marca francesa.
Conseguia-o fazer até à volta 65, sendo que depois Hamilton foi embora, roubando, duas voltas depois, o 3º lugar ao Carlos Sainz Jr, alcançando, assim, o lugar mais baixo do pódio, já muito próximo dos líderes. Não os conseguiria ultrapassar em tempo útil, ficando a menos de 1 segundo do então 2º lugar de Vettel e a 2,7 segundos de uma potencial vitória! Para ajudar, Verstappen não foi além de 10º (viu-se, depois, promovido a 9º), cujo monolugar não saiu incólume do tal incidente da curva 1. Depois Hamilton subia a 2º com a desclassificação do alemão da Aston Martin.
Registe-se que a prestação de Alonso valeu-lhe o título de “Driver of the Day”, enquanto Ocon tornou-se no 111º piloto a vencer um GP nos 72 anos de história da F1, ainda longe das 32 vitórias do seu companheiro no Alpine F1 Team, mas também muitíssimo longe dos (ainda) 99 sucessos de… Hamilton, claro!
Mundial 2021: Temporada vai a meio
Como se vê, há um universo de distância entre o peculiar GP dos EUA de 2005 e este rocambolesco GP da Hungria 2021, fazendo-se o paralelo apenas e só pelas suas minimalistas grelhas de partida! E aqui ninguém baterá o segundo arranque do passado fim-de-semana, quanto muito apenas o poderão igualar, se algo semelhante suceder. Pior que isto é não haver um único carro parado na grelha, no que seria outra particularidade inédita na longa quanto rica (para o bem e para o mal) história da dita disciplina maior do mundo do automobilismo!
À título de remate, no que se refere à presente temporada, estamos mais ou menos a meio, pois este foi o 11º de 23 Grandes Prémios previstos para 2021. A contabilidade apresenta Hamilton e Verstappen à cabeça do ranking de Pilotos, separados por 8 pontos (195 pontos contra 187). Depois vem Lando Norris (McLaren) com 113 pontos, ou seja, a uma já quase eternidade dos primeiros, num top-10 provisório que passou agora a contar com o francês Ocon (10º, 39 pontos). Nas Equipas, a Mercedes-AMG soma 303 pontos mais 12 do que a rival Red Bull Honda (291), surgindo a Ferrari e a McLaren empatadas no 3º lugar provisório, ambas com 163 pontos, ou seja, menos 140 do que a formação oficial da estrela, mas com uma vantagem confortável sobre as demais equipas.
A próxima batalha terá lugar em SPA-Francorchamps (Bélgica), de 27 a 29 deste mês, iniciando uma torrente de 12 GP realizados a cada 2 ou 3 semanas, uma dura sequência de jornadas que culminará em Abu Dahbi, no Yas Marina Circuit, em meados de Dezembro. Até lá, muita tinta irá correr, para a definição de quem ostentará os ceptros de Campeões do Mundo de F1 2021, entre os Pilotos e também das Equipas.
Fotos: Oficiais / Pirelli Motorsport, Alpine F1 Team, Formula 1