Rally de Portugal Histórico 2022: Outra vez Porsche!
Hoje com 16 edições, a última há dias, o Rally de Portugal Histórico é um evento que, à semelhança do seu equivalente do WRC, tem solidificado a sua reputação internacional, honrando a história e o legado do que outrora foi, por cinco vezes, considerado como “O Melhor Rali do Mundo” pela FIA. Este ano somou 70 participantes, conjugando o habitual lote, bem significativo, de equipas francesas, a representantes de oito outros países, Portugal incluído, com 11 duplas. Entre habitués da nossa prova e rookies, viaturas repetidas e outras novas, alguns (condutores) e algumas (viaturas) com uns valentes aninhos em cima, todos mostraram que ainda estão para as curvas, num rali exigente, com um factor que se manteve face a anteriores edições: a vasta presença de exemplares Porsche, marca alemã que, no final do rali, se viu sublimada por um top-5 integral.
Parece sina, mas das boas! A Porsche encontrou no nosso Rally de Portugal Histórico um feudo que hoje teima em querer largar, vencendo pela 11ª vez, em 16 edições, uma das nossas provas maiores entre as jornadas de regularidade histórica. Nos Parques Fechados, nomeadamente nos iniciais, quando o plantel ainda intacto ficava todo reunido, saltavam à vista os múltiplos exemplares da Porsche, perfilando-se nada menos do que 18 unidades do mítico 911, maioritariamente SC de diferentes épocas, a que se juntavam oito outras propostas: dois 914/6, um 924, três 944 e dois 928.
Os construtores que mais se lhes aproximavam, embora longe, foram a BMW e a Ford, com 7 exemplares cada, distribuindo-se assim os restantes: Lancia (5), Opel e Volkswagen (4), Renault (3), Alfa Romeo, Mazda, Mitsubishi, Peugeot e Volvo (2), numa lista rematada com um exemplar das marcas Austin Healey, Autobianchi, Jaguar, Mercedes e Saab. Juntos compreendiam mais de três décadas de engenharia e de história do automóvel, aqui associada à vertente dos ralis, exemplares que iam de um surpreendente Austin Healey de 1957 a um improvável Mazda 626 Coupé de 1989.
Realizada na semana passada (4 a 8 Outubro), em estradas da região Centro e Norte, esta 16ª edição teve 43 Especiais de Regularidade, 631,35 km em pisos de terra e/ou asfalto, integrados num percurso total de 2.060,24 km. Foram quatro as Etapas, para um total de dez Secções, que levaram os concorrentes do Estoril à Figueira da Foz e dali a Viseu, seguindo-se uma etapa de ida e volta ao mesmo local, antes do regresso a sul da caravana, para terminar o rali na madrugada do último dia de novo nos jardins do Casino Estoril, o que fora o ponto de partida para o conjunto de PRAs (39) e PRSs (4) – para mais detalhes sobre estas nomenclaturas convidamo-lo/a a (re)ler a peça “Rally de Portugal: Histórico vs Tradicional”.
Penalizações somadas, contas feitas e confirmadas pelos mais avançados suportes tecnológicos para esta vertente da Regularidade Histórica, resultaram na entrega dos troféus da vitória ao belga Yves Deflandre e à sua navegadora Jennifer Hugo, no seu cinquentenário Porsche 911 (1972), eles que acumularam 290,5 pontos de penalização, apenas menos 5,3 pontos do que o pecúlio dos franceses Christophe Bertelloot / Gengoux Baptiste, em 911 SC semelhante, mas com menos 10 anos (de 1982). Já os lusos Piero Dal Maso / Sancho Ramalho, num 911 2.2 S (1970) ainda mais vetusto, mas robusto e preparado o suficiente para aguentar uma tareia desta natureza, ficaram na 3ª posição, a uns mais longínquos 196,4 pontos dos vencedores.
Acrescente-se que, com este resultado, Deflandre alcançou a sua 3ª vitória na prova lusa, depois de idêntico feito em 2016 e 2017, então com outro navegador a ditar notas e atento aos ditames do cronómetro. Já a sua compatriota Jennifer Hugo tornou-se, assim, na primeira representante feminina a vencer este nosso rali.
911 com um avassalador domínio à geral…
Em termos de geral, este XVI Rally de Portugal histórico traduziu-se numa luta quase exclusiva entre equipas francófonas, francesas ou belgas, ainda que com alguns portugueses de premeio, grande parte delas aos comandos de um único modelo. Sim, fácil de adivinhar, o Porsche 911.
Os franceses Christophe Baillet e Pierre Colliard, num 911 SC, de 1976, entraram decididos a defender o ceptro que haviam garantido na edição anterior, dominando o conjunto das 6 Especiais (5 PRA e mais 1 PRS, desenhada no Kartódromo de Leiria) de uma 1ª Etapa que ligou o Estoril a essa capital de distrito e depois à Figueira da Foz. Nesse dia e atrás deles terminavam os belgas Michel Decremer / Patrick Lienne (Opel Ascona; 1981) e os também franceses Christophe Berteloot / Gengoux Baptiste (Porsche 911 SC; 1982), ambos a muito curtas distância, de 2 e 7 pontos de penalização, respectivamente. Foi uma etapa em que no 1º lugar até se falou português, já que após as PRA nºs 2 e 3 era lusa a dupla que ocupava essa posição, Piero Dal Maso e Sancho Ramalho, no seu 911 2.2 S de 1970.
Já na 2ª Etapa que levou os participantes até Arganil e dali até Viseu, percorrendo-se de 11 Especiais (10 PRA e 1 PRS em estrada), a dupla Baillet / Colliard viu-se suplantada em 3,9 pontos pelos seus conterrâneos Berteloot / Baptiste, para logo depois os primeiros iniciarem um calvário que os levaria ao abandono, no derradeiro dia. Os terceiros classificados eram, à altura, os franceses Philippe Fuchey / Christophe Hayez (Porsche 911 SC; 1978), com mais 21,4 pontos do que os líderes.
Berteloot e Baptiste ainda se manteriam à frente do rali no final de uma 3ª Etapa (Viseu / Montalegre / Lamego / Viseu) que teve 12 Especiais (10 PRA e 2 PRS, uma no Circuito de Montalegre e outra em estrada), dia em que já ficaram muito ameaçados pelos futuros vencedores do rali: Yves Deflandre / Jennifer Hugo, num 911 de 1972, estavam a apenas 8,4 pontos de distância e com muita vontade de os remover da liderança. Logo atrás vinha a melhor equipa lusa, Luís Cavaco / João Serôdio (Ford Escort RS; 1975), a 24,8 pontos, eles que, entretanto, haviam criado uma boa folga de 38 pontos para Fuchey / Hayez, relegados para o 4º lugar. Só que depois…!
De Viseu o grupo apontou ao Estoril, para as derradeiras 14 Especiais (todas do tipo PRA), com intervalos na Barragem da Aguieira, Pombal e no Autódromo do Estoril, já no bater da meia-noite de 6ª Feira para Sábado, um ponto de partida para uma posterior dupla passagem pelos saudosos troços Lagoa Azul / Peninha, corridos em conjunto, e Sintra, num XVI Rally de Portugal Histórico que terminaria onde havia começado, nos jardins do Casino Estoril, local do derradeiro Controlo Horário da prova.
E muita coisa sucederia neste último dia, nomeadamente na cabeça do rali, incluindo uma inversão dos dois primeiros, depois de Defladres / Hugo conseguirem recuperar todo o atraso que tinham para Berteloot / Baptiste, ainda lhes impondo 5,3 pontos de penalização de diferença. Registou-se, também, uma brutal queda na classificação da dupla Cavaco / Serôdio, entregando de bandeja a Piero Dal Maso / Sancho Ramalho o último lugar do pódio e o troféu de “Melhores Portugueses”, permitindo que a Porsche ocupasse os três lugares do pódio.
… que se alastra aos “Melhores Portugueses”…
Entre os portugueses estiveram, assim, em destaque Piero Dal Maso / Sancho Ramalho, eles que chegaram a ser líderes à geral no início do rali e entre os seus pares no final da 1ª Etapa, então com um 6º posto da geral, dois lugares e 3,2 pontos à frente de Domingos Santos / Filipe Meneses (Porsche 911 SC, de 1981). No dia seguinte eram Luís Cavaco e João Serôdio quem assumia essa posição à chegada a Viseu, com um fantástico 6º posto da geral, batendo por 0,8 pontos os anteriores líderes, entretanto relegados para a 7ª posição.
Já no final da 3ª Etapa a dupla do vistoso Escort RS subia ao 3º lugar absoluto, ainda acalentando o sonho de uma potencial vitória à geral, desejo que caía por terra a meio da manhã do último dia, quando tudo ruiu em definitivo no troço do Préstimo. Com isso, voltou a ser possível a Piero Dal Maso / Sancho Ramalho conquistar esse troféu nacional, o que viriam a suceder, batendo por mais de 140 pontos Domingos Santos /Filipe Menezes, também eles num 911 SC (1981), quartos da geral. Os terceiros melhores foram José Carvalhosa / Nuno Rodrigues, noutro 911 SC (1978), somando essa prestação à 14ª posição da geral.
Contam-se, assim, no top-10 final, nada menos do que sete Porsche 911, sendo os únicos intrusos um BMW 2002 Alpina (6º da geral), um Volkswagen Scirocco (8º) e um Lancia Stratos (9º). Se esticarmos os olhos aos “20 mais”, o número de exemplares da marca de Estugarda eleva-se a 16, juntando-se à festa mais três 911, dois 928 e um 914/6!
Alfa Romeo, a excepção que confirma a regra
Dividido em “Históricos” e “Clássicos” este rali de regularidade entregou diversos troféus dedicados, nomeadamente aos destas duas categorias. Se o troféu dos “H” foi, naturalmente, para o 911 SC vencedor do rali, o dos “C” ficou para o Alfa Romeo Giulia Sprint (1966) de Jean-Guy Monmarthe / Nicolas Guiset, a terceiro carro mais antigo que iniciou este rali, de entre os cinco exemplares com o selo “Clássico” que nele alinharam. Foi 24º da geral.
Neste particular seguiram-se o Austin Healey 100/6, de 1957, da dupla Denis Duquenne / Frédèric Duquenne (foram 38ºs da geral) e o Jaguar MK2, de 1964, de Mikhail Tyurin / Ana Anastasia Gridnevo (49ºs). Fora de prova ficaram o BMW 1800 Ti (1965) de Philippe Fassier / Christophe Cheynet e os dois Volvo 122 S (ambos de 1967) de Éric André / Ugo André e dos portugueses Pedro Black / José S. Marques. Em cerimónia realizada no Sábado, no Autódromo, foram ainda entregues outros troféus por Classes e por Equipas.
Acrescente-se que do total de 70 equipas que saíram do Estoril na passada 3ª Feira, apenas 31 conseguiram regressar à base na madrugada do último dia do rali (Sábado), tendo 22 outras penalizado forte e feio nessa última etapa, ainda assim podendo integrar a lista de 53 viaturas que estabelece a Classificação Geral Final desta prova do ACP Motorsport, integrada no evento Estoril Classics 2022.
Com base no Autódromo do Estoril, este último prolongar-se-ia pelo fim-de-semana, aqui numa na vertente da velocidade, com viaturas clássicas de Fórmula 1 e de Endurance, para além de um troféu… Porsche 911, claro está! Um tema a explorar em próximas edições da vertente de motorsport da Garagem.
… sem esquecer o próprio palmarés do rali
Como se disse no início do texto, esta hegemonia 911 tem sido uma espécie de déjà vu neste rali luso pois, até ao início da presente edição (a 16ª), o modelo havia garantido nada menos do que 10 vitórias: o 911 SC ganhou em 2021 e 2019, com Christophe Baillet / Pierre Colliard e Philippe Fuchey / Christophe Hayez (em 2020 não houve rali devido à pandemia); em 2018 venceu o 911 Carrera 3.2 de João Vieira Borges / João Serôdio, à data, a derradeira vitória de uma equipa portuguesa no Rally de Portugal Histórico; nos dois anos anteriores ganhou o 911 2.7 de Yves Deflandre / Joseph Lambert; as 8ª, 9ª e 10ª edições (2013 a 2015) ficaram todas para o 911 Coupé da dupla João Mexia Leitão / Nuno Sales Machado; a 4ª, de 2009, para o 911 de Raymond Horgnies / Christophe Hayez; e, finalmente, a 2ª (2007) para o 911 Carrera RS de Pedro Jerónimo / Carlos Hipólito.
As excepções a este avassalador domínio haviam sido a edição nº 1 do Rally de Portugal Histórico, em 2006, ano em que o Datsun 240Z de Camilo Figueiredo / António Caldeira ocupou o lugar mais alto do pódio, posição que, dois anos depois, ficou na posse do BMW 2022 Tii de José Grosso / João Sismeiro, os mais regulares nessa edição. Em 2010 foi um Ford Escort MK1 RS2000 dos espanhóis Ricardo Alonso / Moises Alvarez a saborear a vitória, sendo que depois deste só os um Opel Kadett GT/E conseguiu bater a armada alemã, fruto das vitórias dos belgas Jose Lareppe / Joseph Lambert em 2011 e 2012. A Porsche voltou a subir a fasquia subiu, havendo que aguardar pelo XVII Rally de Portugal Histórico, a realizar algures por esta altura em 2023, para saber se, finalmente, a hegemonia germânica poderá voltar a ser derrotada!
Fotos: Oficiais / Paulo Maria, Paulo Pacheco/ACP