O peso da leveza: De Mazda MX-5 pela estrada N2
Todas as vezes, sem excepção, que tenho a oportunidade de conduzir um Mazda MX-5, sinto duas grandes dificuldades: por um lado, já tudo foi dito, por mim e por outros, sobre aquele que é um dos últimos automóveis puros disponíveis no mercado, sendo por isso difícil acrescentar algo de novo sobre a descrição da experiência de condução; por outro, depois de alguns dias ao seu lado, é com um sentimento de sofrimento e imediata saudade que sou obrigado a devolvê-lo.
Não vou, por essa primeira razão, “perder-me” demasiado em prolongadas descrições sobre o seu irrepreensível e envolvente comportamento ou sobre o seu rouco e espevitado motor atmosférico com “apenas” 132 cavalos. Por isso, para este regresso ao incomparável roadster da Mazda, decidi fazer algo ligeiramente diferente e, admito, até um pouco egoísta: usei-o como se fosse meu. Desfrutei, com a responsabilidade inerente à utilização de um automóvel que infelizmente não está em meu nome, mas sem me preocupar demasiado em perceber os como e os porquês das suas capacidades. Não. Desta vez não.
Desta vez lancei-me à estrada, à “nossa” mítica Nacional 2 que tantos entusiastas das duas e quatro rodas ou das longas viagens atrai para si. Apenas lhe pude dedicar um dia e por isso, como seria de esperar, muito ficou por ver e por absorver, mais ainda considerando que o objectivo do dia era comparecer no Caramulo Motorfestival. Mas a bordo do MX-5, ligar Abrantes à zona Góis, sempre que me foi possível, não perdendo a N2 de vista, foi garantia de momentos de condução absolutamente inesquecíveis. E mesmo quando dei por mim noutras estradas regionais ou municipais, nunca me senti desiludido. Nem a paisagem e as estradas do centro de Portugal o permitiriam e muito menos o “meu” fiel Mazda.
Cedo na estrada
Arranquei de Lisboa bem cedo, pelas 5h30. O plano e o trajecto escolhido assim o exigiram, mas verdade seja dita, custou-me adormecer na noite anterior, não me custou nada sair da cama para me fazer à estrada. Baterias carregadas, água, farnel e demais indispensáveis na mochila, lancei-me na escuridão. Primeiros quilómetros feitos, e ainda em plena Segunda Circular, limitado pelas “máquinas fotográficas” espalhadas nas suas bermas, vem-me à cabeça uma imagem aérea do MX-5 com as suas frias e fortes luzes LED a abrirem o caminho por entre a cidade ainda adormecida, àquela hora, toda minha. Começava assim um dia memorável.
Quis evitar ao máximo as autoestradas, mas reconheço a sua utilidade quando o objectivo é chegar no menor tempo possível a um determinado sítio. E neste caso, esse sítio era deixar Lisboa para trás e apontar os pronunciados guarda-lamas dianteiros do MX-5 às curvas de que tanto gosta. Abandonei a A1 em Santarém e deslizei por cima do Tejo com a ideia de “apanhar” a velha conhecida N118 em Almeirim, seguindo depois para a Chamusca. Porém, aceitando uma sugestão do meu navegador electrónico, “cortei” à esquerda pelo meio das lezírias e aí sim, não resisti a duas tentações: a de começar a aumentar o andamento porque o ambiente praticamente deserto assim o permitia, bem como a rapidamente parar para fazer as primeiras fotografias da máquina com um céu laranja absolutamente maravilhoso a Este.
Chamusca, Castelo de Almourol, Constância, Santa Margarida e Tramagal ultrapassados, mantive o MX-5 a bom ritmo, ultrapassando alguns camiões e outros condutores menos entusiasmados para depressa chegar às curvas que antecedem a entrada em Abrantes. Se até aqui pouco explorei a dinâmica MX-5, não resisti a estragar a excelente média que vinha a fazer, atrasando as primeiras travagens e antecipando as saídas das curvas, mantendo o motor na zona onde mais confortável se sente, mais lá “em cima”, forçado pelas relações mais baixas da estupenda caixa de 6 velocidades, serpenteando pelas curvas com a habitual suavidade e quase viciante indiferença com que finta a física.
A Norte do Tejo
Já em Abrantes, e agora, uma vez mais, a ritmo calmo, voltei a passar por cima do Tejo, regressando à margem Norte e encaixando-me, finalmente, na desejada N2. Por ali me mantive, o mais que pude, tentando encontrar os enormes marcos amarelos que identificam a rota turística por muitos procurada. Sardoal primeiro, Vila de Rei depois e algures na aproximação da Sertã, já não sei bem onde, o plano N2 começou a perder força pois dei por mim – não perguntem como – em estradas, felizmente alcatroadas, onde, para além do MX-5, a única máquina que vi servia, provavelmente, para puxar água de um poço.
Foi por esta altura que ponderei voltar para trás, fazendo a primeira inversão de marcha do dia e tentando trocar uma estrada que no Google Maps só aparece depois de 10 voltas completas da “rodinha” do rato por uma outra em que nas bermas se identificasse algum sinal de civilização. Sem paciência para consultar o meu mapa digital, e como o dia era de aventura na estrada, fosse ela qual fosse, decidi prosseguir, aproveitando a oportunidade para novamente fotografar o MX-5, agora com bastante mais luz do que à saída de Santarém. Venci a aposta feita, não só seguindo viagem por estradas interiores completamente desertas e, até à passagem do “zangado” MX-5, silenciosas, como pouco tempo depois dei por mim de regresso à N2.
Seguiu-se Pedrógão, primeiro Pequeno e depois Grande após ultrapassada a Barragem do Cabril. Parei para um duplo abastecimento, gasolina para um, cafeína para o outro, cinco minutos que desejava ainda mais rápidos, pois queria regressar à estrada e atacar a última fase do percurso de ida na Nacional 2, a qual me levaria até à zona de Góis. Assim o fiz, com novos percalços pelo caminho, com novas incursões por estradas municipais, imprevistos que, uma vez mais, não lamento. Paisagem e estradas novas são sempre bem-vindas e quase sempre, quanto menos movimentadas, melhor se tornam quando a máquina que nos leva é tão especial quanto esta.
Aquela caixa…
Depois de Góis, e depois, também, de voltar a sair da N2, desta vez, propositadamente, defini como destino Arganil. Neste troço devo ter feito umas 1500 passagens de caixa e teria feito outras tantas, pois o traçado não só assim o exigia como o MX-5 continuava constantemente a convidar a subir o ritmo. Apesar do sol já ir alto, eram inúmeras as zonas onde este ainda não tinha eliminado a humidade que se acumulou durante a noite, obrigando-me a conter um pouco as emoções e a redobrar a atenção para evitar sustos e despesas maiores. Porém, não resisti, duas ou três vezes, a desligar as ajudas a tentar provocar um pouco a traseira. Apenas um pouco, até ao limite, baixo, onde o talento se acaba e a sorte começa.
Dali até Santa Comba Dão, onde finalmente entrei no IP3 para chegar mais depressa ao Caramulo, o MX-5 voltou a ser brilhante. O peso certo de todos os comandos, direcção, pedais e caixa, combinam-se com o som do motor para a mais envolvente experiência de condução possível neste patamar de preço. Que não fiquem dúvidas, o Mazda MX-5 é, cada vez, uma proposta única no mercado. Um automóvel de sensações que convida a mais quanto mais por ele puxamos. Não nos impressiona com acelerações fulminantes, mas flui, sem artificialidades, sem esforço, de uma forma apaixonante e natural.
Sendo leve, o MX-5 não precisa de um grande motor. Pelo menos em tamanho. Porque este pequeno 1.5 litros é grande na sua entrega, dando tudo o que tem à experiência. Gosta de fazer rotação. Gosta de se fazer ouvir e não tem um apetite voraz por gasolina. Fiz mais de 1000 quilómetros e fiz, uma vez mais, uma média inferior a 7 lt/100 km. Um automóvel assim, actualmente, não tem preço. Não precisa de ter uma suspensão rija, não tem pneus com um perfil exageradamente baixo e dispensa travões grandes e poderosos. O que tem, tem-no na dose certa. É tão bom que dá a ideia que se tivesse um pouco mais, seja lá do que for, estragar-se-ia o notável equilíbrio que constantemente revela em tudo o que lhe pedimos.
Para “baixo”, capota para baixo
Para o regresso, optei novamente pelo IP3, aquele caminho já “clássico” – como os muitos que vi no Caramulo Motorfestival – e que me deixou às portas de Penacova. Dali até casa, não fiz nem mais um quilómetro em autoestrada até ao meu destino final, nos arredores de Lisboa. Apontei o MX-5 ao mar e virei para sul antes de cair à água. Recolhi a capota e fiz toda a costa oeste com um absolutamente estrondoso e colorido céu disponível logo acima. A temperatura continuava a descer, mas a capota nunca subiu. Nunca senti frio. Nunca estive suficientemente desligado da condução para disso me aperceber.
Ao contrário de muitos outros automóveis, o Mazda MX-5 não encurta distâncias. É rápido a aproximar pontos de partida e destinos, mas é irresistível a prolongar viagens, ao desviar-nos para o caminho mais longo, mais sinuoso e mais cansativo. O melhor. Mas a bordo do MX-5, o que é cansaço? Demorei mais de 12 horas para percorrer pouco mais de 700 quilómetros e não cheguei cansado. Cheguei recompensado. É verdade que não percorri assim tanto da N2 como à partida queria, mas não estou nada arrependido do trajecto que fiz e muito menos arrependido estou do automóvel que escolhi para o fazer.