F1, F2, F3: Portugal, por onde andas tu?
Longe vão os tempos em que o saudoso Campeonato Nacional de Fórmula Ford gerava, a cada temporada, uma série de valores, nomes que, depois de resultados de relevo nos nossos circuitos, se lançavam em carreiras internacionais, em diferentes disciplinas de monolugares. Quase todos almejavam chegar, um dia, à Fórmula 1, e ainda que muito poucos o tenham conseguido, muitas vezes desfraldaram a bandeira verde-rubra, nos mastros de inúmeros circuitos europeus. Hoje, em pleno 2022, tal é só (quase) possível numa única categoria e através de um único nome.
Se num passado, já algo longínquo, ouvíamos e líamos sobre os feitos alcançados na Fórmula 1 por Pedro Lamy, Pedro Matos Chaves e Tiago Monteiro, sabe-se lá a que custo e empenho pessoal, ou mesmo de outros pilotaços, a grande maioria saída do Nacional de Fórmula Ford, que apenas conseguiram alcançar outras categorias de menor impacto mediático, mas igualmente importantes para as suas carreiras. Falo, por exemplo, de António Simões, Diogo Castro Santos, Pedro Couceiro, Manuel Gião, Frederico Viegas, Gonçalo Gomes, Ricardo Megre, Pedro Leite Faria, Bruno Correia, João Barbosa, Ricardo Megre, André Couto ou mesmo Rosário Sottomayor, a única concorrente feminina da falange dos pequenos monolugares sem asas.
São todos eles – deixo as minhas desculpas a quem não fiz referência ou esqueci o nome – parte de numa infindável lista que teve muitos outros nomes, protagonistas lusos de períodos áureos do motorsport nacional que rechearam as listas de inscritos nas diferentes fórmulas de monolugares além-fronteiras, muitos deles alcançando resultados de relevo. Passadas algumas décadas e numa tendência de indesejável descida a pique, há apenas um que nos pode (e dá) alegrias neste tipo de viaturas! Chama-se António Félix da Costa e milita no Campeonato do Mundo FIA de Fórmula E, série em que até já colecciona um título de Campeão.
É essa única e singular excepção que representa as cores de Portugal num dos principais campeonatos internacionais de monolugares da FIA, a dita excepção que confirma a regra. Português de nascimento, está há oito épocas consecutivas nesse escalão agora de cariz mundial, um campeonato de potentes single-seaters propulsionados por baterias 100% eléctricas e que se compõe de múltiplos E-Prix, desenhados em circuitos maioritariamente urbanos.
Piloto de múltiplos talentos, suportado por um palmarés já invejável, Félix da Costa sagrou-se Campeão da dita em 2020, no ano imediatamente antes da federação internacional elevar o seu estatuto de simples Campeonato FIA a Campeonato do Mundo FIA. Nada que retire valor ao feito, pois o título foi alcançado na marra, mas com cabeça e estratégia bem definidos e conseguidos, num ano particularmente difícil, em que se vivia num planeta a braços com uma mortífera pandemia.
Um português no Mundial de Fórmula E… e pronto!
De entre os pouco mais de 100 nomes que militam nas principais séries internacionais FIA de monolugares – Fórmula 1, Fórmula 2, Fórmula 3 e, claro, Fórmula E – é António Félix da Costa o único que pode, de facto, fazer com que a bandeira de Portugal se faça acompanhar do Hino Nacional nos pódios do planeta, feito que sucedeu bem recentemente, em meados de Julho, na segunda das duas corridas do E-Prix de Nova Iorque, quando ali alcançou a sua 7ª vitória nesta série, a primeira da época de 2022.
É um dos mais experientes pilotos desta modalidade que estreou o conceito de batalhas 100% electrificadas em circuitos, um luso que lá está desde a Temporada 1, então como piloto do Team Auguri. Seguiu-se a formação da Andretti que, entretanto, asseguraria os motores oficiais da BMW, antes de se mudar para a DS TECHEETAH, onde se mantém há mais tempo. Hoje aos comandos do DS E-TENSE FE21, um dos mais competitivos monolugares da denominada “Gen 2” da disciplina, o luso soma, à data, 92 E-Prix disputados, palcos onde conseguiu as tais 7 vitórias, 16 subidas a um dos lugares dos pódios, mais 7 pole-positions e ainda 3 voltas mais rápidas, para um pecúlio acumulado de 552 pontos. É seu, como se refere acima, o ceptro da Temporada 6 do então denominado Campeonato FIA de Fórmula E 2020.
Quanto às suas prestações na presente Temporada 8, que já vai a bem mais de meio, não lhe é impossível, pelo menos matematicamente, alcançar novo título, se bem que tenha que esperar por uma hecatombe entre os cinco nomes que estão, com mais pontos, à sua frente. Com quatro corridas para o epílogo da época, o luso de sorriso aberto soma, à data, uns bem redondos 100 pontos; está distante a uns significativos 55 pontos do actual líder do campeonato, a 39 de um potencial terceiro degrau do pódio e a 44 de um possível ceptro de Vice-Campeão. Tem, também, um gap de 28 pontos do seu colega de equipa, o francês Jean-Éric Vergne, eles que em conjunto colocam a DS TECHEETAH provisoriamente no 2º lugar ex-aequo do Campeonato de Equipas, a apenas 10 pontos da formação que o lidera.
Resta aguardar para ver a sina que os duplos E-Prix de Londres (30 e 31 Julho) e E-Prix de Seul (13 e 14 Agosto) reservam ao piloto que há muito aposta em correr com o número “13”, para muitos uma expressão por excelência do azar. Há que ter em conta que cada vitória vale 25 pontos, um 2º 18 e um 3º 15, que cada pole representa 3 pontinhos extra e a volta mais rápida mais 1. Vá de os conquistar!
102 nomes divididos pelas quatro Fórmulas principais da FIA
Não digo mentira nenhuma ao afirmar que os chamdos big-five – França, Inglaterra, Alemanha, Itália e, também bastantes vezes, Espanha – eram os países que mais nomes deram ao automobilismo internacional de pista. Claro que houve excepções, vindas de outros pontos do planeta, a alcançar vitórias e títulos, mas o volume de nomes que estes cinco países colocavam no mercado de pilotos fazia encolher, significativamente as vagas nas principais equipas das modalidades que se foram alternando, atrás da F1. Hoje são nada menos do que 34 as bandeiras representadas nas quatro principais fórmulas de monolugares da FIA: F1, F2, F3 e Fórmula E.
Começando pela Fórmula E, tirando essa única representação lusa e entre os restantes 21 nomes fixos do plantel, contam-se mais 10 nacionalidades. A maior representatividade é de britânicos, 6 no total, seguindo-se 3 pilotos alemães e 2 da Nova Zelândia, Países Baixos e Suíça, mais 1 dos EUA, Brasil, Bélgica e até de Itália e França, países que, outrora, eram autênticas máquinas de produção de nomes para as categorias maiores do automobilismo de pista.
A coisa não é muito diferente na Fórmula 1, a outra única série com estatuto de Campeonato do Mundo FIA. Aqui correm 22 pilotos, divididos por 11 equipas, havendo 3 britânicos e mais 2 alemães (3 se contarmos com o que só participou em dois GP, no início do ano) e igual número de franceses, de espanhóis e de canadianos. A lista completa-se com 1 piloto da China – o primeiro de sempre neste que é tido como o patamar maior do automobilismo de pista – e mais 1 representante da Finlândia, Japão, Mónaco, Dinamarca, Países Baixos, México, para além de 1 australiano de ascendência italiana e 1 tailandês com antecedentes britânicos.
Já na muito competitiva Fórmula 2, apenas com estatuto de Campeonato FIA, reina o equilíbrio, sendo que nenhum país conta mais de 2 representantes, grupo onde estão a Nova Zelândia, Japão, Austrália, França, Brasil e Alemanha. Há depois 1 representante da Noruega, EUA, Estónia, Dinamarca, Suíça, Espanha, Países Baixos, Reino Unido e Bélgica, vindo os restantes da Índia, de Israel e da Turquia. Infelizmente, nada de portugueses no plantel de 24 nomes!
Também são quase zero os lusos no patamar abaixo da Fórmula 3, escalão com 36 pilotos em liça. EUA e Reino Unido dividem a maior representação, com 5 elementos cada, havendo, depois, 3 italianos e 2 franceses, espanhóis, alemães e finlandeses e também 2 pilotos da Chéquia (nova denominação da República Checa). A restante safra europeia vem da Dinamarca, Mónaco, Suíça, Roménia, Hungria e Rússia, completando-se a representação do continente americano pelos representantes mexicano, brasileiro e argentino, para além de um piloto da ilha de Barbados. Juntam-se-lhes, nestas recheadas grelhas de partida, um israelita, um indiano e um malaio!
Então e o quase? Bom… há, na F3, um piloto cujo nome – Victor Martins – deixaria poucas dúvidas, mas é assumidamente francês de nascimento, tal como a sua mãe, sendo o pai português. Corre, por isso, sob a bandeira gaulesa e é inscrito pela equipa ART Grand Prix. Tem, no seu ainda curto palmarés, o título de Campeão do Mundo CIK-FIA (Karting) de 2016 e os ceptros de Campeão Junior e de Vice-Campeão absoluto de Fórmula 4 francesa de 2017.
Um escalão abaixo e Portugal já se vê, mas muito ao longe!
Ok… desçamos mais um degrau e passemos à Fórmula 4, categoria em que há inúmeras séries com e sem a chancela directa da FIA, todas destinando-se a preencher o gap entre as disciplinas do Karting e da F3. Correm-se por esse planeta, no Brasil, Argentina e México e EUA, nos Emirados Árabes Unidos e na China, bem como aqui bem pertinho, na vizinha Espanha, e também nas bem mais sonoras séries da Alemanha, Itália, França e Inglaterra.
Quanto a portugueses, há que ir bem a fundo para os encontrar, sendo poucos, demasiado poucos, mas todos na esperança de, um dia, atingirem o topo da escada dos monolugares. Manuel Espírito Santo está em liça na F4 Espanha Powered by Abarth, integrado na equipa Campos Racing, sendo um de 40 pilotos. Já alcançou dois pódios (um 2º e um 3º lugares), resultados que, somados aos restantes, o colocam na 10ª posição provisória da série, mas já longe dos que discutem o título de 2022. Já Ivan Domingues, da formação Iron Lynx, corre na F4 Itália, monolugares também com motor da marca do escorpião, sendo quase 50 os pilotos inscritos. Alcançou uma pole logo na primeira corrida, mas depois os resultados não tiveram grande expressão, relegando-o para a 14ª posição, já a anos-luz da cabeça do pelotão. Tem como melhor resultado um 7º lugar numa das 12 corridas já disputadas. Também andou na F4 dos Emirados Árabes Unidos, terminando a época no 16º posto, tendo como melhores resultados dois 3ºs lugares. Voltando a Itália, temos Pedro Perino, piloto de origem moçambicana que, ora corre com licença do seu país, ora com a portuguesa. Integra a US Racing e ainda não há registo de resultados de destaque.
Estranho é o facto de que na F4 Alemanha, uma das séries mais competitivas, com uma excelente lista de 32 nomes oriundos de vários pontos da Europa, muitos deles repetentes ou campeões vindos do karting, não haja qualquer bandeirinha tuga desfraldada nas boxes. Na F4 inglesa cerca de metade do plantel é britânico, o mesmo acontecendo na F4 EUA, com um bom lote de locais e também aqui sem qualquer luso entre os demais, eventualmente só descendentes, fruto de alguns nomes e apelidos mais latinizados.
As restantes séries de F4 têm as listas de inscritos quase integralmente compostas por pilotos da casa, como a Dinamarca, Japão, Brasil e México, aguardando-se o arranque das temporadas de 2022 da F4 China e da F4 Sudoeste Asiático que só começam em Agosto. Ainda não se conhecem nomes, duvidando-se que venhamos a ter portugueses inscritos, sendo que o mesmo deverá acontecer na futura F4 Índia, país que se vai estrear nestas lides em Novembro próximo!
E também népia, nestes, nestum nos regionais, ou na série feminina
Há outra série regional de monolugares que também serve de patamar de potencial acesso à FIA F3, tendo a longa denominação de Formula Regional European Championship by Alpine – certified by FIA. Grande é, também a sua lista de 42 nomes, entre pilotos masculinos e femininos, sem que – acertaram!!! – haja qualquer português. Colômbia, EAU, China e Paraguai são alguns dos países menos comuns, o mesmo acontecendo no semelhante regional da Ásia que integra 37 nomes, de países tão peculiares como Israel, Turquia, Filipinas, Estónia e Hungria. Há ainda 3 outros regionais, de menor expressão, nas Américas (15 pilotos), Japão (12) e Índia (deste não há ainda informação). A conclusão é idêntica: tugas nem vê-los!
Ah, isto sem deixar de parte a inédita W Series, campeonato de monolugares exclusivamente corrido pela vertente feminina e que conta, presentemente, com 18 senhoras: 6 vêm do Reino Unido, 3 são espanholas e 2 neerlandesas, sendo as restantes da Chéquia, Filipinas, EUA, Finlândia, Japão, Brasil e Liechtenstein. Pronto!
Para já, sem que se vislumbrem grandes luzes ao longo de um muito escuro túnel do mundo internacional dos single-seaters, resta-nos continuar a contar e a viver com as prestações do António e que, assim sendo, se mantenha no topo e a dar muitas alegrias a Portugal!
Um pequeno pormenor adicional: também nenhum dos campeonatos ou séries referidas acima nos visitou ou vai visitar em 2022. Fruto da pandemia, apenas conseguimos que a F1 cá viesse por duas vezes no ano passado e há dois anos, mais por necessidade de preenchimento de calendário do que por real vontade dos organizadores internacionais, isto apesar dos pilotos até gostarem do traçado do Algarve. Outros intere$$es falam mais alto, diz-se por aí!
Fotos: Oficiais / FIA (F1, F2, F3 e Formula Regional European Championship by Alpine); Abarth (F4); Alfa Romeo (F1); Pirelli Motorsport (F1); Red Bull Content Pool (F2 e F3); W Series; Arquivo