WRC 2022: Toyota 1-2-3-4, 12 anos depois!
São relativamente raras as vezes em que uma única equipa consegue fazer uma ocupação total dos lugares do pódio de um rali do WRC, mas ainda mais são os que uma mesma estrutura garante as quatro melhores posições. Voltou a acontecer agora, no Safari Rally Kenya do passado fim-de-semana, com uma quádrupla de Yaris GR Rally1 a terminar à frente de toda a concorrência, num demolidor rali que desconstruiu as pretensões dos seus adversários! A anterior de 12 vezes havia sido já há mais de uma década e a primeira em 1976!
Desde o Rali da Bulgária de 2010, quando a Citroën garantiu os quatro primeiros lugares – com Sébastien Loeb, Dani Sordo, Petter Solberg e Sébastien Ogier aos comandos dos C4 WRC – que uma única marca não conseguia tal fantástico resultado de conjunto, mas o facto é que 12 anos depois a Toyota voltou a fazê-lo, colocando Kalle Rovamperä, Elfyn Evans, Takamoto Katsuta (da segunda equipa) e, o repetente Sébastien Ogier no topo da classificação geral final da que foi / é a mais demolidora das provas da presente temporada.
Tal feito de contarmos com carros de um único construtor a terminar no top-4 apenas aconteceu por 13 vezes na história de 50 anos do WRC, considerando-se não só os resultados da equipa oficial, como das suas estruturas satélites ou equipas locais que inscrevem a marca. A Toyota passa, assim, a somar 3 pokers, menos um do que a Lancia, mas mais um do que a Audi. Os restantes foram garantidos pela Ford, Mercedes-Benz, Datsun e Citroën.
A saga do “1-2-3-4” iniciou-se em 1976, quando o Team Lancia HF elevou os Stratos HF de Björn Waldegaard e Sandro Munari, após memorável duelo, aos semelhantes de Raffaele Pinto e ‘Tony’ Fassina (da satélite Griffone), às quatro primeiras posições do Rallye Sanremo, em Itália. A Ford seria a primeira a repetir a dose quando, na Nova Zelândia 1979, colocou os Escort RS 1800 MKII de Hannu Mikkola, do local Blair Robson, de Ari Vatanen (o verdadeiro piloto oficial) e de Paul Adams, também herói da terra no top-4 final.
Meses depois seria a (impensável) Mercedes-Benz a alcançar idêntico feito, no outrora hiper-destrutivo Rali Costa do Marfim, quando os seus improváveis e imponentes 450 SLC 5.0, todos com o selo oficial da casa alemã, conduzidos por Mikkola, Waldegärd, Andrew Cowan e Vic Preston Jr sobreviveram ao massacre da edição de 1979, em que só chegaram ao fim mais quatro concorrentes. Haveria, depois, que esperar pelo Safari de 1981 para que a coisa se desse de novo, aqui com a japonesa Datsun a mostrar as valências de três modelos distintos: o Violet GT, que com Shekhar Mehta e Rauno Aaltonen asseguraram a vitória e o 2º lugar, o 160J, que Mike Kirkland levou ao 3º posto e o Silvia de Timo Salonen, a completar o póquer.
Seguiu-se o capítulo da tracção integral, naturalmente com a Audi Sport, que elevou o Quattro A1 oficial de Hannu Mikkola à vitória no Rali da Suécia de 1983, batendo Stig Blomqvist (2º, num mais modesto 80 Quattro), a que se seguiram o Quattro A1 do local Lasse Lampi (3º) e, depois, o de Michèle Mouton (4ª), também ela com as cores da equipa. Foi um ano em que a Lancia Martini Racing fez o bis nestas andanças, quando, na Volta à Córsega, viu Markku Alén, Walter Röhrl, Adartico Vudafieri (via Jolly Club) e Attilio Bettega a enaltecerem a excelência dos belos 037 no asfalto corso. A Audi não se ficou e, nessa mesma época, colocando os novos Quattro A2 oficiais de Mikkola, Blomqvist, Mouton e Mehta nas quatro melhores posições do Rali da Argentina.
Mais três anos passam e o Japão estreia-se nestas lides, fruto do domínio do então denominado Toyota Team Europe no Costa do Marfim 1986, com Waldegaard, Lars-Erik Torph, Erwin Weber e o local Robin Ulyate e os seus Celica Twincam Turbo em todos os lugares de destaque, num rali de mais de 3.500 km em que terminaram… 11 carros!
E quem mais do que Lancia para repetir a dose? E por duas vezes em 1988 com os Delta HF Integrale, primeiro no Rali da Acrópole, com Massimo Biasion, Mikael Ericsson, Alessandro Fiorio (Jolly Club) e Markku Alén, e depois no Sanremo, com a sequência Biasion, Fiorio, Dario Cerrato (também piloto da estrutura satélite) e, de novo, Alén.
Passaram mais cinco anos até se ver a TTE/Toyota Castrol Team a retomar o tema, surgindo, de novo, o deslumbrante cenário do Quénia em destaque, palco onde, em 1993, os Celica Turbo 4WD (ST185) de Juha Kankkunen, Markku Alén, Ian Duncan e o seu protegido Yasuhiro Iwase deixaram a concorrência embrulhada no muito pó e na muita lama!
Seguiu-se uma seca de 17 anos, até que os Citroën C4 WRC dominaram, a seu bel-prazer, o Rali da Bulgária 2010, com Séb Loeb e Dani Sordo a darem asas aos seus, sob as cores da Red Bull, juntando-se-lhes a unidade de Petter Solberg e completando-se o lote com o carro do jovem Séb Ogier, a dar os primeiros passos no WRC, então integrado no Junior Team da Citroëm Racing, elevando-os às quatro primeiras posições da geral. E fora essa a última vez, até agora, a este Safari 2022.
Portugal 1990: Cinco Lancia com um tuga à mistura
Se quatro é um parto difícil de alcançar, o que dizer dos cinco Delta HF Integrale 16V que a Lancia elevou até ao top-5 final do 24º Rally de Portugal, então ainda com o selo “Vinho do Porto”? Foi uma safra e pêras, em que ‘Miki’ Biasion terminou à cabeça, batendo Didier Auriol e a Juha Kankkunen, todos da Martini Lancia, seguindo-se Dario Cerrato, sob as cores do Jolly Club, grupo italiano que se completou com a bandeira verde/rubra, já que o nosso Carlos Bica, então navegado por Fernando Prata, com o distintivo Delta vermelho da Duriforte SG Gigante terminou numa brilhante 5ª posição!
Foi esta a única vez que tal aconteceu no já longo historial do cinquentenário WRC, festejado com pompa e circunstância no pretérito Vodafone Rally de Portugal, um dos dois ralis de 2022 em que tal se poderia ter repetido, ainda que o feito fosse por demais improvável. Isto porque a M-Sport/Ford inscreveu no nosso rali nada menos do que 5 unidades dos novos Puma Rally1, algo que também aconteceria, curiosamente, neste Safari. Só que, a coisa não correu bem em ambas as ocasiões para as cores da marca e, como tal, há que esperar por nova oportunidade em que as 5 estrelas de uma mesma equipa se alinhem no firmamento.
Mas haja esperança, pois há ainda mais sete ralis no calendário de 2022, ainda que tal não seja possível no próximo, o Rali da Estónia, onde cada uma das equipas oficiais – Hyundai, M-Sport/Ford e Toyota – apenas inscreve quatro viaturas. A temporada irá, depois, até à Finlândia, Ypres (Bélgica), Acrópole (Grécia), Nova Zelândia, Catalunha (Espanha) e, a fechar, ao Japão, um palco onde a Toyota até poderá querer fazer o bonito, inscrevendo cinco Yaris GR Rally1, já que, correndo em casa, poderão querer festejar em grande os já bastante bem alinhavados títulos de 2022, de pilotos e construtores, séries que, nesta altura, lideram com vantagem já bastante significativa. Mas ainda há muito asfalto, muita terra e alguma lama no alinhamento das estrelas do WRC, pelo que resta acompanhar prova a prova e ver o que o futuro lhes reserva!
Fotos: Oficiais / M-Sport Ford WRT; Toyota Gazoo Racing WRT; Hyundai Motorsport; Audi Sport; Mercedes-Benz; Citroën Racing; WRC