Citroën BX – 40 anos de um estilo inconfundível
Um dos primeiros automóveis de que me lembro de gostar, mas de gostar muito, é o Citroën BX. Visto por um miúdo de 5 ou 6 anos, um automóvel com umas linhas tão diferentes e capaz de “subir e descer” como que por magia, causou em mim uma impressão tão forte que esta não se apagou mesmo 30 anos depois.
Lembro-me perfeitamente do BX cinzento que por vezes aparecia na minha praceta, bem como é impossível esquecer-me de uma manhã em que dele me aproximei para ver o seu interior, tentando ver se aquilo que me agradava por fora se prolongava lá dentro. Não me recordo dessas minhas impressões, mas o inesquecível e ensurdecedor som do seu alarme foi perdendo intensidade à medida que corri para o esconderijo mais próximo, que é como quem diz, a minha casa.
Nessa altura já a sigla BX contava com quase uma década de vida e já as linhas da sua carroçaria, bem como o seu habitáculo tinham passado por uma actualização, implementada em 1987. É, por isso, necessário recuar no tempo para iniciarmos esta pequena viagem pela história de um dos mais emblemáticos automóveis da década de 1980 e, também, um dos meus preferidos.
O primeiro Citroën da era PSA
O BX foi o primeiro automóvel projectado após a absorção da Citroën pela Peugeot e por isso, sob o domínio do leão, marca com um posicionamento bem mais conservador, a Citroën viu-se obrigada a conter a sua personalidade extrovertida, apostando numa abordagem estética by Bertone, com linhas assinadas por Marcello Gandini – “Pai” do Miura, do Countach e do Stratos – um design suficientemente irreverente, mas que se queria pouco chocante para o público.
Digamos que se o BX tocasse numa banda, teria permissão para dar algum espectáculo com um belo solo de guitarra, mas sem cair no exagero, sem convidar a malta a ir buscar outra cerveja antes do intervalo. Fazendo a analogia ao “mundo da bola”, o novo Citroën tinha margem para assumir uma atitude ofensiva em campo, com algumas fintas visualmente vistosas, mas tinha, obrigatoriamente, de jogar em equipa, ou perderia a bola antes de chegar à baliza. Vou parar com as analogias. Já se percebeu a ideia.
A própria Citroën assumiu, logo à partida, esse objectivo de criar um automóvel inovador, com a sua própria identidade, mas respeitando as orientações de quem mandava, declarando na documentação oficial divulgada aquando do lançamento que o BX, o primeiro de uma nova geração, era “um novo automóvel com uma gama actual que vai ao encontro dos requisitos da sociedade moderna com uma abordagem original”.
Também o habitáculo, em especial o tablier, sublinhava o arrojo da abordagem da Citroën e do seu novo BX ao conceito de um moderno automóvel, destacando-se elementos como os comandos satélites de ambos os lados do volante monobraço e um conta-rotações retroiluminado. Tudo o que se podia esperar, mas de uma forma não esperada, digamos.
Lançado na e da Torre Eiffel
O BX foi apresentado com pompa e circunstância em Paris, sob a Torre Eiffel, ao cair da noite do dia 23 de Setembro de 1982. Naquela que deve ter sido uma revelação absolutamente memorável na Cidade Luz, uma grande multidão aguardou enquanto uma grande caixa de madeira com a inscrição “Voilà la nouvelle Citroën” (“Eis o novo Citroën”) deslizou do primeiro andar da torre até chão, uma primeira viagem do novo BX que foi devidamente acompanhada por um elaborado espectáculo de luz, som e fogo de artificio, com a icónica torre de Gustave Eiffel decorada com os míticos double chevrons da marca francesa. Uma semana depois, o BX entrava oficialmente em comercialização com a abertura de portas do 69° Salão Automóvel de Paris na Porte de Versailles.
Do XB ao BX
O projecto do BX teve início em 1978 com o nome de código “XB”. O plano de especificação de produto, finalizado em 1979, indicava que o novo Citroën deveria ser reconhecido com um “veículo moderno e fora do convencional, com ênfase na inovação”. Baseando-me apenas nesta frase, e independentemente do BX ter vindo a ser um autêntico sucesso de vendas, tenho de reconhecer que esse primeiro objectivo foi, logo de início, mais do que atingido.
O XB evoluiu e transformou-se no BX que todos conhecemos graças também a um forte investimento do centro técnico de Vélizy em tecnologia CAD – Computer Aided Design – equipamentos que permitiram acelerar a sua concepção e a optimização das performances, atingindo-se, por exemplo, um coeficiente aerodinâmico de 0,34.
Ficou igualmente definido que o BX seria um automóvel de tracção dianteira e com motor longitudinal, cuja construção teria no peso reduzido uma prioridade, a fim de assegurar uma boa capacidade de aceleração e baixos consumos de combustível. O BX pode até não ter inovado tanto quanto o seu antecessor, o GS, mas estreou uma nova plataforma e apostou, em força, nessa “obrigatória” construção leve, combinando elementos em aço galvanizado com outros construídos em materiais compósitos, como o capot, pára-choques, coberturas do pilar C e a tampa da bagageira.
A versão mais leve do BX, e recordemos o segmento em que este se inseria, pesava menos de 900 kg, algo impensável nos dias que correm. E esse levezinho era na verdade o BX11, uma versão com motor 1.1 litros destinada a mercados cujos impostos taxavam a cilindrada – como o nosso – sendo proposto em países, para além de Portugal, como a Irlanda, a Itália e a Grécia. As versões mais recheadas e potentes, obviamente mais pesadas, ficavam ainda aquém do peso declarado pelos modelos de marcas concorrentes.
A inovadora suspensão hidropneumática da Citroën era outro dos seus grandes destaques e visava combinar um elevadíssimo nível de conforto com um comportamento dinâmico seguro, a tal “magia” que me encantava enquanto criança já “doente” por automóveis.
Os motores
E sim, tal como a Citroën o assumiu na sua comunicação, o BX soube responder às tais necessidades e requisitos da sociedade moderna com uma oferta que se iniciou, em 1982, com três motores a gasolina, dois 1.4 litros, com 62 e 72 cavalos, bem como com um 1.6 litros com 90 cavalos. Níveis de equipamento eram também três: o base, disponível no “simplesmente BX” com o motor menos potente e no 14E de 72 cavalos; o intermédio, associado ao 14 RE e ao 16 RS, este último já com o motor de maior cilindrada; o topo de gama, exclusivamente associado ao 16 TRS.
Em 1985 surge uma nova carroçaria, o BX Evasion, uma “carrinha” com 17 centímetros a mais de comprimento do que a berlina. Na gama não faltou, igualmente, a versão comercial Entreprise. Já o restyling chegou, como referido acima, em 1987, com uma suavização das linhas exteriores e um tablier integralmente redesenhado. Quanto a equipamento, eram destaque elementos como o teto de abrir, o ar condicionado, a instrumentação digital, os estofos em veludo, as jantes de liga leve, o relógio digital e o computador de bordo.
Os motores sofreram, também, a obrigatória evolução, dispondo de injecção electrónica, catalisadores e sonda lambda para controlo de emissões. O BX mais potente dispunha de 160 cavalos de potência. As possibilidades eram muitas: motor Diesel, caixa automática, tracção integral permanente e travões com ABS. O BX serviu ainda de base à entrada da Citroën no Grupo B dos ralis através da versão de estrada de homologação do BX 4 TC, um BX especial, com produção limitada a 200 unidades e com motor 2.1 Turbo com 200 cavalos. À boa moda do antigamente, também a gama BX foi inundada de versões especiais: Tonic, Image, Calanque, Leader e Digit, esta última famosa pela instrumentação digital.
A Citroën apontou o novo BX, com os seus 4,23 metros de comprimento, ao segmento médio-alto, fatia de mercado que representou, na Europa, em 1981, 24,5% das vendas, num total de 2.345.000 automóveis. Foi nessa franja do mercado que o BX jogou as suas cartas e apresentou os seus argumentos, apelando a um tipo de cliente diferente que a Citroën esperava ir conquistar a outras marcas com 60% dos seus BX.
Foi produzido nas fábricas de Rennes La Janais, na Bretanha, e de Vigo, em Espanha, num total de 2.337.016 vezes. Após 12 anos de mercado, o último BX foi produzido em Junho de 1994 e é, sem dúvida alguma, um dos modelos mais importantes da marca, contribuindo para o seu renascimento na década de 1980, abrindo as portas a uma nova fase do double chevron que se prolonga até à actualidade e representando, da forma mais pura e fiel, os valores da Citroën como muitos outros não conseguiram. Aos olhos daquele fascinado miúdo que rapidamente se aproxima, também, dos 40 anos de idade, o BX continua tão relevante e interessante como há 30 anos quando o alarme tocou.
Fotografias: Citroën