Dacia Spring – Menos é mais. O eléctrico mais barato é o que faz mais sentido
Já o disse variadíssimas vezes, mas nunca é por demais dizê-lo. Falta racionalidade a uma grande parte dos eléctricos actualmente no mercado. Pareço uma agulha de gira-discos presa infinitamente no mesmo sulco, mas se, aos meus olhos, um eléctrico dificilmente será um automóvel emocional, então para que servem 400 cavalos de potência e acelerações fulminantes? Não é, certamente, para salvar o planeta. Porque para ter 400 cavalos, tem de ter uma bateria maior a acompanhar a potência e isso conduz, inevitavelmente, a pesos absolutamente ridículos expressos em toneladas. No fundo, é como se fosse sempre Natal para os eléctricos. Chocolates, fatias douradas, troncos, filhoses, bolo-rei e sonhos. E depois, só mesmo em sonhos se atinge a tão desejada eficiência. E claro, o preço dispara para valores cuja lista de adjectivos não inclui, uma vez mais, a palavra “racional”.
Solução perfeita? Não sei qual é
O preço é por isso essencial para se democratizar a tão defendida mobilidade eléctrica “limpa”. E coloco “limpa” entre aspas porque essa limpeza poderá vir a sair-nos cara daqui por 15 ou 20 anos. O planeta que tanto queremos proteger dar-nos-á a resposta quando ele entender. Espero que os danos não sejam ainda mais gravosos do que aqueles que lhe incutimos nas últimas décadas.
Não sei qual é a solução ideal, nem tão pouco lanço búzios e baralho cartas no meu perfil de Facebook, prevendo o futuro através do oculto a troco de dinheiro. Mas se o fizesse e decidisse comprar um eléctrico com esses lucros, dificilmente o gastaria em algo mais potente e com maior autonomia do que aquelas oferecidas pelo automóvel eléctrico mais barato do mercado, o Dacia Spring.
Não tenho garagem, nem postos de carregamento num raio de 4 quilómetros. Teria, por isso, de o carregar através da janela, assim como um vizinho aqui da rua faz, com uma extensão que desce do terceiro andar. Espero, muito sinceramente, que ele a use igualmente para, em rappel, descer de manhã ao ir para o trabalho. Porque essa é toda a emoção que vai ter uma vez que conduz um eléctrico no quotidiano. E a meio dessa super extensão eléctrica está a ligação entre as duas metades, o que é óptimo porque o vizinho do primeiro andar pode precisar de aspirar a varanda.
27 kWh. Sim, e chega bem
Já o “meu” Spring, com a sua bateria de cerca de 27 kWh, precisaria assim de umas 14 horas para a carregar totalmente. É muito? É, claro. Se tivesse uma wallbox de 7,4 kW fazia o mesmo em 5 horas ou, melhor ainda, carregava 80% da bateria em 30 minutos num posto DC de 30 kW. Mas são “apenas” 14 horas porque o Spring tem uma bateria pequena. Imaginem se tivesse 40 kWh ou, como o eléctrico do meu vizinho, 64 kWh. Dois dias para o carregar, e isto se o aproveitador do primeiro andar não decidir ligar ali o aspirador.
Mas como o Spring é pequeno, com as dimensões perfeitas para o dia-a-dia na cidade, é igualmente leve. E como é leve, não precisa de um motor muito potente, que por sua vez não exige uma bateria maior do que a que o equipa para declarar uma autonomia em ciclo combinado WLTP de 230 quilómetros, valor que pode atingir os 300 quilómetros se conduzido maioritariamente em ambiente urbano.
Desde 17.000 €
E como “isso tudo”, o Spring é assim o eléctrico mais barato do mercado, com preço base de 17.000 € ou de 18.500 € para o “nosso” Comfort Plus, valor ao qual é preciso adicionar 550 € para que o Spring suporte o carregamento rápido. É óbvio que para ter um preço tão apelativo – à melhor maneira da Dacia – não se podem esperar encontrar no Spring os melhores materiais, nem a melhor qualidade de construção. Mas calma lá. Não é esse o objectivo? Ser barato e ser uma opção válida para as deslocações diárias? E, verdade seja dita, equipamento não lhe falta, com, por exemplo, ar condicionado, sistema de navegação e assistente de travagem. A sério.
O que o bem-disposto Spring oferece é uma condução eficiente, segura, fácil e descontraída, apostando no visual actualmente obrigatório se quer ver concretizadas as suas ambições comerciais, a de um moderno crossover, com uma altura ao solo suficientemente elevada para que lombas e buracos não sejam uma constante preocupação. A suspensão mostrou-se, em determinados pisos, um pouco mais rija do que esperava, mas nada que comprometa o conforto que se espera num veículo destas dimensões.
Condução simplificada, sem preocupações
O habitáculo promete levar quatro passageiros, sendo que os dois de trás não podem abusar dos doces de Natal. Cabem, claro, mas o Spring é, no fundo, um veículo de segmento A. A bagageira tem um volume bastante aceitável, oferecendo 270 litros de volume, mais do que suficiente para os cabos de carregamento, para as mochilas dos miúdos, bem como para as compras da semana.
Ao volante, a tarefa do condutor não podia ser mais simples. Apesar de ser preciso rodar a chave no canhão de ignição – algo já pouco comum nos dias de hoje e com o inconveniente desta ficar muito perto do joelho – e do travão de estacionamento ser à moda antiga, de seguida é apenas necessário rodar o selector ao centro da consola para “Drive” e arrancar. Dois pedais e uma direcção leve é tudo o que precisas para atacar a cidade.
Condutor vai “lá em cima”
Já a posição de condução está longe de ser perfeita, não havendo muitas regulações possíveis, mas o Spring não foi pensado para longas viagens. A visibilidade é boa e a manobrabilidade exemplar, graças às dimensões contidas e a um raio de viragem anormalmente pequeno. Chegar a um lugar de estacionamento e pensar “Será que cabe?” deixa de ser normal. Cabe de certeza absoluta e é fácil, até porque nem lhe falta a câmara traseira. Sim, porque o Spring mede 3,73 metros e esta é, por isso, essencial.
O motor eléctrico tem 44 cavalos e 125 Nm de binário. Parece pouco, eu sei. Mas não é, garanto-vos. A velocidade está limitada a 125 km/h. Só que, na verdade, não está, porque com o poder mágico de uma descida consegui dar 131 km/h. Mas isso pouco importa porque estamos legalmente limitados a 120 km/h. Ou seja, o Spring pode meter-te em apuros se não tiveres cuidado. O poder de aceleração é mais do que convincente para acompanhar a “lufa lufa” citadina, mesmo no modo ECO em que a potência se vê reduzida a 30 cavalos. Já em autoestrada não aconselho a sua utilização.
Menos de 10 kWh/100 km
Quanto a consumo, mantendo-me na cidade, consegui uma média de 9,7 kWh/100 km, o que coloca a autonomia nos 280 quilómetros. Com alguma autoestrada pelo meio, a média subiu para 11 kWh/100 km, valor que continua a ser o mais baixo que alguma vez encontrei num eléctrico.
É claro que o condutor de um Dacia Spring tem de fazer algumas cedências. Seja pelo espaço, pelos materiais ou pela performance mais limitada. Mas o que Spring prova é que no pesado mundo dos automóveis eléctricos, a leveza tem, como esperado, um papel preponderante na eficiência. E se eficiência e uma, em teoria, reduzida pegada ambiental são os principais motivadores da electrificação dos automóveis, então que os façam mais pequenos, já que a tecnologia das baterias, essa, é ainda volumosa e pesada.
O “Lotus dos pobres”
Já Colin Chapman o tinha dito e provado no passado. É aplicar a filosofia que este sempre defendeu, na medida do possível, aos eléctricos do presente. Tal como a Dacia fez com este “Lotus Spring”. E se como resultado da sua compacidade, leveza, potência adequada e respectiva eficiência, o preço é, também, reduzido, a mobilidade eléctrica chega assim a mais pessoas. Mais do que a infraestrutura, em expansão, e do que as mentalidades, em conversão, o maior obstáculo à condução de um 100% eléctrico é esse mesmo, o custo, o dos automóveis e, claro, o da energia para os fazer andar.