Jourdan Serderidis: A aposta ganha da M-Sport/Ford no Safari 2022
Tornou-se no primeiro piloto privado a conduzir um carro da categoria Rally1, a nova coqueluche do WRC, oportunidade que lhe foi dada pela M-Sport/Ford, entregando-lhe um Puma Rally1 igualzinho aos dos seus habituais mosqueteiros e logo num rali de expectáveis – e depois confirmados – enormes desafios. No final, Jourdan Serderidis alcançou um resultado que muito poucos esperariam, um 7º lugar à geral, sendo o segundo melhor representante da conceituada equipa britânica, a quem a Ford entrega a sua representação no Mundial de Ralis.
Quem diria que, apenas seis meses passados sobre a estreia dos modelos híbridos da nova categoria Rally1, em Monte-Carlo, já os começávamos a ver nas mãos de pilotos privados! Não é uma situação nada comum, aliás, ver as máquinas mais recentes das equipas oficiais a rolar nas mãos de outros que não os pilotos das suas estruturas. A título de exemplo (semi)recente, o primeiro Fiesta WRC ’17 da anterior da categoria WRC apenas chegou às mãos de estranhos nos últimos meses de 2017, o mesmo sucedendo em 2018, ano em que apenas houve uns quantos exemplares cedidos a outros big names dos ralis. Já dos Hyundai i20 Coupé WRC apenas há um fora de casa, algo que nem isso na Toyota, marca que tem os GR Yaris WRC todos guardadinhos a sete chaves!
No recente Safari Rally Kenya vimos um primeiro Rally1 em competição, com outro nome que não um dos habituées, no caso um dos novíssimos Puma Hybrid, tendo ao volante um tal de Jourdan Serderidis, piloto nascido na Bélgica mas que tem ascendência grega, ele que já por várias vezes fora cliente da casa e que cedo demonstrou querer um exemplar para si. E, como estrutura independente, a M-Sport vendeu-lhe um, naturalmente que com o aval da Ford, no caso a unidade que Gus Greensmith conduziu em Monte-Carlo e, depois, em Portugal.
“Como equipa privada, podemos sempre oferecer aos nossos clientes o exacto mesmo pacote que disponibilizamos aos nossos pilotos oficiais. Fizemo-lo quando lançámos o Fiesta WRC em 2017, com o Mads Østberg e com o Lorenzo Bertelli, que tiveram viaturas idênticas às então usadas pelo Sébastien Ogier. Aconteceu agora o mesmo com o Puma que entregámos ao Jourdan no Quénia, uma unidade com as mesmíssimas especificações do carro do Sébastien Loeb”. Quem o confirma é Richard Millener, Diretor de Equipa do M-Sport / Ford World Rally Team, com quem a Garagem esteve à fala, responsável que se mostrou extremamente agradado com a prestação de um novo pupilo de 58 anos que se viu integrado na estrutura de cinco Puma Rally1 levada até à mais dura das provas do WRC 2022. É que Jourdan Serderidis ali alcançou um (mais que) inesperado 7º lugar à geral, sendo, igualmente, o segundo melhor representante da equipa, atrás de Craig Breen e imediatamente à frente de Loeb.
“Considero que o Jourdan fez uma prova brilhante. O Safari é o mais duro rali do calendário e ele conseguiu cumprir todas as especiais, alcançando um resultado realmente muito bom. Viu-se que estava a desfrutar de uma oportunidade única! Adorou o rali e foi fantástico vê-lo a felicitar toda uma equipa que lhe proporcionou um fim-de-semana tão especial. No final até brincou com o facto de ter ficado à frente do Loeb!”, sublinhou Millener.
O Safari como um duro balão de ensaio para outros voos
Naturalmente satisfeito estava, também, Jourdan Serderidis, com quem a Garagem também falou no final da prova. “Bom, para um primeiro rali em terra com este carro, o resultado final foi substancialmente melhor do que o esperado. Sabia que o Puma era fantástico no asfalto, mas não sabia como se comportaria na terra, ou como me poderia comparar aos pilotos profissionais, que já habitualmente o conduzem. No final conseguimos o 7º lugar à geral, no que foi uma sensação inacreditável. E até bati o Loeb”, gracejou.
O Safari serviu de teste real para outros voos que Serderidis e o seu navegador Frédéric Miclotte, também ele belga, pretendem alcançar com o seu novo brinquedo. “Queremos ser competitivos no Rali da Acrópole, rali que não nos correu bem em 2021 com o Fiesta. Sei que preciso de acumular quilómetros, pelo que começámos o ano com o Škoda, numa prova do nacional de terra francês, e depois fizemos a Sardenha, rali em que fiquei satisfeito com a prestação – 2º na categoria Master WRC2 – pelo que agora o Safari serviu como que de um teste em condições reais para o Rali da Acrópole e que… se revelou um desafio e também uma descoberta. Tivemos o apoio de todos os meus colegas de equipa, a quem agradeço terem-nos ajudado a alcançar este fantástico resultado”, partilhou, com indisfarçável orgulho, com a Garagem.
Acrescente-se que a dupla foi, também, a única das cinco formações da equipa oficial da Ford a completar todos os 19 troços da prova africana, já que todos os seus companheiros de equipa a terminaram, de facto, mas sob a égide da famigerada regra “SuperRally”, a tal em que se desiste num dia e se regressa no seguinte, a bem dos interesses comerciais do promotor do campeonato e dos patrocinadores. Um tema com pano para mangas!
Nos ralis aos quase 50 anos devido… a Loeb!
Nascido na Bélgica a 29 de Janeiro de 1964 e com ascendência grega, pelo lado do pai, Jourdan Serderidis é o que se pode considerar um gentleman driver dos ralis – “ao ser uns quantos segundos por quilómetro mais lento do que os pilotos oficiais acho que posso considerar-me como tal, ainda que hajam vários patamares dentro dessa categoria”, brinca – ele que, em termos profissionais tem o cargo de CEO da ARHS Developments, empresa luxemburguesa de software.
As suas participações esporádicas WRC integram-se numa carreira que teve início muito recentemente, há apenas uma década, quando por um acaso do destino – um encontro com o seu agora companheiro de equipa Loeb – se lançou em provas de diferentes categorias de ralis da Bélgica. “Conheci-o, por um acaso, na Suécia, em Fevereiro de 2012, fazendo nascer em mim uma vontade enorme de fazer ralis, disciplina de que não tinha sequer ideia do que era por dentro. Foi apenas e só porque o admirava tanto nessa altura”, partilhou connosco.
Depois de uma estreia em ralis-sprint com um Honda Civic, logo evoluiria para um Fiesta R2 e depois para um Fiesta R5, até alugando, em 2013, em algumas provas, um Fiesta RS WRC, um carro também outrora de fábrica. De 2015 a 2017 apostou nos Citroën DS3 (R5 e WRC), tendo alcançado o WRC Trophy 2017 (aquele que é o seu único título até à data), categoria que a FIA criou nesse ano para pilotos que conduzissem viaturas WRC mais antigas. Foi um one-off, pois decidindo não lhe dar continuidade, Jourdan Serderidis é o único nome que consta no palmarés desse escalão.
Em 2018 apostou num Fabia R5 da Škoda, montada que usaria nas temporadas seguintes, num ano em que também regressou à Ford. Integrado na estrutura oficial do M-Sport World Rally Team, com um Fiesta WRC ’17 (chassis que, em 2017, havia sido usado por Ott Tänak e de Elfyn Evans), alcançaria nos ralis da Alemanha e da Nova Zelândia um 18º e um 10º lugares à geral, aquele que era, antes deste brilhante 7º posto no Safari 2022, o seu melhor resultado no WRC. Em 2021 iria à Acrópole com essa mesma unidade, terminando a prova no 22º lugar final, ficando bem longe dos seus objectivos iniciais.
Já este ano entrou em contacto com a M-Sport para comprar um Puma Rally1, carro que entretanto lhe foi entregue. “Na M-Sport contamos com várias opções. Os clientes podem adquirir uma viatura ou competir num processo ‘arrive and drive’, algo que o Jourdan começou por fazer, decidindo, depois, pela sua compra”, explicou Millener à Garagem.
Para esta estreia a sério, Serderidis apostou nada menos do que no Safari, uma das mais icónicas provas do presente WRC e, decerto, a mais difícil de todas, tendo-lhe sido dada a oportunidade de, não só, voltar a integrar a equipa oficial, com tudo o que isso significa, como contar com um carro igualzinho ao dos seus pares. “Uma coisa de que nos orgulhamos aqui na M-Sport é que se um cliente quiser vir ter connosco e conduzir um dos nossos carros, então terá exactamente o mesmo ‘package’ e experiência que os nossos pilotos oficiais. O Puma Rally1 do Jourdan teve, no Safari, as mesmas especificações e os mesmos recursos que os restantes carros oficiais, o que aconteceria com qualquer piloto que integrasse a nossa equipa numa prova do WRC”, acrescentou Millener.
Antes do Safari, a dupla Serderidis / Miclotte já havia corrido com este Puma em dois ralis belgas, em Março último, preparando-se, agora, para o levar até outros palcos: “Antes de mais o Rali do Luxemburgo, na próxima semana – se autorizarem a participação do carro – e depois a Acrópole, Espanha e, talvez o Japão”, desvendou-nos o piloto.
Para já não se vislumbram mais Rally1 nas mãos de estranhos
Apesar das decerto múltiplas tentativas de aquisição das mais recentes viaturas do WRC por parte de algumas das mais sonantes estruturas privadas de ralis do planeta, não se vislumbram, ainda, quaisquer outros fumos brancos sobre eventuais nomes, sonantes ou não, ao volante dos Puma, GR Yaris ou i20 N Hybrid Rally1. Se no caso da M-Sport, por ser uma estrutura privada, a quem a Ford tem entregue a gestão e implementação do programa do WRC, haverá alguma maior facilidade em comercializar os seus produtos, já do lado da Toyota e da Hyundai parece não haver interesse em ceder os seus segredos a terceiros, continuando ambas a apostar na máxima de que “o segredo é a alma do negócio”.
Esse é, alias, um facto quase absoluto em termos das próprias unidades da anterior categoria WRC, carros oficiais usados nas temporadas de 2020-21, sendo mesmo pouquíssimas as que se encontram cedidas pelas marcas.
As excepções são uns quantos Fiesta WRC ’17 – Barry McKenna conduz um nos EUA e Lorenzo Bertelli outro em Itália – entre as 14 unidades feitas na M-Sport. Dos restantes, “alguns estão no nosso museu, outros em mãos de pilotos privados da Finlândia, Estónia, Irlanda e França”, detalha o responsável pela gestão no terreno da formação oficial da Ford no WRC.
A única outra excepção recente é um Hyundai i20 Coupe WRC ex-oficial, de entre as 18 unidades ainda utilizáveis, de entre os 31 construídos pela marca coreana (três estão KO e há 10 inactivos), e que foi entregue à Hoonigan Racing Division, cabendo a Ken Block conduzi-lo no Nacional de Ralis dos EUA. Já do lado da Toyota, não parece haver um único GR Yaris WRC em actividade (existirão 11, de entre os 20 chassis originais, todos usados apenas e só pela equipa oficial), supondo-se que alguns estejam em museus da marca japonesa ou bem guardados algures, sabendo-se lá para quê, já que nem um aparece nas listas de inscritos dos múltiplos campeonatos nacionais ou regionais do planeta. Pena!
Quanto a novos clientes para o Puma Rally1, a sua aquisição ou aluguer implica que haja um certo orçamento para se fazerem provas soltas do WRC 2022 ou para participar em ralis regionais ou nacionais, sem grandes limitações, com regulamentos que permitam viaturas deste escalão. Em face disso Richard Millener relembra que “para além do Jourdan que está escalado para estar connosco de novo na Acrópole, com o seu Puma Hybrid Rally1, não há, nesta altura, qualquer outro cliente confirmado até ao final da época. Mas claro que se alguém mais quiser fazer ralis com um dos nossos carros é só uma questão de entrar em contacto com a M-Sport!”
Portugueses: calculo que a coisa não esteja fácil, por vezes até para se estruturar uma época num dos mais recentes Rally2, mas vá de juntar uns troquinhos, serem bonzinhos o ano todo e, na carta ao Pai Natal, pedirem uma prenda no sapatinho. Isto para que em 2023 tenhamos pelo menos uma equipa lusa aos comandos de um Rally1, quiçá no Rali de Portugal!
Fotos: Oficiais / M-Sport Ford WRT