Toyota GR Yaris Extreme Rally – Não precisam de ler este artigo. Precisam de conduzir o automóvel do momento
O plano inicial era bem diferente daquele que acabou por se concretizar, pois o que a agenda indicava para a semana em causa é que eu ia passá-la ao volante de um Yaris Hybrid. Não esperava esta alteração, bem-vinda, de última hora, mas dada a indisponibilidade do modelo agendado, a Toyota fez-me o grande favor de antecipar o ensaio ao fantástico GR Yaris, o desportivo assinado pela Gazoo Racing, ainda para mais na versão que interessa, o Extreme Rally. Não tive tempo, porém, de preparar um trabalho mais detalhado, quem sabe, até, fazer um pequeno vídeo para mostrar um pouco das capacidades de um dos automóveis mais aguardados e elogiados dos últimos tempos. Mas chegou, finalmente e ainda bem, o dia. O meu dia.
O reconhecimento
Curiosamente, o GR Yaris é, também e de certa forma, um híbrido. Isto porque combina alguma da compacidade do Yaris convencional com a potência e sistema de transmissão de uma verdadeira arma para os ralis. É, assim, apenas “ligeiramente” diferente… Até a potência o comprova. De 116 para 261 cavalos, estes Yaris só diferem no “2”. Coisa pouca, portanto. Mas se nunca tive dúvidas das capacidades dinâmicas do GR Yaris, e do quão especial este pequeno automóvel é, começava a temer que todos os elogios feitos ao mais bombástico dos modelos de segmento B fossem, não digo injustificados, mas exageradamente extrapolados devido a todo o entusiasmo que se gerou ao seu redor.
Posso adiantar que não. Obviamente não tive acesso a uma estrada fechada, nem tão pouco a um circuito. Para além disso, faltam-me as capacidades para extrair do GR Yaris tudo aquilo que ele tem para oferecer, mas aquilo que dele extraí, chegou, e sobrou, para justificar todo o bem que dele se tem dito, todos os elogios, emoções e sentimentos de inveja saudável, todo o interesse demonstrado pela comunidade automóvel que nele vê o Delta Integrale ou o Escort Cosworth dos tempos modernos, bem como todo o reconhecimento pela coragem da Toyota em lançar um automóvel assim no mercado no momento em que vivemos. Em todos os aspectos, o GR Yaris é uma verdadeira bomba.
Impressiona, desde logo, visualmente. Os alargamentos da carroçaria remetem-nos imediatamente para outra época, para outra realidade, mais lamacenta e a cor vermelha é, sem dúvida, a cor certa para este Yaris. Pelo menos entre as propostas pela Toyota. Vejo nele potencial para um tom verde. Vejo mesmo. Gosto muito das janelas sem moldura, bem como das jantes BBS forjadas, mas acho que uma máquina destas merece umas rodas com um desenho mais simples e agressivo, algo de que o brilhante GT86 também sempre pecou. Mas é no interior que surgem os pontos, não maus, mas menos bons. Entremos.
Não é perfeito, mas o que importa isso?
Não vou falar de materiais e qualidade de construção. Não só não faz sentido, como, nesse aspecto, cumpre tão bem quanto o Yaris “poupadinho”. Bastante pior é o espaço no banco traseiro e na bagageira, onde se esconde a bateria, debaixo do piso. Esses sim, são incrivelmente limitados. Duas crianças bem sentadas e os sacos de compras da semana lá atrás e imagino que o GR Yaris troque de identidade com uma Hiace a caminho da poeirada de um festival de música, quando a poeira que melhor lhe assenta é a de uma classificativa de ralis, ambiente onde ele, na realidade, pertence. Pequenas limitações que não contam para nada, no fundo. Porque a fundo, é como ele deve andar, sem carga excessiva a bordo.
No habitáculo, o que realmente importa mencionar é a posição de condução e esse ponto, parece-me, merece ser revisto. Existem já soluções no mercado das modificações para permitir uma colocação mais baixa do banco que, espero, permitam manter os óptimos bancos originais. Não preciso, nem quero, ter de me sentar numa baquet excessivamente desportiva, com o conforto de um alguidar da roupa. Entendo, também, que a complexidade mecânica escondida debaixo do piso possa, talvez, ter limitado a amplitude de ajuste em altura do banco, mas nunca me senti verdadeiramente confortável, totalmente “encaixado” ao volante, por dentro da acção. A colocação muito horizontal do pára-brisas, bem como o posicionamento elevado do ecrã do infotainment, combinados com essa altura excessiva, significam que, pelo menos ao centro, o campo de visão fica bastante limitado.
Abrir a estrada
Sim, o motor é um bloco com três cilindros. E para aqueles que não aprovam o número ímpar, principalmente os entusiastas das gerações mais velhas que olham com alguma desconfiança para esta “poupança” em êmbolos e bielas, tenho a certeza de que não se queixaram quando a Audi lançou o Quattro com motor de cinco cilindros, uma configuração menos suave e nobre do que um “seis em linha” e igualmente, na sua versão original, bem menos potente do que este 1.6 litros da Toyota, com 261 cavalos e 360 Nm, o três cilindros de produção mais potente e de maior cilindrada do mundo, sendo igualmente o 1.6 litros turbo mais compacto e leve.
Mas se a pujança impressiona, gostei, também, de uma dupla personalidade que por vezes se fez notar. Mantém uma boa disponibilidade desde baixas rotações, mas a entrada em cena da sobrealimentação é perfeitamente notória, ali entre as 2500 e as 3500 rpm, com um “encostar ao banco” que nos remete para outros tempos, sem com isso beliscar em demasia a linearidade com que o pequeno, mas possante, motor revela o seu pulmão. Para além disso, não se aflige quando levado aos altos regimes. Até gosta que o façamos. Uma pequena pérola, este três cilindros do GR Yaris.
Quanto à sonoridade, não gostei de duas coisas e nenhuma delas está relacionada com o facto de ter esta configuração de cilindros. Achei-o pouco presente, com uma sonoridade mais de sopro do que de grito, um mal de que sofrem muitos dos modernos motores turbo, bem como achei a experiência a bordo um pouco artificial. “Cheirou-me”, pelos ouvidos, que havia por ali um som sintetizado para beneficiar um pouco a mudez do escape e ao ler a extensa literatura que a Toyota me enviou, confirmam-se as minhas suspeitas. Num automóvel assim, lamento, mas queremos tudo aquilo a que temos direito, levando o “ruído” natural até ao limite legal. Neste aspecto, o GR Yaris não merece menos do que o máximo.
Não é tão desconfortável quanto parece
Com uma postura em estrada assumidamente desportiva, ainda para mais quando equipado com a suspensão GR Circuit exclusiva deste Extreme Rally, seria de esperar que um automóvel pequeno como este, totalmente orientado para o máximo desempenho dinâmico, tivesse o conforto de um carrinho de rolamentos a descer por uma das laterais das pirâmides no Egipto. Mas não, longe disso. Embora firme e decidido, achei o amortecimento do GR Yaris surpreendentemente complacente, sem nos sacudir, sem pancadas “secas” quando o piso se torna mais irregular. Nesse aspecto, o GR Yaris é até bastante utilizável no dia-a-dia.
Mas quando o ritmo aumenta – e é verdadeiramente difícil não aumentar, o do andamento e, consequentemente, o cardíaco – a evoluída geometria da suspensão e a afinação correctíssima do amortecimento revelam toda a qualidade de execução do trabalho realizado. Os movimentos de carroçaria são mínimos, anulando os efeitos de intensas transferências de massa, mantendo a borracha em contacto com o piso e dando, ao mesmo tempo, uma agradável dose de informação ao condutor sobre toda a cinemática desenvolvida ao longo da “classificativa”.
A direcção é outro ponto que merece destaque, suficientemente rápida para limitar os movimentos de volante necessários, mas sem cair no exagero de dar ao eixo dianteiro um nervosismo que pudesse até retirar confiança ao entrar em curva. Gostei, por isso, da informação que chega às mãos, elogio que prolongo ao resto dos comandos, com uma caixa de velocidades de comando curto e decidido, próximo do volante, que mostrou, por uma ou duas vezes, que não aprecia passagens demasiado brandas, bem como um eficaz travão de mão mecânico de actuação imediata, que liberta a elaborada transmissão para permitir provocar a traseira e apontar o Yaris nos ganchos e curvas mais apertadas. Também os pedais, perfeitamente colocados, contam com uma excelente calibração da força necessária para os actuar, com a eficácia e progressividade necessárias e transmitindo as sensações ideais para múltiplas passagens de caixa, com ponta-tacão automático, travagens tardias e exigentes, bem como para acelerações vigorosas.
Serra acima, serra abaixo
Levei o GR Yaris a uma das minhas estradas desertas de eleição para poder explorar um pouco melhor as suas capacidades e rapidamente fiquei com a sensação de que precisava de outras condições para dele tentar usufruir. Os seus limites são tão elevados que depressa se revelaram os meus e os do percurso que escolhi. Conheço bem aqueles quatro ou cinco quilómetros e não tenho memória de ter ligado aquelas curvas com tamanha rapidez. Nem tão pouco de as fazer a uma velocidade que pensava não ser possível. Não a bordo de um Yaris. Não comigo ao volante. A velocidade de passagem em curva é simplesmente absurda. Os travões, incansáveis, precisam de alguma temperatura para mostrar tudo o que valem e à saída das curvas, saber que está lá a tracção integral GR-Four convida-nos a antecipar o momento em que voltamos a carregar no acelerador.
Também aqui, num percurso sinuoso e com velocidades em curva bastante elevadas, a suspensão revelou novamente toda a sua capacidade de absorver imperfeições, de limitar os movimentos da carroçaria e de controlar o posicionamento das rodas maximizando o contacto dos pneus Michelin com o asfalto. E isto, mesmo com constantes irregularidades do piso nas zonas de maior apoio lateral, onde as exigências feitas ao chassis e à borracha podiam, repentinamente, desestabilizar o equilíbrio dinâmico do pequeno Toyota, provocando o eixo dianteiro para fora da trajetória por mim escolhida ou, pior, convidando a traseira a passar para a frente ao aliviar a pressão no pedal da direita. Nada disso. Zero perturbações. Cheguei ao topo em menos de nada. E em menos de nada repeti o percurso em sentido inverso para a dose de reforço, rasgando o escuro da serra com os poderosos máximos ligados e transformando a vegetação iluminada nas laterais num imperceptível borrão verde.
Como referido, a capacidade de tracção é impressionante, mas quer nos momentos em que o conduzia, ou agora, dias depois de o ter devolvido, sei que não tive oportunidade de explorar tudo o que os diferenciais Torsen proporcionam a nível de eficácia neste mais apetrechado Extreme Rally. Através de um pequeno selector na consola, é possível alternar a distribuição da potência/binário entre os eixos e mesmo nos meus pequenos testes, feitos sob chuva intensa e com uma tremenda dose de respeito por um automóvel que, mesmo transmitindo uma enorme confiança, é muito intenso na forma como entrega o que lhe é solicitado, foram perfeitamente notórias as diferenças no seu comportamento.
Desligo as ajudas e surge no painel a indicação “Expert”. Não podia estar mais longe da verdade, mas lá fui eu fazer esse sacrifício em nome da essencial experimentação. Se em modo Normal o GR Yaris dá prioridade ao eixo dianteiro, na proporção 60:40, alternando-se para o modo Track, a distribuição equilibra-se nos 50:50 e à saída de uma curva lenta, acelerando a fundo, a subviragem inicial é depois eliminada pelo empurrar da potência enviada para trás, com uma saída rápida e eficiente em direcção ao horizonte. Já no modo Sport, o GR Yaris mostra o seu lado mais hooligan, mais rebelde, aquele que mais tive pena de não explorar em pleno, até porque se há coisa que vou detestar fazer – espero que nunca aconteça – é ter de telefonar para uma marca como a Toyota a pedir desculpa.
Consumo e preço? Vê no site da Toyota
Ainda assim, com o piso ensopado, bem como com muita concentração e o acima mencionado respeito pelo material – que, como diz o povo, tem sempre razão – e já com o modo Sport activado, repeti a mesma curva a baixa velocidade para sentir como a potência era comunicada ao piso, uma vez que agora a tracção se distribuía numa proporção 30:70. Não senti o desvio inicial das rodas da frente e o eixo traseiro foi bastante mais imediato a descolar, obrigando a compensar a pequena e saudável escorregadela com um golpe de braços e a recuperar a coragem de manter pressão do acelerador, apontando o Yaris à saída com a rapidez de um foguete. Que. Coisa. Tão. Viciante. Caramba!
O artigo já vai longo e por mais longo que fosse, não chegaria para expressar tudo o que senti, tudo o que o GR Yaris vale. A experiência da Toyota na produção de veículos híbridos – dos outros híbridos – é inquestionável e o seu currículo no Campeonato do Mundo de Ralis é invejável. Com base neste duplo elogio e reconhecimento, permitam-me e perdoem-me, igualmente, este pequeno egoísmo nas minhas palavras, emocionalmente justificado pelas tremendas capacidades deste Yaris de ralis com matrículas para se poder, também, usar na cidade, mas este é, de longe, o melhor híbrido da Toyota. Merece toda a loucura à sua volta, todo o fanatismo dos seus fãs e todos os elogios que lhe foram feitos. Não se justifica falar de consumos, nem tão pouco do preço que custa. É absolutamente brilhante naquilo que sabe fazer e verdadeiramente especial naquilo que transmite a quem o conduz.