A estrada N304 e o conforto D’ouro da Citroën
“Para sair de casa, sem dela sair”. Este foi o título que dei ao artigo que resultou do ensaio à mais recente geração do Citroën C3, francês que visitou a Garagem em Fevereiro deste ano. E este é, muito provavelmente, o melhor utilitário do mercado. E porquê? Porque como referi, por muito que goste da muito superior capacidade dinâmica de outras propostas do mercado, aquilo que um utilitário tem de ser, para além de ter espaço e equipamento adequado para a correria diária, é ser confortável. E o C3 é-o, e muito. Um carro de segmento B tão confortável quanto o teu lugar preferido no sofá lá de casa. Neste aspecto, o C3 não tem rival. Procurem e experimentem. Garanto-vos, não tem rival.
E para muitos condutores e famílias, em mercados inflacionados como o nosso, um utilitário é, inúmeras vezes, o único automóvel lá de casa. Também por isso, esse utilitário deve saber lidar com algo mais do que ir buscar os miúdos à escola, ir às compras ao fim do dia e fazer a A5 duas vezes por dia, viagens intervaladas por uma estadia na selvajaria da cidade. Por isso, neste reencontro com o novo C3, usei-o para sair da cidade e levei-o a conhecer Portugal, a sítios que também eu não conhecia e a outros, felizmente, bem mais familiares, mas aos quais é sempre bom regressar.
De Aveiras a Vila Real, sem autoestrada
Malas feitas, depósito atestado, família a bordo e apontámos a Norte. Saí de Lisboa pela A1, mas abandonei-a logo em Aveiras. Se o objectivo é passear, mais do que chegar imediatamente ao destino, então prefiro fazê-lo fora das autoestradas. A condução é muito mais interessante usando as estradas nacionais, a paisagem passa mais devagar e a oportunidade de encostar para um café pode ser posta em prática com muito maior frequência. Por isso, parei logo na Batalha para a primeira “bica” do dia. O C3, estacionado logo ali, repousava o seu motor 1.2 Turbo a gasolina, quando ainda lhe faltavam uns 400 quilómetros para poder descansar a sério, durante a noite, em Vila Real.
Energias repostas, apontei o “double Chevron” a Coimbra de forma a apanhar o IP3 até Tondela, um trajecto que fiz duas semanas antes, para ir até ao Caramulo Motorfestival, dessa vez a bordo do primo italiano do C3, o Scorpioneoro. Nova paragem, já em Tondela, para mais uma dose de cafeína, ritual repetido por muitas das pessoas que ali passam nas suas viagens pela tão actualmente na moda Nacional 2. Com o plano a cumprir-se conforme traçado, seguimos para o almoço em Lamego, onde o bacalhau e o cabrito souberam “a pato”, forrando o estômago para a etapa final da viagem, uma tarde que se adivinhava recheada de curvas.
Biscoito, biscoito e mais biscoito
Curvas essas que surgiram logo após a saída de Lamego, na aproximação à belíssima Régua, onde o rebuçado e o biscoito são iguarias obrigatórias para qualquer visitante. As vendedoras à beira-rio vendem os primeiros, em pequenos sacos, por apenas 1 euro, e o delicioso biscoito comprei no café da estação de comboio, edifício cujos azulejos, por si só, valem a pena a paragem, seja de carro ou de comboio. Dali, já na margem norte do rio Douro, levei o C3 até Mesão Frio, terra natal da minha Mãe, para que pudéssemos rever a família mais distante com a qual não estávamos há já alguns anos. Reencontros feitos e emoções controladas, regressámos à Régua para apanhar o caminho mais longo, o que não conhecíamos, e aquele que é, quase sempre, o melhor.
Assim, e regressando à margem sul do inconfundível Douro, iniciei a passagem pela incrível estrada N222, outra daquelas obrigatórias, em Portugal, para quem as curvas são o cenário de eleição, numa paisagem ímpar no nosso país. Dali ao Pinhão, apenas lamentei a quantidade de carros e motas, grupos de entusiastas que, tal como eu, foram ali por aquilo mesmo, pelo caminho. Segundo me disseram, o melhor da N222 nem é a secção por onde passei, por isso o meu regresso é inevitável, mas nesta ocasião, não podia mesmo prolongar o percurso e por essa razão regressei à margem norte do rio. Após uma intensa e desafiante subida atrás do camião mais rápido de Trás-os-Montes, destemidamente conduzido serra acima, aproveitei para atestar o C3, cujo depósito tinha ainda bastante combustível, mas poupando tempo para o dia seguinte, com uma viagem de regresso, em princípio, mais longa do que a de ida.
Chegámos a Vila Real ao final da tarde, com o C3 a ter direito a pernoitar na garagem do hotel, após 500 exigentes quilómetros, de constantes variações na topografia, com várias subidas em estradas rurais, sem nunca ter mostrado qualquer falta de pulmão do pequeno motor turbo. Deixei-o no merecido descanso com o computador de bordo a mostrar 6,1 l/100 km de média. Já no hotel, partilhámos as impressões da nossa experiência a bordo do C3 e todos concordámos com o quão surpreendente o pequeno Citroën é, um carro de cidade que se mostrou um competente estradista, com motor à altura das exigências e um conforto de rolamento bem acima da média, quando considerado o seu segmento. O consumo, incluindo na equação a presença da caixa automática e o peso de três adultos e respectivas malas de fim-de-semana, também merece destaque.
Dia 2: N304
Para o segundo e, infelizmente, último dia de viagem, o plano incluiu, obviamente, regressar a casa, mas não sem antes me afastar mais um pouco, “subindo” ainda mais o nosso Portugal até Mondim de Basto. A ideia era revisitar o Santuário da Nossa Senhora da Graça, no topo do Monte Farinha, mas uma prova desportiva estragou, parcialmente, o plano. E parcialmente porque, como já disse anteriormente, é quase sempre melhor o caminho do que o destino. E o caminho foi, simplesmente, sublime. Saí de Vila Real e procurei a saída do IP4 que me levaria à aldeia de Campeã para entrar na fabulosa N304, para muitos, uma das, senão mesmo a melhor estrada de Portugal, inclusivamente para a imprensa estrangeira que ali andou a “acelerar” e gravar alguns conteúdos e a declarou como uma das dez melhores estradas do mundo para conduzir.
E a verdade é que rapidamente percebemos porquê. As casas das pequenas povoações começam a escassear e assim que chegamos ao topo e deixamos para trás o arvoredo, parecemos entrar numa nova dimensão, uma imensidão montanhosa, mais despida de árvores, cujas encostas são rasgadas por uma perfeita sinfonia de curvas, um tapete negro ladeado por uma barreira de pedras que nos separam de uma queda de várias centenas de metros. Não resisti a parar o C3 no topo, antes de me atirar aos convidativos quilómetros que me esperavam na descida até Mondim. Lá em cima, rodeados por pouco mais do que as enormes turbinas eólicas, as palavras eram poucas para descrever a vista.
O intuito era desfrutar da estrada, mas isso não significa que iria haver ritmo animado no percurso. A bordo do C3, a ritmo tranquilo, de passeio em família, é também possível desfrutar de uma das melhores estradas do mundo para conduzir. E de que maneira. A estrada toda para nós – lembro-me de em cerca de 30 ou 40 quilómetros termos visto uma velhinha pick-up amarela, nada mais – serpenteando por entre as sombras dos vales e as encostas mais expostas, inundadas pelo sol da manhã, ao mesmo tempo que, de vez em quando, conseguia ver por cima do ombro o planalto onde há pouco tempo tínhamos estado parados. Ainda antes da chegada a Mondim, coloquei ao C3 um novo desafio, levando-o pelo desvio até às Fisgas do Ermelo, uma das maiores quedas de água da Europa e um dos pontos de interesse no Parque Natural da Serra do Alvão. Um ponto de paragem obrigatória ao longo da N304.
A descida até Mondim de Basto levar-nos-ia, como referi, ao único ponto da viagem que não correu como previsto, a impossibilidade de trepar um outro monte, até à Senhora da Graça. Por isso, dali e como previsto, apontamos a Amarante, cidade que gosto sempre de revisitar, e de seguida definimos o GPS para o Porto, onde nos seria mais fácil encontrar um restaurante para almoçar, o que provou ser verdade dada a quantidade de restaurantes fechados que fomos encontrando pelo caminho. Sinais, preocupantes, dos tempos. O C3 continuava a surpreender e mesmo com o imenso trânsito em plena cidade do Porto, bem como com uma maior utilização do ar condicionado neste segundo dia de viagem, o computador de bordo continuava a mostrar uma média ligeiramente acima dos 6 litros “aos 100”.
Voltámos a atravessar o Douro e saímos de Gaia em direcção a Espinho para, a partir daí, tentar evitar autoestradas, bem como a mais comum estrada nacional 1. Optámos, assim, pela N109, via que nos levou, em ritmo de passeio, até Aveiro, seguindo-se depois a Figueira da Foz, Leiria e, novamente, a Batalha. Para a última etapa, e porque a hora de jantar aproximava-se, optei pela A8 para voltar a entrar em Lisboa. Não só encurtou a distância, tal como pretendido, como o pôr-do-sol, por cima de São Martinho do Porto e Óbidos, e as mágicas cores que dele resultam, pintaram de forma perfeita um final de dia e de viagem memoráveis. O C3 foi mais do que um utilitário. Foi um familiar. Mais confortável do que muitos que o dizem ser, e não precisou de ser um SUV para os caminhos mais degradados, nem de ter um motor Diesel para terminar os 1030 quilómetros com uma média de 6,1 lt/100 km. Venha o próximo!
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