Os automóveis eléctricos não gostam de choco frito
Não é a primeira vez – longe disso, muito longe – nem será certamente a última que escrevo sobre a minha experiência com automóveis eléctricos, tecnologia que, embora esteja, actualmente, bastante mais evoluída, não sei se resolverá todos os nossos problemas ambientais associados à mobilidade (duvido muito…), bem como nela não vejo, com os meus olhos de petrolhead, qualquer emoção associada à sua utilização. Quero lá saber se o poder de aceleração é capaz de nos fazer viajar no tempo e se o binário instantâneo deixa qualquer desportivo “de joelhos” ao cair do verde numa qualquer corrida de semáforo. Zero gozo nisso.
Não limita “nadinha”
O que eu pretendo de um automóvel eléctrico, actualmente, é que este não limite as minhas deslocações, que me leve onde quero ir, quando eu assim bem entender. No fundo, o que o meu carro a gasolina faz, quando dele preciso para me deslocar. Admito que não sou o maior conhecedor da tecnologia eléctrica e muito menos um condutor experiente ao volante de um eléctrico, mas o maravilhoso antro digital que são as redes sociais está cheio de entendidos na matéria, condutores que, com todas as forças e uma enorme convicção quase só superada pelo amor ao seu clube, mostram como viver com um eléctrico é fácil. Se gostam de almoçar duas vezes por dia, fazer visitas culturais a parques de estacionamento e beber imperiais em áreas de serviço, talvez sim, talvez vos seja fácil e nada limitativo.
Mas na minha opinião, não é fácil. Nada mesmo. Mas lá está, volto a frisar que tenho “poucas horas de voo” e reconheço que o problema não é tanto do automóvel eléctrico, mas sim da infraestrutura, rede de suporte que tem crescido a olhos vistos, com postos aqui, ali e mais além, uns a funcionar, outros avariados, outros em manutenção permanente, outros ocupados por carros “assassinos”, térmicos, como o Christine. Acima de tudo, os postos são insuficientes, em quantidade e qualidade, para esse dito mundo perfeito em que a gasolina e o gasóleo serão banidos pelo bem de todos nós. No entanto, com esta rede de carregamento, ainda estamos longe desse cenário ideal em que conduzir um automóvel 100% eléctrico não traz consigo nenhuma limitação. Eu prefiro beber a imperial numa esplanada e absorver uma paisagem que não seja a de uma área de serviço, a do sentido contrário àquela onde carrego o meu eléctrico. Desculpem-me, mas andar, hoje em dia, de veículo eléctrico limita, e muito, a nossa mobilidade e liberdade.
Vamos lá? Mas….
Andei, recentemente, com um novo SUV 100% eléctrico, um modelo de que gosto bastante nas suas versões térmica e híbrida, mas de que não desfrutei na totalidade quando equipado com motores alimentados a energia dita limpa. É um excelente veículo eléctrico, atenção! Não tenham dúvidas disso. Confortável, espaçoso e, inclusivamente, demasiado rápido. Mas os automóveis eléctricos não gostam de choco frito. E isso para mim é mau, porque eu gosto bastante. Era sábado, um final de tarde de verão em Lisboa a beber um “sumo de cevada” com a malta e lembrei-me que podíamos ir a Setúbal, ao choco frito. “Vamos? Não podemos é ir no meu carro porque já só tenho 25% de bateria.” Decidimos então ir num outro carro, não eléctrico, obviamente. Mas até ele, esse bandido de quatro rodas que bebe um fluído derivado do petróleo, fomos de eléctrico, ao som do seu ensurdecedor silêncio.
Procurei na aplicação de smartphone um posto de carregamento disponível na zona de Lisboa onde faríamos a troca de carro. Primeira tentativa: ocupado. Segunda tentativa: livre. Foi tão fácil que certamente alguma coisa iria falhar. Mas não, até ali, nada falhou. O posto estava, naquele dia, a funcionar. E digo naquele dia porque segundo apurei através dos comentários de outros utilizadores na aplicação, é um posto “especial”. Às vezes carrega, às vezes não e, pior ainda, às vezes deixa de carregar a meio do processo. Deve ser excelente explicar isso ao patrão – com aquele olhar fulminante, meio de esguelha, por cima dos óculos assentes na ponta do nariz – no dia seguinte para justificar o atraso: “Isaac, isto é que são horas?” “Desculpe, chefe. Deixei o carro a carregar e a meio da…” “Quero lá saber disso, Isaac. Venda essa torradeira, compre um Alfa Romeo a gasolina e resolva isso de uma vez por todas.” Ordens são ordens.
Eram umas 18h30 e o painel de instrumentos do “meu” eléctrico dizia que a carga estaria completa às 15h50. Umas 20 horas depois, mais coisa, menos coisa. Com um carregador de 3,7 kW nem podia ser de maneira diferente. Lá fomos “ao choco”, numa viagem temperada com octanas, e cerca de 5 horas depois estávamos de regresso. Dirijo-me ao posto, desligo os cabos – outro fantástico argumento utilizado pelos fãs dos eléctricos: “nunca mais sujamos as mãos com as pistolas das bombas de combustível.” Sim, porque os cabos de carregamento nem ficam no chão, expostos aos “presentes” caninos e outras coisas – e verifico que recuperei 23% da bateria. Levei a tropa a casa, regressei à minha, e cheguei com 25% de bateria. Que experiência tão vazia, caramba. Tudo na mesma. Ao menos o estômago estava recheado com o petisco setubalense.
No dia seguinte tentei um carregador mais potente, mas das duas uma: ou o posto não estava em condições, o que explicaria o lugar vago, ou não tive capacidades para o utilizar. Não consegui fazer o carregamento, não vi nem um electrão a pular. Nem um! Solução: seguir viagem sobre um calor abrasador, em que só apetecia ter o ar condicionado “sempre a bombar” para ajudar a fazer cair ainda mais a autonomia. Mas todas estas aventuras ao volante de um novo modelo 100% eléctrico – bastante bom, na verdade – foram excelentes. Comecei a olhar para os eléctricos de outra forma. Isto porque se não fossem estas peripécias, não tínhamos ido comer choco frito a Setúbal de Porsche 924, aquele que foi, de longe, o melhor “eléctrico” que podíamos ter levado. Um quase “quarentão”, a gasolina, com um terço da potência, mas que proporcionou uma experiência três vezes mais memorável. Andar de eléctrico não limita o dia-a-dia? Se não gostares de choco frito, talvez não limite.