ACP Clássicos 2022: A minha primeira experiência numa prova de regularidade
Há umas semanas recebi uma chamada de um bom amigo e ex-colega de trabalho deste maravilhoso mundo dos automóveis. Depois da conversa posta em dia, lançou-me um desafio: “Olha lá, o que me dizes de fazermos um rali de regularidade? Tenho o 240Z na garagem e tenho de lhe dar uso!” A minha primeira reacção foi um misto de entusiasmo com pânico, admito. Fiquei muito agradecido pelo convite, ansioso pela oportunidade, mas também algo nervoso pelo facto de ser a primeira vez em que me lançaria em algo deste género.
Sei que a ideia era, acima de tudo, participar e desfrutar da experiência e que o objectivo não seria ganhar convidando um navegador com zero experiência. Algo que seria, também, altamente improvável. Mas a verdade é que até este dia pouco ou nada sabia deste mundo das provas de regularidade, pois a minha experiência resumia-se a estar nuns quantos parques de estacionamento e outras tantas bermas de estrada para ver uns clássicos arrancar ou passar para provas deste género. Ansioso e algo nervoso, mas o sim de confirmação da minha presença foi imediato.
A preparação foi, digamos, a possível. Estudámos um curso disponibilizado no site do ACP Clássicos e falámos com um participante regular e experiente que rapidamente nos aconselhou a não criar grandes expectativas, pois há todo um difícil processo de aprendizagem que de imediato nos afastaria de uma boa classificação final. Mais do que nos preocuparmos em ter um bom resultado à chegada, de tentar respeitar ao máximo os tempos estabelecidos para cada prova especial de classificação, o melhor seria focarmo-nos no road book, mantendo o longo capot do Datsun sempre apontado para o caminho definido pela organização.
Os treinos
Tomando como base o road book e a respectiva carta de controlo da edição do ano passado, lançámo-nos a um primeiro teste, não de Datsun 240Z, mas a bordo de um Peugeot 208 com luxos como o ar condicionado e, imagine-se, um muito útil velocímetro digital. Sim, porque a bordo do 240Z não teríamos esse conforto, nem tão pouco essa “batota” tecnológica ou, até, os habituais equipamentos de medição de distância e velocidade que os mais experientes e sérios concorrentes usam e que tão boa ajuda dão a cumprir as médias estabelecidas para cada troço. Os erros foram inevitáveis. “Acho que é por aqui. Vira à direita!” O ágil 208 guinou rapidamente, mas com a mesma rapidez se imobilizou junto a um portão de uma habitação. Se estivéssemos em prova, a penalização não teria sido pequena.
Parece fácil, mas cumprir uma média de 50 ou até mesmo 40 km/h numa estrada, por vezes, pouco mais larga que o carro, por vezes, também, sem quaisquer referências visuais, com apertados ganchos pela frente e com tecnologia mecânica, no nosso caso, com pelo menos 50 anos, não o é, de todo. Mas agora que tínhamos uma real noção do desafio a que nos propusemos, a pressão e ansiedade iniciais, de certa forma, reduziram-se. Foi um treino muito útil que nos deixou bem mais à vontade, ainda que, no dia da prova, tudo pudesse acontecer. E aconteceu…
O dia de prova
Chegámos cedo ao parque de estacionamento do Convento de Mafra, o ponto de partida do Rally ACP Clássicos 2022. O Datsun 240Z do meu amigo José Ribeiro, ao qual foi atribuído o número 37, rapidamente começou a captar as atenções das dezenas de participantes que continuavam a chegar, bem como dos muitos entusiastas dos clássicos que por ali se começavam a acumular. Demos o obrigatório passeio pelo parque, para apreciar os belíssimos clássicos antes destes entrarem em prova, mas aproximava-se a hora de arranque, no nosso caso, as 10:17:30.
Previamente, com base em tabelas que indicam o tempo necessário para percorrer determinadas distâncias às várias velocidades médias que teríamos de cumprir, 36, 40 e 50 km/h – por vezes mudando a velocidade média a cumprir dentro de uma mesma prova especial de classificação – calculei quanto tempo deveríamos demorar a percorrer cada segmento indicado no road book. Mas como não sabia qual a hora de partida para cada uma das nove classificativas que nos esperavam, o “trabalho de casa” possível estava feito. Se algo mais havia a fazer, a minha assumida “nabice” não mo deixou ver.
Ainda o relógio oficial da prova não marcava 10:00 e já eu ocupava o meu lugar de navegador a bordo daquele que é, muito provavelmente, o meu clássico japonês de eleição. Sou, também por isso, um sortudo por ter tido esta oportunidade. Voltei a olhar para o road book, mas sem a carta de controlo, documento que só nos seria entregue à hora marcada para a partida, pouco podia fazer a não ser tentar relaxar. A hora aproximava-se e o Datsun ocupava já o seu lugar na partida, entre dois Volkswagen “Carocha”. O relógio marcava exactamente 10:17:30 quando o Datsun passou debaixo do insuflável, logo após um dos elementos da organização me ter entregue a carta de controlo pela janela.
“É fazer as contas”
Tínhamos pouco tempo para chegar ao local de partida da primeira PEC, mas até lá, consegui fazer mentalmente as contas necessárias para saber a que horas deveríamos “controlar” – ou não, pois os pontos de controlo não estão identificados e podem estar em qualquer local ao longo do percurso – em cada ponto de passagem indicado no nosso road book. Mas só o fiz para as primeiras três ou quatro provas especiais de classificação. As restantes contas de horas, minutos e segundos teriam de ficar para mais tarde, para um dos mais extensos percursos de ligação entre duas PEC.
Com o cronómetro numa mão e o road book na outra, e com a ajuda de um smartphone colado no vidro da frente a indicar-nos as horas e a velocidade instantânea, arrancámos para a primeira PEC e rapidamente todo o nervosismo ficou para trás. Não havia, agora, tempo para isso. À hora definida, o José puxou pelos seis cilindros do 240Z e colocou-o, o melhor que pode, estável à velocidade média que tínhamos como objectivo. Fui “cantando”, sem a classe de um Grist ou um Moya, as “notas” dos segundos que nos restavam até aos respectivos pontos de passagem identificados no road book, bem como todas as mudanças de direcção em que não podíamos errar.
Com mais ou menos noção dos erros que íamos a fazer, por vezes ligeiramente atrasados, por vezes um pouco antes do tempo, estávamos, sem dúvida alguma, a cumprir os objectivos do dia. Não tínhamos cometido qualquer erro de percurso, o José estava a domar com enorme destreza a direcção “assistida a braços” do Datsun e eu estava, o melhor que podia, a dar-lhe a informação possível para o ajudar a chegar ao final da quarta classificativa. E chegámos, mas foi precisamente aí que o plano saiu furado, literalmente.
Em Ribafria, macaco fora
Poucos metros depois da placa que identificava o fim da classificativa número quatro, Ribafria, sentimos uma pancada forte debaixo do Datsun, acompanhada de um estrondo que de simpático pouco teve, som que se manteve durante alguns segundos, como se tivéssemos a arrastar algo debaixo do carro. Não durou mais de cinco segundos e o José garantiu-me que tudo estava bem com a nossa máquina. Mas poucos metros depois tivemos a confirmação. O Datsun não estava igual. No meio de tanta concentração e controlo de tempos e distâncias, não vimos algo que estava numa berma, um arame ou algo suficientemente forte para se prender na roda, tendo não só furado o Michelin traseiro, do lado direito, como riscado um pouco da belíssima pintura do Datsun. “Acabou-se”, comentámos, tristes.
A prova da nossa inexperiência surgiu de seguida, ao irmos buscar a roda suplente à bagageira do “Z” e nos depararmos com um pneu vazio. Os restantes participantes iam passando e acenavam, com simpatia, para a dupla do 240Z, ao sol, na berma. Mas no meio de tanto azar, acabámos por ter sorte. “Furámos” em frente à única casa existente naquela estrada. No barracão ao lado, máquinas agrícolas, carros abandonados e, esperávamos nós, um compressor para abastecer o velhinho pneu com ar novo. O José correu para lá, confirmou a nossa sorte e eu comecei a tirar a roda danificada. Quando passou o carro vassoura – com uma equipa de mecânicos de assistência – que fechava o pelotão, já o Datsun estava pronto. Pressão reposta, aumentou, também, a nossa. Isto porque jamais conseguiríamos chegar a horas ao local de partida para a classificativa que nos levaria à Serra do Montejunto.
Sem qualquer regularidade
Contactada a organização, e depois de nos dizerem que embora fossemos receber uma grande penalização, ficámos a saber que podíamos continuar em prova e realizar as últimas quatro classificativas, Emergeira, Serra do Socorro, Sobral da Abelheira e Gradil. Colocámos o ponto de partida da PEC 6 como destino na navegação e lá fomos nós tentar diminuir o “estrago”. Aquela improvisada ligação, entre o final da PEC 4 – Ribafria e o início da PEC 6 – Emergeira, teve pouco de regularidade. A hora de chegada prevista colocava-nos à partida da PEC com cinco minutos de atraso e o José assumiu o compromisso de subir o ritmo para o tentar compensar.
Mantive-me atento ao percurso e o piloto de serviço, sempre tratando a máquina com o respeito que os 50 anos de vida exigem, colocou à prova as suas capacidades. Os carburadores SU estavam a trabalhar como ainda não o tinham feito naquele dia e os travões começaram a sentir, no sentido literal, a pressão, largando o habitual odor quando levam com um “tratamento” mais sério. Sem quaisquer queixas da mecânica, excepto o ligeiro desequilíbrio da travagem que já trazíamos de casa, o “Z” reencontrou o pelotão de clássicos e retomou a prova ao encaixar-se atrás do Carocha número 36. Festejámos, e muito, mas dez segundos depois já eu estava em contagem decrescente para o José puxar novamente “uma primeira” e colocar o Datsun outra vez em movimento.
Seguiu-se a exigente PEC da Serra do Socorro, onde os clássicos com menor “pulmão” sofreram para a subir a uma velocidade estável, principalmente nos apertados ganchos onde o Datsun até deixou alguma borracha da roda interior à curva no alcatrão. A descida foi tão ou mais exigente do que a subida, com os travões do Datsun a sofrerem novamente com o calor. Completámos as PEC 8 e 9 e sensivelmente quatro horas – e um furo – depois, estávamos de regresso a Mafra para o tão aguardado almoço. Estacionámos o incansável e cinquentenário Datsun e celebrámos a nossa chegada ao final da prova, apesar dos percalços de uma estreia inesquecível.
O resultado que pouco importou
Durante o almoço, começámos a receber as classificações das PEC na caixa de email. Para nossa surpresa, conseguimos a nossa melhor classificação na PEC 6, aquela para a qual tanto nos esforçámos por não penalizar logo à partida. Conseguimos um muito respeitável 22º lugar entre os cerca de 80 participantes. Conseguimos, inclusivamente, controlar no tempo ideal em alguns pontos intermédios. Obviamente que a penalização dada pela não comparência no Montejunto afastou quaisquer hipóteses de uma melhor classificação final, mas o 64º lugar final entre 83 participantes à partida não nos soube a pouco.
Para além da inexperiência assumida desta vossa dupla, são muitas as variáveis em jogo numa prova como esta. Com um pouco mais de “sorte”, teríamos ficado mais para o meio da tabela, é certo. Ainda assim, no fim deste cansativo, mas recompensador dia, isso pouco importa. O Datsun foi perfeito, o piloto esteve mais do que à altura e o navegador, regularmente irregular a dar indicações, fez tudo o que podia – e que não sabia – para desfrutar de um dia memorável entre pessoas que, mais do que fãs de provas de regularidade, são fãs de automóveis clássicos, o maior património que temos da máquina que mais apreciamos.
Fotos: Garagem e ACP Clássicos