Renault Mégane E-Tech Eléctrico: o compacto familiar do futuro, hoje
Considero-me uma pessoa, por vezes, excessivamente conservadora. Critico, sempre, quem compra automóveis cinzentos e assumo que, dos quatro que tive até ao momento, só um não o é. Em minha defesa, só esse primeiro, verde, foi comprado novo. Os seguintes não pude escolher a cor e, na verdade, esse bem escolhido e único não cinzento também não foi escolhido por mim. Tenho, por essa razão, tentado contrariar este cinzentismo. As calças já não são todas do mesmo tom, os ténis são mais coloridos e o automóvel que conduzo no dia-a-dia é assim um cinzento que quase resvala para o azul. Mas há ainda muito a fazer.
Neste aspecto, e no que diz respeito ao automóvel aqui em ensaio, a Renault foi muito mais corajosa. Pôs o conservadorismo no arquivo “Cesto” e lançou no mercado um totalmente novo Mégane que mais parece um concept, um estudo de design daqueles que passam directamente do destaque caloroso dos holofotes num elaborado expositor de um saudoso salão automóvel para uma sala escura nas traseiras ou na cave húmida do museu da respetiva marca, caindo, quase sempre, no esquecimento, e dando a origem a modelos de produção que pouco ou nada têm a ver com o projecto inicial. Aqui não. O novo Mégane E-Tech Electric parece exactamente um desses estudos. Mas este tem motor, embora não o ouçamos, tem um habitáculo recheado e tem, também, um preço, o que significa que podes andar por aí de concept como eu o fiz durante uns dias.
Um cinzento pouco “cinzento”
Sim, eu reparei que o Mégane que conduzi é cinzento. Tanta coisa a defender cores vivas e diferentes para agora elogiar mais um Renault cinzento como tantos outros. Mas, na minha opinião, esta é uma das cores que melhor lhe assenta, destacando os contrastes conseguidos com os elementos pretos como o tejadilho, os retrovisores e os frisos laterais, e recebendo, na perfeição, o complemento elegante dos acabamentos em dourado, à frente e atrás. O facto de os eléctricos dispensarem uma grelha frontal retira-lhes, quase sempre, toda a identidade. A grelha é, do ponto de vista estético, um elemento essencial. Mas até aí a Renault esteve bem, com uma dianteira, tal como as marcas o poriam nas suas comunicações, convicta, marcante e robusta. Atrás, o grande destaque é a adopção da iluminação da moda, a toda a largura da carroçaria. Já as jantes de 20 polegadas soam a exagero, mas ao vivo, encaixam bem no visual global deste novo Mégane.
Por dentro deste topo de gama Iconic, a sensação é a de estarmos num tranquilizante e acolhedor lounge, mas onde a tecnologia salta imediatamente à vista graças aos dois grandes ecrãs digitais no tablier. O primeiro, em orientação horizontal, desempenha as funções de painel de instrumentos e o segundo, táctil e colocado verticalmente, recebe o sistema de infotainment OpenR Link com base Google, o que facilita, e muito, a sua utilização. Importa, também, destacar a qualidade do grafismo e a velocidade de resposta. Abaixo, mantêm-se, felizmente, controlos físicos para a climatização, acompanhados de um pequeno compartimento para carregamento sem fios de smartphones cuja esquina continuou, teimosamente, a vincar-me o joelho direito. Uma zona almofadada seria bem-vinda. Toda a consola central dispõe de muitos compartimentos de arrumação, possíveis devido à colocação do manípulo da transmissão na coluna de direcção. Ah! Falta iluminação no porta-luvas.
Qualidade a bordo
Quanto a qualidade de materiais, os plásticos são rijos no topo das portas, mas bastante mais suaves no tablier, forrado a napa, onde os olhos e as mãos mais tempo passam. As zonas de arrumação nas portas são forradas a alcatifa, uma óptima solução pouco vista que impede riscos e elimina ruídos. Bem jogado. Já no que diz respeito a montagem, este Mégane a pilhas passa com distinção, com acabamentos que transmitem qualidade. Os bancos dispõem, nesta unidade, de regulações eléctricas e de função de massagem, bem como são, para além de bonitos, confortáveis, mas senti falta de algum suporte adicional para as costas e pernas. Não é um desportivo, mas não há nada como nos sentirmos bem encaixados em frente ao volante, neste caso, irregularmente circular. Um elemento diferenciador de que gosto e que em nada prejudica a sua utilização. No volante estão também as patilhas que permitem variar a intensidade da regeneração de energia em quatro fases, sendo que uma delas a elimina por completo e no modo de maior recuperação, o Mégane nunca se imobiliza sem carregarmos no pedal de travão.
A posição de condução é facilitada pelas amplas regulações do banco e do volante, mas a visibilidade é prejudicada pelo bonito e dinâmico design da carroçaria, à frente, na base do pilar A, atrás, no que se vê através do vidro pelo retrovisor interior. Felizmente, a Renault tem a solução, tendo adoptado um retrovisor que, ao toque de um botão, se transforma num ecrã que transmite a imagem da câmara traseira. Très bien, mes amis. Ainda do lugar do condutor, destaque para o botão Multisense, para selecção dos modos de condução, colocado no volante, introduzindo alguma desportividade num modelo que, apesar de muito dinâmico, foi pensado para ser, acima de tudo, eficiente. Mas antes de passarmos à condução, ainda há muito para se explorar no habitáculo deste Mégane integralmente novo.
Bem melhor à frente do que atrás
E saltando da frente para os bancos de trás, surgem, igualmente, os pontos de avaliação onde este “concept de produção” começa a sentir algumas dificuldades. Como é comum em muitos modelos deste segmento, diga-se, sentar três pessoas no banco traseiro é algo teoricamente possível, mas praticamente desaconselhável, pois colocar, lado a lado, três pares de ombros, parece-me, no mínimo, optimista. Isto apesar do lugar central ser confortável e desse terceiro passageiro não ser incomodado por um túnel central, já que o piso é completamente plano. As portas são, felizmente, grandes e abrem muito, facilitando o acesso. O assento é bem desenhado e dois passageiros viajam com espaço suficiente para pernas e cabeça, mas a folga não é tanta como se possa pensar. Isto apesar do Mégane usar uma bateria muito fina, com apenas 11 centímetros de espessura, o que lhe permite dispor da linha de tejadilho descendente sem nos obrigar a “perder” a cabeça ao viajar no banco traseiro. Algo que é, certamente, também limitado pelo design, é a abertura das janelas traseiras, algo curta.
A mala dispõe de 440 litros de capacidade, um valor bastante bom considerando as dimensões exteriores deste Mégane silencioso. Porém, falta-lhe versatilidade. O rebatimento dos bancos traseiros é possível, expandindo o volume útil, mas o degrau resultante significa que colocar um objecto mais pesado na bagageira será mais fácil com outro par de mãos a ajudar através de uma das portas laterais traseiras. Falta-lhe, portanto, um piso amovível que permita criar um plano de carga ininterrupto. O degrau desde o plano de acesso até ao fundo da mala é, também, algo elevado, mas nada de grave. Ainda atrás, o ponto alto é, sem dúvida, o grande compartimento na zona posterior do fundo que permite guardar os sempre muito rígidos cabos de carregamento.
Ao volante, muito dinamismo
Passando, finalmente, à condução, importa referir que este novo Mégane E-Tech Electric está disponível com duas motorizações e duas baterias distintas, com 130 cavalos e 40 kWh ou com 220 cavalos e 60 kWh. Conduzi a mais potente e com a bateria de maior capacidade e fechei o ensaio com uma autonomia teórica de 380 quilómetros, abaixo dos 470 declarados pela marca, com o computador de bordo a mostrar uma média final ligeiramente abaixo dos 16 kWh/100 km, valor também justificado pelos meus exageros para o experimentar devidamente. É possível reduzir este consumo, não tenho dúvidas, estendendo uma autonomia que é, também, beneficiada por uma boa capacidade de regeneração.
Durante este ensaio, fiz apenas um carregamento: 36 minutos num posto público foi tempo suficiente para o abastecer com 23,5 kWh de energia, elevando a bateria de 41 para 85% e recuperando 168 quilómetros de autonomia. O carregamento foi feito a uma potência de cerca de 40 kW, mas o custo final só o saberei mais tarde.
É-me impossível não destacar as capacidades dinâmicas deste Mégane eléctrico, um modelo que, apesar de pesado, é leve. O peso excessivo dos veículos eléctricos é contraproducente a vários níveis, seja no comportamento, no conforto e, acima de tudo, na eficiência. Mas este gaulês 100% eléctrico, com cerca de 1700 kg de peso, “poupa” 100 kg relativamente à concorrência germânica, o que lhe permite, por exemplo, prescindir de uma suspensão excessivamente rígida ou de amortecimento variável para melhor controlar as variações de carga laterais e longitudinais, bem como os movimentos da carroçaria que delas resultam.
Sem ser um desportivo, o Mégane E-Tech Electric revela uma agilidade acima da média que, aliada a uma direcção muito directa, fazem dele um dos mais divertidos eléctricos do mercado. E isto sem prejudicar o conforto de rolamento, mesmo dispondo de jantes de 20 polegadas. O amortecimento é decidido, sim, mas nunca em demasia, e a geometria multibraços da suspensão traseira dá, igualmente, o seu contributo para melhor gerir as oscilações das rodas de trás, permitindo-lhe, também, rodar em desaceleração até que a electrónica intervenha, claro.
Em aceleração, os 220 cavalos despacham o arranque de 0 a 100 km/h em pouco mais de 7 segundos, mas essa imediata e vigorosa disponibilidade também se revela em pontuais perdas de tracção se não formos comedidos com as exigências sobre o pedal da direita, impressões que tendem a piorar se o piso estiver molhado, como esteve, quase sempre, ao longo dos dias que com ele passei. Os pneus Goodyear Efficient Grip, 215/45, mais “verdes” do que pretos, também não ajudam nesse aspecto.
Desde 35.850 euros
Com um preço base de 46.850 euros, esta versão Iconic com motor de 220 cavalos e bateria de 60 kWh resulta no Mégane E-Tech mais caro que podes comprar. Mas nada temas. Por 35.850 euros, a Renault propõe a versão Equilibre de 130 cavalos com bateria de 40 kWh. Ainda assim, fará cerca de 300 quilómetros antes de precisar de visitar um posto de carga. É uma diferença considerável no valor a pagar e que, certamente, não se traduzirá na perda de muitos dos argumentos identificados nesta unidade topo de gama em ensaio.
O novo Mégane E-Tech Electric pode até não ser o compacto familiar mais espaçoso e versátil, mas é, do ponto de vista do design, um dos que melhor conseguido está, quase parecendo, até, algo à frente do seu tempo. Estou muito curioso com o desempenho da versão de acesso, a qual dispõe de um preço mais simpático para as intermináveis contas que um condutor português tem, inevitável e constantemente, de fazer, mas que, aposto, mantém todas as capacidades por este super Mégane eléctrico demonstradas, assentes numa longa experiência adquirida pela Renault na produção daqueles que nos dizem ser os automóveis do futuro. Não estou plenamente convencido disso, mas se assim tiver de ser, não estamos nada mal servidos com este Mégane do futuro, hoje disponível.