Hyundai i20 N – Um brinquedo, é certo, mas para ser levado muito a sério
Automóveis como o Hyundai i20 N são, ao mesmo tempo, uma espécie em vias de extinção e o meu tipo de automóvel preferido. Um hot hatch puro e duro, construído com base num utilitário cujos argumentos do preço, sentido prático e facilidade de condução são, até certo ponto, mantidos, passando, no entanto, para segundo plano, uma vez que as prioridades passam a ser a emoção, a dinâmica e uma estética mais desportiva. E se há país com uma grande história na produção deste tipo de “brinquedos”, esse país é a França, não a Coreia do Sul. Peugeot 205 GTI e 106 Rallye ou Renault 5 GT Turbo e Clio Williams são apenas alguns exemplos de modelos de pequenos desportivos gauleses a que hoje não temos acesso. Quem o dita é o mercado, as leis, bem sei, mas apenas e só por esta aposta da Hyundai, pela dedicação em desenvolver automóveis para os condutores que apreciam, efectivamente, o acto de conduzir, estou-lhes muito agradecido.
Infelizmente, como acima referido, nem a Renault com o Clio, nem a Peugeot com o seu 208, decidiram apostar numa versão irrequieta dos seus utilitários. A Volkswagen ainda o propõe com o Polo GTI, a Toyota elevou a fasquia com o GR Yaris de tracção integral e a Abarth continua a desenvolver novas versões “picantes” do eterno 500, é certo. Mas na minha opinião o verdadeiro alvo a abater pelo novo i20 N neste segmento é o brilhante Ford Fiesta ST, com a receita equivalente “tudo à frente” de 200 cavalos. Não o conduzo desde 2018 e as minhas impressões são, por isso, algo datadas, reconheço, mas lembro-me do suficiente para o considerar uma referência em termos de divertimento ao volante. Já lá vão uns anos, mas não houve curva que não me convidasse a algum tipo de manobra menos aconselhada, daquelas que não ensinam na escola de condução, mas que crescemos a querer fazer assim que tirarmos a carta.
Fiesta ou i20?
Aviso já que não tenho resposta. Não sei, nem vou “saber” no final deste texto, pois não quero, com este artigo, desenvolver um falso comparativo. Não seria justo, nem para o Fiesta ST, modelo que será, em breve, actualizado, nem para o novo i20 N, esta segunda tentativa – bem-sucedida, adiante-se – da Hyundai de construir um compacto desportivo, depois do excelente i30 N que tantos condutores conquistou. O i30 N pode até não ser o mais rápido, nem o mais impressionante do seu segmento, mas é surpreendentemente apelativo e eficaz, ainda para mais considerando que foi o primeiro modelo da família N da Hyundai. Assim, tendo tido a sorte de conduzir, por várias ocasiões, o super i30, esperava muito deste super i20.
A nível estético, e por muito estranho que vos pareça, é inevitável a comparação com o Honda Civic Type R. Porquê? Porque “não vou muito à bola” com o visual da traseira das mais recentes gerações Civic e i20, mas com todo o aparato estético das respectivas versões desportivas, Type R e N, aceito-os melhor. Toda a irreverência é agora assumida. Os spoilers são enormes. Os elementos pretos e as riscas vermelhas e todas as arestas e vincos e exageros têm um propósito. O de retirar quaisquer dúvidas de que estas versões “mordem”. Já o disse do Civic Type R e repito no caso deste i20 N: a nível visual, é o meu preferido de toda a gama. Porquê? Porque todo o aparato distrai-me daquilo de que não gosto tanto na sua carroçaria.
Por dentro as diferenças relativamente ao i20 que podes comprar por metade do que o que este custa não são tão radicais como no exterior, mas o habitáculo deixa bem claro quais as intenções e capacidades desta versão mais especial. Para além disso, elementos como os bancos desportivos, o volante e o punho da caixa também ajudam a “esconder” um design algo anónimo da mais recente geração do i20, bem como uma escolha de materiais cuja dureza é nesta versão igualada pela do amortecimento. Quanto a espaço disponível no banco de trás e na bagageira, partilha-o com as versões mais convencionais da gama, mantendo assim uma boa oferta nesse aspecto. Tal como se exige num bom hot hatch, diga-se. Porém, tudo o que referi até ao momento pouco ou nada importa quando considerado o verdadeiro propósito desta versão, o de colocar à disposição do condutor muita potência e uma dinâmica acima da média. Vamos a isso.
Pacote completo
O motor 1.6 T-GDi produz 204 cavalos e um binário máximo de 304 Nm e permite-lhe acelerar de 0 aos 100 km/h em 6,2 segundos, só parando de ganhar velocidade aos 230 km/h. Tudo isto porque o peso também não excede os 1200 kg. Mas o exclusivo i20 N é muito mais do que simples números. Isto porque não é preciso acelerar a fundo para se retirar um enorme gozo da sua condução. O motor é “cheio” desde os baixos regimes e combina-se com a caixa manual – de tacto decidido – para que o “piloto” fique imediatamente com um sorriso na cara. No entanto, não me agradou o “peso” e sensação do pedal da embraiagem deste i20 N em particular, retirando-me alguma confiança para passagens de caixa rápidas. Um elemento que, acredito, já acusasse os largos quilómetros de exigentes testes e alguns abusos sofridos nesta sua vida de veículo de testes para a imprensa. Mas não foi por isso que o i20 N não me cativou ao fim de poucos metros, deixando claro que se a ideia é andar depressa, está pronto para dar a resposta necessária, pois é para isso que existe. Foi isso que senti de imediato, era ainda possível ver no seu retrovisor o símbolo do concessionário da Hyundai onde o levantei.
Já fora de Lisboa e em território mais adequado às suas capacidades, gostei da sua direcção, rápida e precisa, que nunca me pareceu exageradamente nervosa nas suas reacções. Não foram assim precisas muitas curvas para ganhar a confiança suficiente para elas atirar o i20 a mais velocidade do que é considerado normal e a fim de colocar à prova as suas capacidades. A frente respondeu sempre com eficácia e a rigidez da suspensão – muita, mas ainda assim, parecendo-me ligeiramente mais branda do que a do amortecimento do Fiesta ST – manteve a carroçaria muito plana ao curvar, praticamente paralela ao asfalto. A aderência lateral da roda da frente exterior à curva é muito elevada e chega a ser de tal forma convincente que a roda oposta, no eixo traseiro, facilmente perde contacto com o solo. Quanto à travagem, deu-me sempre a confiança exigida para o explorar dentro daquilo que são as minhas capacidades, com potência, ajustabilidade e resistência à fadiga mais do que à altura. Só o travão de mão merecia outra afinação, diga-se, assim mais orientada para os ganchos de Monte Carlo do que para o estacionar à porta de casa.
Muita tracção
Sob aceleração, se não soubermos dosear a potência ou no caso de se excederem as capacidades da borracha Pirelli, é chamado à acção o diferencial autoblocante. É assim possível esmagar o acelerador e deixar que a potência seja descarregada no asfalto com o eixo dianteiro a voltar rapidamente à trajectória certa, eliminando-se a subviragem inicial. Através dos modos de condução configuráveis, é igualmente possível ajustar a presença das ajudas electrónicas e eliminar por completo a sua intervenção, surgindo assim um i20 N bem mais ajustável e “vivo de traseira”, ainda que talvez um pouco menos radical e contido nas atravessadelas do que o Fiesta ST. A função automática “ponta-tacão” faz também parte da oferta e conta com um botão dedicado no volante que, na verdade, preferia ver associado ao arranque do motor. O som de escape é digno de nota. E que nota!
Falar de consumos parece-me uma análise algo deslocada do contexto deste artigo, mas se precisam mesmo de saber, contem com 7,5 litros/100 km em ciclo misto a andar devagar. Se é para isso, comprem um i20 sem o N que ficam mais bem servidos. Para andar a sério, comprem este N e preparem-se para valores mais perto dos 10 lt/100 km. Um consumo alto, é certo, mas compensado por uma dinâmica exemplar, envolvente e eficaz, bem como por um andamento acima da média, quer em termos de rapidez, quer em termos de sorrisos por quilómetro. Qualquer ida ao café, às compras ou viagem para o trabalho, corre o risco de se transformar numa classificativa de rali, pelo que se aconselha moderação no pedal do acelerador, pois sei bem o quão difícil foi resistir.
Preço justo
Com o i30 N, a Hyundai abriu o caminho à sua divisão focada na performance e mostrou todas as suas capacidades no desenvolvimento de um compacto familiar com aptidões desportivas. Não seria por isso de esperar menos empenho ao conceber o i20 N, tendo a Hyundai produzido um rival muito competente para aquele que é, para muitos, a referência do segmento, o Fiesta ST. O design base, como disse, não me convence, mas a radicalidade visual deste N, o possante e sonoro motor, o ágil e emocionante chassis, bem como uma oferta de equipamento recheada e um preço justo de 33 mil euros são muito tentadores. Fiesta ST ou i20 N? Não insistas. Eu disse que não ia saber responder. “Ambos os dois” são brilhantes. Escolhe tu.