CPR 1966: Manuel Lopes Gião, El Rey dos Ralis em Portugal
Como referi há dias, com o 1º lugar no Rali Terras d’Aboboreira, Miguel Correia tornou-se no mais recente piloto a vencer um rali do Campeonato de Portugal de Ralis (CPR), juntando-se, assim e em pleno direito, a uma lista hoje composta por 125 nomes e que começou a ser criada a partir de 1966. Foi nesse ano, de instituição oficial do primeiro Campeonato Nacional de Ralis (CNR, hoje CPR), que Manuel Lopes Gião inaugurou esse palmarés, ao conquistar a vitória no primeiro rali de sempre corrido em solo luso, integrado nessa nova série, uma das divisões do então Campeonato Nacional de Condutores (a Velocidade e a Regularidade eram outras das vertentes).
Apostando nesse ano de 1966 num Austin Cooper S 1275 (matrícula FG-96-10), uma das maravilhas dos ralis da época, começou pelo XI Grande Rallye de Sintra – Rallye Internacional das Camélias, repetindo, depois, a dose no I Rali de Inverno, no Rali do Académico, nos 1000 km do Benfica e no XV Rali da Montanha, seguindo-se os festejos na XI Volta ao Minho e no XIV Rali Noturno do Sporting Club de Portugal, equipa do seu coração. O único rali que lhe escapou nesse ano foi a XVII Volta a Portugal, prova que Basílio dos Santos venceu, outro nome grande da época, tornando-se, assim, no segundo nome desta longa lista. Ficou para a história o facto do piloto oriundo da Guarda de treinar, de antemão, os percursos, estratégia que o levou a vencer nada menos do que esses sete de oito ralis desse primeiro calendário do CNR.
Naturalmente que, com esta prestação Gião, se viu consagrado, aos 33 anos, como o primeiro Campeão Nacional de Ralis (Absoluto e Turismo). Isto em termos oficiais, num tema que não é consensual, havendo quem defenda que o arranque do campeonato remontará a dez anos antes, subjacente ao facto de os arquivos da FPAK atribuírem um primeiro título a Fernando Stock, em 1956. Mas essa era uma época em que a velocidade e os ralis se misturavam muito, para além de que os ralis ainda não tinham um formato próximo do que é a actual realidade, correndo-se em estradas abertas e tendo determinadas características (conjugando provas de regularidade, de destreza, de maneabilidade, rampas, etc), estrutura substancialmente diferente da que conhecemos hoje, sendo que apenas mais tarde se tornaria obrigatória a instituição de Especiais cronometradas integradas em percursos fechados ao trânsito.
Dos sucessos na velocidade até ao título de 1966 no então CNR
Nascido a 16 de Novembro de 1933, Manuel Lopes Gião estreou-se nas competições automóveis aos 25 anos, em 1958, dividindo-se entre corridas de velocidade e ralis, ano em que venceu a sua primeira prova, o Rali do ACP, para no seguinte clamar para si o Troféu Shell e a Rampa de Santarém, usando carros tão diferentes como o MGA ou o Volvo P544 (vulgo “Marreco”).
Nos anos 60 começou a dar nas vistas num BMC 850 e num Austin 850, carros do extinto grupo British Leyland, tornando-se, entretanto, piloto oficial da Austin de J.J. Gonçalves. Seguiu-se o Austin Cooper S 1070 (CL-37-46) e as vitórias, aqui e ali, em Portugal, nomeadamente na XIV Volta a Portugal de 1963 (ano em que alcançou o seu primeiro ceptro, de Campeão Nacional de Condutores / Turismo), na Rampa da Pena e no Circuito de Vila do Conde de 1964.
Depois, já com um 1275 (matrícula GE-90-00), voltou a bater a concorrência no Rali das Camélias e no Circuito de Cascais de 1965. No ano seguinte, com o outro Cooper S 1275 (FG-96-10) limpava os tais sete ralis e o título do CPR 1966, repetindo a dose no ano seguinte no rali desenhado na Serra de Sintra, ano em que também festejava no lugar mais alto do pódio do Circuito de Montes Claros (Lisboa). Foi também conquistador do lado de lá da fronteira, garantindo, entre outros resultados, alternando entre a velocidade e os ralis espanhóis, a vitória no Circuito Internacional de Madrid (1964) e na categoria no Rali Rias Bajas de 1965, num ano em que foi o segundo melhor no Circuito de Montjuïc.
Fazendo evoluir a carreira com alguns intervalos mais ou menos alargados, Gião interrompia definitivamente as corridas em 1971, não sem antes garantir novo 1º lugar, dessa feita na jornada inaugural do Troféu Datsun, em Montes Claros. A partir daí, passou a acompanhar os seus amigos nas corridas, nomeadamente Fernando Soares, ele que, anos mais tarde, havia de recuperar o Cooper S GE-90-00 e até correr com ele, numa sentida homenagem ao seu amigo de sempre.
Só que, dezasseis anos depois, com apenas 53 anos, Manuel Lopes Gião não resistia a uma prolongada doença, deixando o seu legado e apelido aos seus filhos, nomeadamente ao Manuel, também ele picado pelo bichinho das corridas, jovem que acompanhava nas primeiras incursões no karting. Sim, à semelhança do pai, o jovem Gião começou pela velocidade, não mais a largando, disciplina onde tem conquistado inúmeros resultados de relevo, no karting, em diversas fórmulas de monolugares, nacionais e internacionais, corridas de GT e troféus monomarca, sendo estas últimas as categorias em que tem corrido no passado mais recente.
Vencedores do CPR: Uma lista com 125 nomes… até à data!
Oficialmente inaugurada com o nome de Manuel Lopes Gião, vencedor do XI Grande Rallye de Sintra – Rallye Internacional das Camélias de 1966, a lista de vencedores absolutos dos 530 ralis já corridos no âmbito do Campeonato de Portugal de Ralis, desde esse ano até Abril de 2022, contempla hoje um total de 125 nomes. Já este ano viu-se reforçada com a integração dos três vencedores das primeiras três provas do CPR 2022, os espanhóis Nils Solans (Serras de Fafe) e Efrén Llarena (Açores) e, mais recentemente, Miguel Correia, estreante no lugar mais alto do pódio no Rali Terras d’Aboboreira.
Naturalmente que a ainda demasiado curta carreira deste piloto bracarense não pode ter comparação face à construída, em tempos já idos, pelo egitaniense Gião, nome conceituado do motorsport nacional, somando mais de uma centena de corridas, entre circuitos e ralis. Já Miguel Correia acumula, à data, tão somente 39 ralis disputados, o primeiro deles em Julho de 2017, “só para ver como era”, como não há muito tempo disse à Garagem na entrevista que deu para o texto “Miguel Correia: De promessa a confirmação no Nacional de Ralis”. Ainda só alcançou uma vitória absoluta, um 2º lugar em termos de CPR e várias subidas a pódios em termos absolutos, mais uns quantos sucessos na sua classe, somando, no meio de tudo isto, apenas cinco desistências. Resta aguardar para ver o desenrolar da carreira, acompanhando-o na estrada, de preferência!
Acrescente-se que o agora denominado Campeonato de Portugal de Ralis (CPR) está a fazer decorrer a sua 55ª edição, tendo o seu ceptro máximo sido atribuído, em cerimónias dedicadas, no final de cada temporada, a 25 pilotos (oficialmente, Manuel Lopes Gião foi o primeiro de todos) e a 23 navegadores (troféu apenas instituído em 1975; Pina de Morais é o primeiro dessa lista). Fruto de condicionantes, nomeadamente de índole política e de escassez de combustíveis, os galardões de 1969 a 1973 não foram entregues, sendo que em 1974 o então CNR não se realizou de todo, por razões óbvias!
Aguardemos, assim, os próximos capítulos, o primeiro dos quais já em Maio, no Vodafone Rally de Portugal (de 19 a 22), ainda que aqui se possa perspectivar uma intervenção ao mais alto nível de dois “Sébs”, qualquer deles já vencedor do nosso rali máximo: Loeb fê-lo em 2007 e 2009 e Ogier em 2010, 2011, 2013 e 2014. Ou então um bis de Thierry Neuville (vencedor em 2018), de Ött Tanak (2019) ou Elfyn Evans (2021), sendo que entre os demais pilotos do plantel Rally1, só Craig Breen já venceu em terras lusas (o Sata Rally Azores de 2015), tal como Dani Sordo (Serras de Fafe de 2019). Já os restantes são ainda virgens de vitórias à geral em ralis do nosso CPR.
Depois disso ficarão a faltar as restantes quatro provas da presente época, todas em pisos de asfalto – Castelo Branco (Junho), Vinho Madeira (Agosto), Alto Tâmega (Setembro) e Vidreiro (Outubro) – para ver se este palmarés ainda cresce em 2022. Esperemos que sim!
Nota: uma palavra especial, de enorme agradecimento, aos irmãos Sofia e Manuel Gião pela enorme disponibilidade, nomeadamente na cedência das imagens históricas que ilustram este texto.
Fotos: Oficiais / Família Gião (arquivo pessoal) / AIFA / BigPress.