Taiwan, Os Senhores dos Semicondutores
O planeta está a passar não apenas por uma, mas antes duas pandemias: a sanitária, que afecta a humanidade como um todo (felizmente já caminhando para uma fase endémica), e a dos semicondutores, crise que afecta praticamente tudo o que seja electrónico, e que decorre da primeira. Neste actual caos tecnológico global, há aqui um “inocente até prova em contrário” chamado Taiwan!
Salvo conceitos ou produtos de concepção mais tradicional / artesanal, não há, no mundo em que vivemos, muita coisa que não dependa da electrónica para funcionar. Dos mais simples brinquedos aos mais sofisticados foguetões, passando por megaservidores e produtos da chamada electrónica de consumo, incluindo, electrodomésticos, computadores, telemóveis e, claro está, os nossos automóveis, tudo integra valiosos chipzinhos associados aos tais semicondutores, um produto que está a passar por uma fase de brutal encolha, pelas quebras de abastecimento a uma escala mundial.
TSMC com mais de metade da produção mundial
Dominando não só o mercado relacionado com a sua fundição de semicondutores, como o próprio processo de outsourcing dessa mesma produção, Taiwan representa, segundo uma análise da Trend Force, empresa de analistas da sua capital, Taipei, a produção e fornecimento de nada menos do que 63% dos chips produzidos e fornecidos a nível planetário, com a particularidade de a local Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. (TSMC) ter, só ela, um share de 54%, ou seja, uma única entidade representa mais de metade do bolo mundial e três vezes mais do que o segundo maior produtor, a coreana Samsung Electronics, com 17%.
Bem mais diminutas, com 7% das encomendas, surgem a UMC, igualmente de Taiwan, e a norte-americana Global Foundries, ou ainda a chinesa SIMC, esta com 5%, distribuindo-se o restante em pequenas fatias pela TowerJazz (Israel), DB HiTech (Coreia do Sul), HHGrace (China), PSMC e VIS, ambas de… Taiwan! Por regiões é, assim, fácil ver o quão vasto é o domínio asiático no processo, seguido de longe pela América do Norte!
Mas… e a Europa??? Pois…!
Um negócio de muitos mil milhões, só tendo em conta a indústria automóvel
Particularizando este nosso sector, a escassez global de chips tem forçado a indústria automóvel a suspender e/ou reduzir os volumes de produção de veículos nas suas unidades fabris, não havendo dia em que o construtor “X” não anuncie que irá fazer um novo shutdown que não estava programado, o “Y” a dizer que vai ter de prolongar outro que até já estava e a “Z” a afirmar, nos seus relatórios trimestrais, que não vai atingir as metas financeiras previstas para o ano fiscal, devido a essa enorme condicionante.
Isto num ambiente de negócios de semicondutores inerente ao sector automóvel que, segundo a Mordor Intelligence, empresa de análise de dados e consultoria, valeu, em 2020, uns expressivos 48.130 milhões de dólares, perspectivando-se um crescimento de cerca de duas vezes e meia até 2026, para um patamar na ordem dos 129.170 milhões de dólares.
Cada vez mais tecnológicos e digitalizados, os automóveis galopam para uma total electrificação em mercados de peso significativo, contemplando não só baterias mais evoluídas e sistemas de gestão associados, como melhorias em soluções de mapeamento do tipo 3D, tecnologias de realidade aumentada, como os head-up display, sistemas de infotainment do tipo touch ou swipe ou até mesmo operados por movimentos à distância, também registando uma maior aproximação ao mundo das telecomunicações móveis, que, por sua vez, rumam para o 5G, ou dos sofisticados sistemas de assistência à condução, tecnologias para prevenção / minimização de acidentes, entre outras.
São, todas elas, soluções que recorrem aos cada vez mais sofisticados semicondutores para uma perfeita operação, caminhando lado a lado com os avanços rumo à total conectividade e autonomia dos veículos que hoje conhecemos como automóveis.
Confinamento e teletrabalho levam a adiamento das decisões de compra
No primeiro semestre de 2020, já em plena crise pandémica, a indústria automóvel enfrentou uma queda substancial da procura, fruto dos sucessivos confinamentos que afectaram primeiramente a Ásia, depois a Oceânia e a Europa, estendendo-se depois às Américas, a norte e a sul, e ao restante planeta.
De repente o mundo parou de circular nas estradas, deixando-se de comprar carros novos, preferindo os outrora clientes adiar a compra de um automóvel novo, um processo cujo custo varia de mercado para mercado, de acordo com o poder de compra dos seus países. Por outro lado, essa obrigação de “ficar em casa” levou a que os demais aparelhos electrónicos se tornassem nos novos companheiros dessa nova realidade entre quatro paredes, pessoal e profissional.
Nunca se venderam tantos computadores, tantos telemóveis, electrodomésticos ou gadgets, tantos outros conteúdos que escondem, no seu interior e dos nossos olhares, esses múltiplos semicondutores. Isto ao mesmo tempo que as empresas de distribuição, as energéticas, as de (tele)comunicações, das também elas cada vez mais digitalizadas nos seus processos, os absorviam como água. Com o 5G a aproximar-se e o conceito IoT (Internet of Things) cada vez mais presente no nosso quotidiano, o caos avolumava-se, levando a que alguns desses mesmos produtos de electrónica começassem, também eles, a escassear!
Chegada a segunda metade do ano passado, várias regiões começaram a desconfinar, sem antecipar a renovação da bomba sanitária que lhes voltaria a cair em cima – pelo menos de alguns – voltando a produzir-se veículos novos, mas que, afinal, não se vendiam às mesmas velocidades de outrora, espelhando os mercados diferentes quebras e tendências, de acordo com a sua realidade sanitária e de orçamento financeiro das suas populações. Tal resultou em perspectivas de vendas inconstantes e ambíguas, que se reflectiam nas encomendas por parte dos construtores em termos de matérias primas, cuja flutuação de preços também variava, tal como as taxas de câmbio, neles incluindo-se esses elementos microscópios.
O fornecimento divergia, assim, da indústria automóvel, que costumava absorver o volume maior em termos de encomendas de chips, para os restantes sectores de actividade, cada vez mais ávidos dessas minimalistas pecinhas electrónicas. Agora que o mundo automóvel está a (re)acordar dos impactos directos da pandemia sanitária, continuam a existir pesadelos, mas agora relacionados com a falta desses semicondutores, que, em alguns casos, também já não chegam para os restantes destinatários, levando a quebras na produção, menor disponibilidade e consequente aumento de preços, nessa directa relação inerente à famosa “Lei da Oferta e da Procura”, originalmente proclamada no Século XVIII pelo filósofo e economista britânico Adam Smith. O tempo passa, o mundo pula e avança, mas há coisas que não se alteram!
E agora? O que irá acontecer a partir daqui?
Bom… no âmbito da cada vez mais digitalizada e electrizada – nas suas diferentes interpretações – indústria automóvel não se conhecem construtores que tenham afirmado que vão deitar a toalha ao chão, pelo que todos irão tentar adquirir o maior volume possível dos ditos, mesmo que tenham de martelar outras realidades.
Mantendo as suas fábricas a funcionar, na sua grande maioria, no conceito de stocks reduzidos e com processos de entrega just-in-time, ninguém tinha, nos seus armazéns, chips suficientes para passar ao lado da crise, ou seja, ninguém estava preparado para este inesperado caos acumulado pandemia / redução de chips. Mas agora não há que chorar sobre o leite derramado, não há tempo para isso! Todos querem sair por cima desta situação, voltar a vender veículos e tecnologias como nos tempos áureos pré-pandemia e recuperar os números bem verdes e gordos para embelezar os seus relatórios financeiros anuais, para gáudio dos seus accionistas.
Só que, para já e enquanto não surgirem produtores de grande volume noutros pontos do planeta – nomeadamente na Europa – todos terão de continuar a contar com o quase domínio de Taiwan, em particular do gigante TSMC, que já veio a terreiro anunciar que “aumentou em 60% a produção prevista para 2021, face ao ano anterior, de um componente-chave que é usado nos semicondutores para automóveis”, uma percentagem que, por sua vez e de acordo com a empresa, “representa um aumento de 30% face aos volumes pré-pandemia de 2019”. Em simultâneo, para ajudar os construtores automóveis e “numa acção sem precedentes” decidiu-se pela realocação das suas capacidades de produção para ajudar as restantes indústrias, acompanhando o acelerar da sua transformação digital.
Até aqui quase invisível em todo este processo, a Europa quer ganhar rapidamente posição neste competitivo mundo, tendo a Comissão Europeia lançado as bases para duas Alianças Industriais, uma para Tecnologias de Processadores e Semicondutores e outra para Dados, Avanços e Cloud Industrial. Juntando, a uma mesma mesa, representantes das diferentes indústrias, Estados membros, universidades, utilizadores e demais organizações de pesquisa e tecnologia, pretende-se, em conjunto e até 2030, promover o desenvolvimento de uma nova geração de microchips entre os 10 e os 20 nanómetros – nota: um nanómetro equivale a um milionésimo de milímetro – mais pequenos e potentes do que os que actualmente se produzem em solo europeu, ao mesmo tempo que se desbrava caminho para a produção de alternativas bem mais pequenas, dos 5 aos 2 nanómetros, patamar que os actuais dominadores Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. e Samsung Electronics do mercado ainda não terão alcançado, embora também para lá caminhem. Adicionalmente, pretende-se alcançar tecnologias computacionais mais evoluídas – naturalmente que, também elas, dependentes dos próprios semicondutores – que permitam à UE obviar os actuais problemas de infraestruturas, produtos e serviços.
O tempo escasseia e o mundo dos negócios aumenta em proporção inversa à da dimensão dos microchips e semicondutores. Só os mais fortes poderão resistir, nesta indústria automóvel em constante (r)evolução…!
Fotos: Oficiais / TSMC, Stellantis, General Motors, Ford Motor Co.