Se o preço é negociável, é para negociar
Há cerca de 3 anos decidi trocar de carro. O meu Ibiza TDI de motor indestrutível começou a acusar o peso da idade, pois quase 20 anos e 385 mil quilómetros passam também por outros componentes que não necessariamente os da mecânica. E uma vez que os quase 40 mil quilómetros que fazia por ano iam passar a ser apenas uns 5 mil, achei que estava na altura de concretizar um desejo antigo de comprar um Alfa Romeo a gasolina. Coloquei, por isso, o SEAT à venda e concretizei a compra do meu actual Giulietta 1.4 TB. E depois de alguns de alguns percalços iniciais, motivados por um vendedor pouco sério, a experiência Alfa Romeo tem sido tudo aquilo que esperava. O design que sempre admirei, um motor refinado e possante, sem ser desportivo e demasiado guloso e, algo que valorizo muito, um comportamento dinâmico seguro e envolvente.
Porém, voltei a tomar a difícil decisão de me desfazer de um automóvel com o qual tentei não criar uma ligação emocional demasiado grande. Quando o comprei, assumi esse compromisso e falhei redondamente. Crio memórias e apego-me demasiado às coisas, principalmente aos meus carros. Mas a verdade é que as circunstâncias actuais levaram-me a esta decisão. Uma pandemia que a todos afectou, a possibilidade de um teletrabalho em várias frentes, bem como as várias oportunidades de conduzir as mais recentes novidades do mercado, significam que o “Alfa” passa mais tempo parado na rua, sujeito aos cumprimentos das portas dos carros dos meus vizinhos, do que a serpentear à noite por entre as curvas da Serra de Sintra onde tanto gosto de o levar. Está a custar-me vê-lo tanta vez estacionado, à porta de casa ou num qualquer parque onde o “abandono” quando vou levantar um carro de teste ou durante as viagens pontuais ao bar ou supermercado. Preciso e quero ter um carro meu, isso é essencial, mas ter este, neste momento, é mal empregue. Preciso, apenas, do chamado “chaço”, “charuto”, “bolinhas”. Preciso de um carro e não necessariamente de um automóvel.
Dois longos parágrafos para introduzir o que tem sido uma experiência de venda, no mínimo, curiosa. Isto porque não tenho muita experiência em compra e venda de carros, bem como por me considerar um péssimo comercial. Conheço e gosto muito do meu automóvel, sei, por isso, “vendê-lo”. Mas para negociar, reconheço as minhas fragilidades. No entanto, ao ter o meu carro anunciado com preço negociável, significa que tenho uma pequena margem com a qual posso “jogar” consoante as propostas que me fazem. Não retiro, nem quero retirar, qualquer gozo deste jogo comercial, desta negociação. O meu único objectivo é tentar perder o menos de dinheiro possível, permitindo que, do lado de lá, o potencial comprador possa ir subindo até que se atinja um valor mínimo abaixo do qual não quero descer. Um não quer perder, o outro não quer gastar. É assim mesmo. Porém, diria que 80% dos contactos que tive, cerca de 40, foram de pessoas que certamente não têm mais nada para fazer do que comunicar um interesse que na verdade não têm. “Ainda está disponível?” “Está sim.” Silêncio absoluto.
E desses 80% de contactos que recebi, apenas metade fizeram perguntas sensatas, relativas ao histórico de manutenção, coisas a fazer, fotos detalhadas, etc… A outra metade, muitos deles nem um “Bom dia” ou equivalente, limita-se a mandar a bujarda: “Valor mínimo”. Considero-me um péssimo comercial, como admiti, mas se o preço é negociável, é lógico que não quero dizer, logo à partida, qual o valor mínimo que estou disposto a aceitar. Não está certo, nem errado. É uma opção, apenas e só isso. E a esses “interessados”, respondo apenas que pretendo receber uma proposta que, por muito baixa que seja, não me vai, de todo, ofender. Comprometo-me, igualmente, a dizer se está perto, ou não, do valor que pretendo para se perceber se vale a pena continuar a negociar ou se estamos longe. E se muitos entendem e disparam, efectivamente, um valor, deparei-me com um senhor – que para efeitos desta crónica e para não ferir sentimentos, vamos chamar de “Cromo” – que preferiu responder com: “Não, diga-me você o valor mínimo!”. Obviamente, respondi ao Sr. Cromo que o mínimo era o valor do anúncio e obtive a resposta que esperava e que, na verdade, procurava: “Mas isso é o valor que está anunciado!” Exacto, meu caro. Para ti, como foste um tipo decente e educado, faço-te esta atenção. Cobro-te o máximo. Seguiu-se um esperado silêncio de 3 ou 4 horas e recebo depois uma mensagem com uma proposta insuficiente, mas justa. Negociámos, com educação, mas a venda não se concretizou. No entanto, ele acabou por saber, naturalmente, o valor mínimo pretendido. Porquê? Porque o valor é negociável e negociando chega-se lá. De longe, a melhor proposta que tive foi a de ir mostrar o Alfa Romeo ao Algarve porque a pessoa em causa não gosta de conduzir em Lisboa e assim, ao chegar lá, ele tinha, também, garantia de que estava tudo funcional. Absolutamente surreal.
O meu Alfa Romeo Giulietta continua à venda. Estou decidido, mas triste, claro. Porque este foi o automóvel que quis comprar, o automóvel certo para aquele momento da minha vida. É óbvio que vou andar de “cavalo para burro”. Vou comprar algo mais antigo, menos equipado, menos refinado, menos bonito e menos potente. Mas a ideia é mesmo essa. Utilizar e desfrutar de um carro, estimando-o, mas sem a preocupação de o manter em condições quase perfeitas e de o proteger das armadilhas da estrada e da falta de cuidado da vizinhança. Porque por muito que goste do meu “Alfa” (e gosto, caramba!), tenho saudades de não me preocupar demasiado com riscos, folgas e roubos de catalisadores. Não faço ideia do que virá a seguir, pois não vou avançar para a compra desse “charuto” sem encontrar um novo dono para o Giulietta. Tenho visto muitas opções, mais ou menos antigas, mais ou menos potentes, mas não tomei, ainda, uma decisão do caminho a seguir. A venda não é urgente, o preço pedido é negociável, mas o mínimo não o é. Não mo peçam sem fazer uma proposta, por favor. Quando escolher o “charuto”, prometo fazer o mesmo, propor um valor, tal como o estou a exigir enquanto vendedor. E, uma vez mais, revelar-se-ão as minhas incrivelmente duvidosas capacidades comerciais.