Porsche festeja em grande os 40 anos do Grupo C
Desenvolvido de raiz e em tempo recorde, para as então novas regras do hoje extinto Grupo C, o Porsche 956 revelou-se um claro dominador desse universo, quer ao nível do Mundial de Sport-Protótipos, quer na série norte-americana da IMSA, entre outras séries, sucesso depois prolongado pelas evoluções 962 e 962 C. A marca alemã decidiu reviver essa saudosa era da endurance reunindo, em Leipzig, um mix de seis exemplares, chamando para os conduzir nomes gigantes da modalidade, num reencontro com os seus companheiros de vitórias de há… 40 anos!
Recuemos a 1980, ano em que a então FISA (Fédération Internationale du Sport Automobile), antecessora da actual FIA (Fédération Internationale de l’Automobile), decidiu-se por novas regras para as corridas de resistência, reduzindo a metade as até então seis categorias (Grupos 1 a 6): “A”, para viaturas de turismo de produção em massa, “B”, para GTs de pequena escala, e “C”, os então chamados de Sport-Protótipos, interpretação mais livre, sem homologações obrigatórias nem números mínimos de produção ou uso de componentes de série.
Do draft de Julho de 1980 à versão final, datada de Outubro do ano seguinte, foi um pulinho, seguindo-se a sua implementação a partir de 1982 no então Campeonato do Mundo de Sport-Protótipos (hoje WEC), propondo-se vigorar até 1992. A sua abrangência alargar-se-ia, entretanto, a diversas séries regionais, nomeadamente a europeia Interserie e a norte-americana IMSA-GTP, bem como em campeonatos nacionais, com os da Alemanha e Japão em maior destaque.
Muitos foram os modelos de construtores de carros desportivos que criaram modelos de Grupo C nesse intervalo temporal de mais de uma década, mas houve uma em particular que se destacou das demais pelo conceito que desenvolveu em tempo recorde e que se mostrou, de imediato, como o “alvo a abater”. Falamos da Porsche e do seu inesquecível 956, uma criação de Norbert Singer que evoluiria depois para 962, para a série IMSA, e 962 C, para o WEC da altura. É tido como o modelo de competição de maior sucesso na história da marca alemã, claro dominador do mundo do endurance.
“Nunca nos enganámos!”
O desafio na altura era de construir, em tempo recorde, um novo carro de competição, simultaneamente potente e de baixo consumo, tendo a Porsche criado um departamento específico. Começando por um modelo à escala em madeira, Norbert Singer mostrou-o a Ferry Porsche, dele recebendo a seguinte reacção: “Desejo-vos boa sorte”! E pronto, era apenas mais um carro de corridas e a Porsche já tinha tantos no seu curriculum.
Seguiu-se o trabalho no túnel de vento para o conceito aerodinâmico, com o obrigatório e significativo downforce (ou efeito de solo) destinado a colar o carro ao chão, associado a uma monocoque em alumínio, conjunto que se revelava como uma estreia absoluta para os engenheiros da marca. “Foi um processo de ‘aprendizagem por tentativas’,” refere Singer. “Não fazíamos ideia de como construir monocoques, pelo que procurámos ajuda da indústria aeronáutica, nomeadamente com a Dornier.”
Semelhante reacção teve Derek Bell, então piloto oficial, após um encontro com Helmuth Bott, Responsável de Desenvolvimento do projecto, quando este lhe disse que em 1982 a Porsche ia para o Grupo C. “Não fazia ideia do que se tratava”, disse, tendo Bott acrescentado: “O carro terá um chassis tipo monocoque. Nunca fizemos semelhante coisa até aqui. Também vamos usar efeito de solo, algo que também nunca fizemos”, acrescentando: “Mas nunca nos enganámos.”
Em termos de motor, Singer optou pelo 6 cilindros boxer do Porsche 935/76, versão melhorada para competição do bloco do 911. Graças aos seus dois turbocompressores, não só era mais potente, como também se viu otimizado em termos de consumos, um dos factores-chave da nova categoria. Já em termos de componentes, tudo o resto era novo. A equipa de competição foi obrigada a trabalhar sob extrema pressão, nomeadamente de tempo, pois entre a aprovação do texto final da regulamentação do Grupo C e o início da época seguinte mediaram poucos meses. Dois dos três carros oficiais só ficaram prontos duas semanas antes da corrida de Le Mans, o terceiro apenas alguns dias antes desse histórico evento, que a organização iria festejar o 50º aniversário.
O resultado desse esforço está gravado nos compêndios do automobilismo, com esses três recém-estreados Porsche 956 e respectivas equipas – Jacky Ickx e Derek Bell no carro #1, Jochen Mass e Vern Schuppan no #2 e Jürgen Barth, Hurley Haywood e Al Holbert no #3 – a ocuparem os três degraus do pódio das 24 Horas de Le Mans de 1982. Foi o primeiro de 7 sucessos alcançados no Circuit de la Sarthe, com o 956 a voltar a impor-se de 1983 até 1985, resultados continuados pelo 962 C nos dois anos seguintes e, mais tarde, em 1994, com um 962 Dauer Le Mans GT, já sob uma nova realidade regulamentar.
Na sua vitrina de troféus a Porsche conta ainda com 5 títulos de construtores, 5 de equipas e outros 5 de pilotos, para um volume de 43 vitórias individuais em corridas. Já do outro lado do Atlântico, na série IMSA, alcançaram-se 4 campeonatos, de 1985 a 1988, 52 vitórias individuais, incluindo 5 sucessos nas 24 Horas de Daytona (1985-87, 1989 e 1991). Noutros pontos do planeta, conquistaram-se 6 ceptros da Interserie (1987-92), 4 da alemã Supercup (1986-89), e 5 no All Japan Sports Prototype Championship (1985-89), entre outros resultados de relevo.
Automóveis com 40 anos…
Para festejar estes 40 anos da criação do Grupo C, a Porsche organizou um encontro entre seis desses seus vitoriosos (e hoje muito valiosos) exemplares, reunindo dois 956, um 962 e três 962 C, colocando-os em pista nos 3,7 quilómetros do traçado desenhado no seu Centro de Testes de Leipzig, na Alemanha.
Ali estiveram o chassis 956-002 LT, com as cores da Rothmans, o tal vencedor da das 24 Horas de Le Mans de 1982, o 956-005 ST que ganhou, entre outros, os 1.000 Km de Nürburgring e de Spa, viatura com a decoração de 1983, da mesma tabaqueira mas como o logo disfarçado, fruto das crescentes limitações de publicidade ao dito, e o 962-001 LT em versão IMSA, branco com o logo da Porsche, viatura que registou o melhor tempo no Qualifying de Daytona 1984, uma tripla com o #1 nas suas carroçarias. Juntou-lhes dois exemplares com o #17, o chassis 962C-006 LT que venceu a Supercup de 1987, também com as cores da Rothmans, e o 962C-009 ST que ganhou Le Mans 1987, sob as vestes da Shell e da Dunlop (#17). A fechar, o caçula deste improvável grupo rolante, o 962C-015 LT, 4º em Le Mans 1990 pelas mãos do Joest Team, formação cliente da marca que correu sob as cores da Blaupunkt (#7).
Mecanicamente, registaram-se evoluções naturais dos 956 aos 962 C, nomeadamente nas cilindradas que dos 2649 cc da versão de 1982, saltaram para os 2869 cc da especificação IMSA, para culminar nos 2994 cc das versões mais recentes. As potências subiram dos 620 cv originais aos 680 do 962 IMSA e, depois, aos 710 cv da versão C de 1990, acompanhadas pelas velocidades máximas que atingiram os 360 km/h, apesar do maior peso dos conjuntos, que aos 840 kg do 956 acrescentaram 80 quilos no último dos 962 C.
… e pilotos com (quase) o dobro!
Do lado humano a Porsche chamou a Leipzig quatro pluri-Campeões indissociáveis do sucesso destes seus modelos, todos com umas quantas velas adicionais nos seus bolos de aniversário do que quando os conduziram: Derek Bell (81 anos), Jochen Mass (76), Hans-Joachim Stuck (71), grupo a que se juntaram Bernd Schneider (58) e Timo Bernhard (41), acompanhados pelo mecânico Alexander Wiggenhauser e por Helmut Schmid, à altura engenheiro de testes da marca alemã, num evento seguido à distância por não outro que Norbert Singer, ele que hoje tem 83 anos.
Quatro décadas depois, este improvável grupo de pilotos experienciou e gerou uma série de sensações há décadas adormecidas, acelerando q.b. no perímetro de Leipzig, em nova demonstração de que “velhos são os trapos”, um feito possível graças ao incansável trabalho da equipa de Historic Motorsport do Porsche Heritage and Museum, sob a coordenação de Armin Burger, que mantém impecáveis estas e outras unidades da Porsche. Mas mais do que recordar o que cada um encerrava e os registos hoje eternizados nos palmarés das diferentes provas e categorias, o melhor é vê-los em pista, como se os anos não tivessem passado, algo possível na página de Youtube da Porsche AG. Desfrutem destas inesquecíveis imagens no vídeo “Reunião Porsche Grupo C em Leipzig”!
Fotos / Vídeo: Oficiais / Porsche AG