Séb vs Séb: O desejado (falhado) duelo em Portugal poderá acontecer no Quénia
Durante semanas o mundo dos ralis não pareceu querer saber de outra coisa. Houve ralis em vários pontos do planeta, em Portugal e além-mares, no WRC, no ERC, no CPR e nos demais nacionais e regionais da especialidade, mas a pergunta que todos faziam era: “Quando é que os Sébs confirmam que vêm ao Rali de Portugal?” Ainda o nosso rali não tinha acabado e a pergunta passava a ser: “E agora, vão correr o Safari?” E até parece que sim!
Parecia uma pergunta para um queijinho, mas do tipo bola de cristal, tentando-se adivinhar algo que, durante tempos infinitos, quase ofuscou a presença do restante plantel, equipas nacionais e internacionais que compuseram uma lista de inscritos como há muito não se via no maior dos nossos ralis. Até parecia que se apenas tivéssemos os dois Sébs à partida o rali se fazia na mesma!
E eis que no dia 19 de Abril lá chegou a tão desejada confirmação dos lados da M-Sport Ford, para no dia 25 ser a vez da Toyota Gazoo Racing fazer a sua parte, para gáudio de milhares de fervorosos adeptos portugueses (e não só) que, finalmente, lá conseguiram ter um soninho descansado, em vésperas do Vodafone Rally de Portugal!
Só que, em termos desportivos e como depois se viu, a coisa não foi bem o que muitos esperavam, uma reedição nos duros troços de terra lusa da épica batalha “Loeb vs Ogier” protagonizada no asfalto gelado de Monte-Carlo, em Janeiro, na jornada de abertura do WRC 2022. Aliás, quase se pode dizer que a expectativa deu em praticamente nada, levando a que as atenções se centrassem, finalmente, sobre os outros. Já lá iremos!
Loeb é dono de um registo muito especial
No meio de tudo o que se antecipou, falou e especulou, um pormenor passou ao lado da maioria, pois Loeb até poderia bater um recorde que já lhe pertencia, ou não tivesse o pluri-Campeão francês oriundo da Alsácia alcançado, nesse Monte-Carlo 2022, o patamar de “O Mais Velho Vencedor de um Rali do WRC”: tinha 47 anos, 11 meses e 3 dias no dia que levou o novíssimo Ford Puma Hybrid1 ao lugar mais alto do pódio, a primeira vitória da nova era híbrida do WRC.
Nascido a 26 de Fevereiro de 1974, o francês da Alsácia suplantou um registo que vigorava desde 1990, ano em que o sueco Björn Waldegaard (12/11/1943), então com 46 anos, 5 meses e 4 dias, havia ganho o Safari Rally, o mesmo evento que, três anos antes, tinha elevado o finlandês Hannu Mikkola (24/05/1942), então com 44 anos, 10 meses e 27 dias, a esse estatuto de referência, todos eles nomes XXL do universo dos ralis, com carreiras incomparáveis, em face das épocas em que se envolveram no maior dos campeonatos de provas de estrada do planeta!
Portugal: Da esperada luta que nunca aconteceu…
Aliás, ainda que o desejasse – quem não, que piloto não gosta de ver crescer o seu palmarés? – Loeb nunca disse categoricamente que ia vencer a prova lusa, ainda para mais tendo essa batalha pela frente, com o outro Sébastien, Ogier de seu nome. Um confronto que tantos desejaram com um fervor tal que quase obliterou o interesse pelo restante plantel do WRC, parecendo que mais nenhum nome importava, e que, afinal, se veio a revelar como um flop, com “a montanha a parir um rato” de dimensões consideráveis!
Com ordens de partida não muito distantes no primeiro verdadeiro dia de competição – o Puma de Loeb era o quarto carro a entrar nos troços, o GR Yaris de Ogier o oitavo – nunca houve uma verdadeira luta directa entre os Sébs, longe do taco a taco de Monte-Carlo. Loeb até foi o mais rápido na ES4, com isso assumindo a liderança, para logo no troço seguinte bater num muro, no que disse ser o erro mais estúpido da sua carreira, algo que acontece a todos, como se vê até aos melhores do mundo! Já Ogier venceria a ES5 e subia ao 3º lugar, na que foi a sua melhor posição no rali luso, para nos dois troços seguintes sofrer dois furos e, assim, dar o dia por terminado.
Ambos regressariam para a etapa de Sábado, sob a bandeira do chamado “SuperRally”, um subterfúgio com que embirro particularmente, inventado há uns anos pela FIA e pelo promotor do WRC para dar maior visibilidade a quem paga a festa (leia-se as equipas oficiais), mas a distância que os separava era bastante significativa, quase 20 minutos: Ogier fechava o top-50 da geral, a cerca de 32 minutos do líder, e Loeb era 62º, a quase 50 minutos. Mas nem isso valeu, pois ambos voltariam a desistir logo na segunda especial do dia, Loeb com problemas de motor e Ogier com uma saída de estrada. Apenas o piloto da Toyota seria (de novo) repescado para o último dia de rali… o da Ford arrumava o capacete e as botas!
Ah sim, ficava por alcançar o novo registo em que a fasquia passava para os 48 anos, 2 meses e 26 dias, tornando-se ainda mais difícil de igualar por outro piloto de ralis.
… ao recital de Kalle Rovamperä
O mundo podia, finalmente, respirar e concentrar as atenções nas reais lutas pelos pontos do Campeonato do Mundo de Ralis, nomeadamente na brilhante prova do jovem Kalle Rovamperä que, ao longo de todos os dias do Vodafone Rally de Portugal, deu um recital de condução e lições de compêndio a muitos dos seus adversários, impondo-se ao seu colega de equipa Elfyn Evans, o Vice-Campeão do Mundo em título, ou à também épica prova de Takamoto Katsuta, japonês que quase alcançava o seu primeiro pódio no WRC, feito que lhe foi negado por um igualmente brilhante Dani Sordo.
Com o seu Hyundai i20 N Hybrid1, o espanhol negou um pódio integralmente composto por exemplares do Toyota GR Yaris Hybrid 1, ao mesmo tempo que batia os seus chefes de fila Thierry Neuville e Ott Tänak em solo luso, voltando a demonstrar o porquê de ser uma excelente aposta, tantas vezes esquecida. Quanto aos Ford Puma Hybrid1, bom, depois de Loeb ter elevado fugazmente ao 1º lugar o seu exemplar, foram caindo na classificação, fruto de alguns problemas e de muitos furos, levando a que o seu melhor representante viesse a ser um inesperado Pierre-Louis Loubet (7º lugar), francês de 25 anos filho do pluri-campeão Yves e agora integrante do plantel Hybrid1 do WRC 2022.
O rali dos outros…
Atrás deles, ao longo de um bastante demolidor rali, com muito pó, muito calor, muita pedra solta e cada vez mais e maiores sulcos ao longo do percurso, vinham mais nove dezenas de equipas, um plantel inicialmente composto pelos restantes concorrentes do WRC e das várias subcategorias (WRC2 Junior, Masters, Open), WRC3 (Junior, Open), bem como do CPR e da vertente de duas rodas motrizes, mais os concorrentes de dois troféus monomarca ibéricos, da Peugeot e da Toyota, que, ao longo de todo o dia de sexta-feira, sofreram a bom sofrer com o estado lastimável em que encontraram os troços, nomeadamente nas segundas passagens.
Apesar das dificuldades e de algumas queixas pelo facto do espaçamento das partidas não ter sido o ideal, em face das condições, houve lutas intensas em todos esses escalões, embora, claro está, os recém-estreados Hybrid1 concentrassem grande parte das atenções, tal como acontecera antes com os WRC e antes destes os Grupo B e os Grupo 4, face às categorias ditas inferiores. Daqui saíram, naturalmente, as respectivas classificações paralelas, premiando os melhores em cada um dessas categorias de suporte.
Yohan Roussel impôs o seu Citroën C3 Rally2 a um conjunto de Škoda Fabia Rally2 Evo no novo WRC2 Open, depois de, na derradeira das especiais, lhe cair no colo o 1º lugar, oferecido por um desalentado Teemu Suninen que acabou com o seu Hyundai i20 N Rally2 fora de estrada; no WRC2 Masters, o pouco conhecido Jean-Michel Raoux (VW Polo GTI R5) bateu Frédéric Rosati (Hyundai i20 N Rally2) por apenas 2,3 segundos. Nas camadas mais jovens, Chris Ingram (Škoda Fabia Rally2 Evo) venceu o WRC2 Junior e o ainda mais novinho Sami Pajari (Ford Fiesta Rally3) garantiu a vitória no WRC3 Junior, juntando-lhe a taça do WRC3 Open.
Na vertente lusa, quer o CPR, quer os troféus, apenas usaram como estrutura nacional o final de tarde de 5ª Feira, com a SuperEspecial de Coimbra, e todo o dia de 6ª Feira, secções que os levaram da Cidade dos Estudantes até à Exponor. Cumprindo troços icónicos, mas muito demolidores, da Lousã, Góis e Arganil (todos por duas vezes), mais Mortágua (só CPR; neutralizado para as copas devido a acidente de outro concorrente), a sua festa terminava no bem mais suave Circuito de Lousada, palco do seu segundo troço-espectáculo.
Após muito suor e algumas lágrimas, ao pódio do CPR subiram Ricardo Teodósio / José Teixeira (Hyundai i20 N Rally2), Armindo Araújo / Luis Ramalho e também Miguel Correia / ‘Jet’ Carvalho, estes dois em Škoda Fabia Rally2 Evo, deixando atrás de si os Citroën C3 Rally2 de José Pedro Fontes / Inês Ponte e Paulo Caldeira / Ana Gonçalves, mais o jovem Lucas Simões / Nuno Almeida (Hyundai i20 R5) no 6º lugar. Já no CPR 2RM a vitória sorriu a Ernesto Cunha / Rui Raimundo, relegando José Loureiro / Valter Cardoso e Luís Morais / Paulo Silva para os restantes lugares do pódio, todos em Peugeot 208 Rally4.
… e a demolidora jornada das copas
Também com os 208 Rally4 se faz a Peugeot Rally Cup Ibérica, uma das duas copas que se dividem por ambos os lados da fronteira, recheando a longa lista de inscritos deste “Vodafone”. Vindo do outro lado do Atlântico, o uruguaio Andrés Marieyhara, navegado por Ariday Bonilla, bateu os portugueses Ernesto Cunha / Rui Raimundo e os espanhóis Diego Ruiloba / Andrés Blanco.
Já do lado da Toyota Gazoo Racing Iberian Cup, a vitória teve cores lusas, com Ricardo Costa / Rui Vilaça a impor o seu GR Yaris RZ a semelhante montada de Miguel Campos / Nuno Rodrigues da Silva e à dos espanhóis Germán Gómez / Sérgio Cancela.
Espelho do estado lastimável em que os concorrentes de ambas as copas encontraram os troços, fruto da passagem de todos os carros de quatro rodas motrizes, do WRC e do CPR, e muito em especial após nas segundas rondas pelos três troços que, na sexta-feira, se cumpriam por duas vezes, é o facto de que dos 13 208 Rally4 que iniciaram a prova lusa apenas 7 deles terem chegado ao final desse dia (o único pontuável para a dita, incluindo a super-especial da véspera), enquanto do lado nipónico, dos 6 GR Yaris RZ que começaram o rali na 5ª Feira, só 4 lograram atingir o controlo final, na Exponor, na noite de 6ª Feira.
Finda a parte pontuável para os diferentes escalões de ralis lusos, os concorrentes nacionais que o entenderam continuaram em prova até Domingo, tendo o sempre apetecível ceptro de “Melhor Equipa Portuguesa” sido alcançado pela dupla Armindo Araújo / Luis Ramalho, 14ºs da geral e um lugar à frente de Ricardo Teodósio / José Teixeira. Paulo Caldeira / Ana Gonçalves (33º da geral) foram as terceiras melhores formações nacionais, tendo a navegadora recebido o troféu de “Melhor Co-Piloto Feminina”.
TRRRRRRRRRRRRIMMMMMM!!!!! Vá de acordar, acabou o descanso!!!
E eis que se não quando, ainda o “BBRally #1” luso decorria, já o mundo entrava de novo em alerta máximo, tentando saber quem serão os concorrentes a entrar na casa do “BBRally #2”, um Parque de Assistência a ser montado em Naivasha, no Quénia, a nordeste do lago com o mesmo nome, por sua vez a noroeste de Nairobi, a capital do país africano, incidindo em dois deles em particular. “E qual vai ser o teu próximo rali? O Safari?” – era a nova pergunta colocada aos dois Sébs, claro está! E pronto, o suposto descanso era, afinal, muito efémero!
Prova outrora grande do WRC, com um longo historial – começou em 1953 como Coronation Rally, passando em 1960 a East African Safari Rally, e apenas a Safari Rally Kenya a partir de 1975 – a mais icónica das jornadas africanas do WRC sairia do calendário em 2003, devido a problemas diversos, nomeadamente financeiros, para fazer o seu regresso no ano passado (era para ter sido em 2020, mas a pandemia não deixou).
Seria Sébastien Ogier, num Toyota GR Yaris WRC, o primeiro a reforçar o palmarés do grande rali africano, que tem hoje características substancialmente mais suaves do que as encontradas na sua época áurea, quando os Grupo 4 e os Grupo B desbravavam, até à exaustão, as longas especiais, com centenas de quilómetros, ou até mesmo quando os saudosos Hannu Mikkola e Björn Waldegaard venceram as tais edições de 1987 e 1990, com os seus Toyota Celica GT-Four ST165 e Audi 200 Quattro, ambos de Grupo A.
Já Loeb tem como único resultado um 5º lugar, alcançado há uns muito longos 20 anos, já com um Citroën Xsara WRC, naquela que foi a sua época de estreia entre as equipas de topo do WRC, na que foi a sua única participação na prova, em que apenas chegaram ao fim onze das 48 equipas que iniciaram os então mais de 1.000 km cronometrados de um percurso que tinha especiais com mais de 100 km de extensão.
Desta feita e de modo a descansar os seus fãs, a Toyota Gazoo Racing depressa se apressou, confirmando, na passada 2ª Feira (dia 23), que teria o seu Séb em terras de África, para defender a vitória de há um ano, desta feita com o novo GR Yaris Rally1, ficando, assim, pendente se o Séb da M-Sport Ford também lá iria. As casas das apostas esfregavam as mãos de contentes e os fervorosos de assistir a potencial novo duelo também!
E eis que se não quando, a estrutura de Malcolm Wilson acaba de anunciar que o duelo “Séb vs Séb” vai ser reeditado, tendo confirmado esta manhã que irá ter o seu menino bonito integrado no grupo de quatro Puma Hybrid Rally1 inscritos para o evento que decorrerá de 22 a 26 de Junho. As batalhas terão como palco 13 Especiais tradicionais, com uma SuperEspecial a abrir a contenda e mais 6 troços (o maior dos quais com cerca de 31 km) em dupla ronda, num total de 364 km cronometrados. Isto a não ser que voltem a pendurar as carroças, o que naqueles terrenos não seria nada de surpreendente. Aguardemos!
Ah sim, só mais um detalhe: na eventualidade de Loeb vencer o Safari Rally Kenya 2022, a fasquia do tal registo de “O Mais Velho Vencedor de um Rali do WRC” subirá para uns ainda mais impressionantes (e redondos) 48 anos e 4 meses!
Fotos: Oficiais / M-Sport Ford WRT (WRC, WRC2 e JWRC), Toyota Gazoo Racing WRT (WRC), Toyota Motorsport, Audi Sport, AIFA (WRC2, CPR e Peugeot Rally Cup Ibérica), Armindo Araújo (Facebook), Team Hyundai Portugal (Facebook), Toyota Portugal (Toyota Gazoo Racing Iberian Cup)