Isegami e Catesby: Túneis centenários renascidos para o motorsport
No recente Rali do Japão muito se falou do Isegami Tunnel, uma estrutura com 380 metros de comprimento e que foi usada em duas Especiais, cumprida a fundo pelos mais corajosos, apesar da sua exígua largura. Noutro ponto do planeta há o britânico Catesby Tunnel, cujos seus bem mais longos 2,7 quilómetros são recorrentemente usados por uma estrutura de motorsport para uma peculiar sessão de testes de velocidade. Venha visitá-los com a Garagem!
Isegami (Japão) e Catesby (Inglaterra). Nunca antes comparados, estes dois túneis distam entre si em vários milhares de quilómetros, sendo de cerca de um ano a sua diferença em termos de idade.. Pouco mais têm em comum do que o facto de serem estruturas subterrâneas em linha recta e de contarem com umas quantas centenas de anos de história e de particularidades associadas às suas construções. A partir daqui tudo é diferente, a começar pela extensão de ambos, com a estrutura nipónica a medir uns simpáticos (e bastante estreitos) 380 metros, bastante menos do que a britânica, que dista 2,7 quilómetros entre a sua entrada e o seu final.
Muito falado no mundo dos ralis aquando da última prova do Campeonato do Mundo de Ralis (WRC) 2022, pois integrava o percurso de duas das suas classificativas, o Isegami Tunnel situa-se na Perfeitura de Aichi, perto da cidade japonesa de Toyota. Dizem as lendas e alguns dos locais que será assombrado, histórias decorrentes da sua centenária construção, terminada em 1897.
Diz-se que quem o atravessa por vezes se depara com visões de operários que ali terão morrido quando o construíram, de uma senhora vestida de branco que, em 1959, terá sido apanhada numa inundação provocada por um tufão, ou mesmo crianças a fazerem desenhos nas suas paredes. Recuperado dos efeitos destruidores dessa intempérie, a peculiar instalação voltaria a ser atravessável em Maio de 1960, tornando-se local de visita pelos crentes nessas lendas ou mesmo dos amantes do fantástico.
Não houve registos de que Rovanpëra & Cia tenham visto algo estranho nas duas vezes que o atravessaram, pois as velocidades atingidas pelos seus Rally1, fê-los cumprir os 380 metros em cerca de dez segundos. Houve apenas que manter toda a concentração para não desviar a trajectória e embater nas suas paredes, ali tão perto dos retrovisores. Algo que Kajetan Kajetanowicz, à altura ainda candidato ao título da categoria WRC2, até conseguiu fazer, para logo deitar tudo a perder na saída, apanhado pelo nevoeiro e pelo estado escorregadio do piso.
Catesby e os 30 milhões de tijolos que o revestem
Bem mais perto e também com algumas histórias associadas temos o Catesby Tunnel, no Reino Unido, cuja construção decorreu de Fevereiro de 1895 a Maio de 1897, uma travessia ferroviária de dupla via da era Vitoriana, parte da chamada Great Central’s London Extension. Inaugurado em Julho do ano seguinte – ou seja, pouco mais de um ano após a abertura do seu congénere japonês – seria usada ao longo de 68 anos, até ao seu encerramento em Setembro de 1966.
Alvo da intervenção da Aero Research Partners, num multimilionário processo de transformação, Catesby reabriria em Novembro de 2021 mas agora como instalação de última geração para a realização de testes, em especial aerodinâmicos, com toda a sua génese original: 2.740 metros de comprimento, numa perfeita linha recta com um gradiente constante de 1:176, por 8,2 metros de largura, num espaço complementado por uma secção de suporte com 40 metros quadrados. A revesti-lo a ARP também manteve os cerca de 30 milhões de tijolos da estrutura original, muitos ainda com vestígios da fuligem expelida pelas velhinhas locomotivas a carvão.
Quem o tem usado com alguma regularidade é a Multimatic Motorsports, equipa britânica que, num dos slots que reservou em Catesby, fez rodar o mesmo Mazda RT-24-P, da antiga categoria de topo DPi (Daytona Prototype international), carro que preparou a meias em 2021 com o Joest Team, no projecto oficial da Mazda Motorsport na série norte-americana IMSA. Objectivo: obter novos registos que permitissem a comparação com os valores que a equipa registou quer nos túneis de vento tradicionais, quer os que recolheu ao longo das épocas em que correram com esse protótipo do lado de lá do Atlântico.
Foi Andy Priaulx, piloto da casa, quem conduziu o RT24-P da Mazda ao longo deste agora túnel de testes. “Quando se é piloto de competição há tanto tempo como eu, raramente se experienciam coisas novas”, começou por referir. “Nos testes aerodinâmicos puros, estou habituado a ver os engenheiros a estudar modelos estáticos em túneis de vento, sem que haja qualquer envolvimento de condutores”.
“No início, senti-me um pouco receoso por entrar num carro de corridas e conduzi-lo ao longo de um túnel de 2,7 quilómetros, mas a equipa assegurou-me que o seu final estava perfeitamente marcado”, algo que sossegou o piloto de 48 anos, pois por várias vezes ali alcançaria velocidades na ordem dos 200 km/h!
Uns perfeitos 2,7 quilómetros de atmosfera controlada
“Isto é melhor porque é real, quando comparado com os túneis de vento convencionais”. Quem o diz é Larry Holt, responsável pela Multimatic Motorsports, acrescentando: “Num túnel de vento tradicional, o carro encontra-se estático, sendo o vento soprado sobre ele através de um enorme ventilador, com múltiplas orientações em termos de fluxo, carro que rola sobre um tapete a velocidades coordenadas. É uma configuração muito sofisticada, mas o carro está, de facto, num sítio fixo, processo que impede que o processo seja 100% real. Já Catesby permite-nos fazer medições da performance aerodinâmica de um veículo que está, realmente, a rolar.”
“O problema de se usar uma viatura em condições reais implica que a mesma esteja sujeita a influências externas, como ventos fortes, chuva e outras condições atmosféricas que afectam a densidade do ar, para além de todas as variáveis inerentes a esses mesmos testes no mundo real. Catesby proporciona-nos o mundo real mas sem o factor ambiente: temos uma viatura em movimento, uma superfície de estrada real, um ambiente controlado e em que podemos usar todas as 24 horas do dia, qualquer que seja a estação do ano. São uns perfeitos 2,7 quilómetros de atmosfera controlada. É o tipo de consistência que é precisa quando se buscam ganhos incrementais”, acrescentou.
Outra vantagem para a Multimatic Motorsports é o facto de Catesby ser a poucos minutos da sua sede de Brackley, nas imediações de Daventry, na zona rural de Northamptonshire, no chamado “UK’s Motorsport Valley”. Tal é a importância do espaço que a equipa já reservou uns quantos slots na agenda do espaço para o desenvolvimento das suas futuras criações de estrada e de competição, muitas alocadas à sua área de Special Vehicle Operations.
Uma última curiosidade: esta travessia é um túnel porque Henry Attenborough, o então proprietário dos terrenos de Catesby State, não quis a paisagem arruinada pela visão dos comboios e pelo fumo preto que deitavam, pelo que aprovou que os mesmos fossem atravessados desde que isso se fizesse… debaixo do chão! Pensando bem, ainda bem que o fez, pois tal permite que hoje possamos assistir ao conjunto de imagens recolhidas pela equipa, isto na impossibilidade do comum dos mortais o poder atravessar. Mas muito mais pode ser testado nesta infraestrutura única no mundo, estreada com o mesmo Lotus 79 com que Mário Andretti foi Campeão do Mundo de F1, em 1978, das mais sofisticadas bicicletas, a motos ou automóveis do nosso quotidiano, como se pode comprovar neste vídeo oficial.
Fotos: Oficiais / Multimatic, Catesby Tunnel, M-Sport/Ford, Toyota Gazoo Racing, WRC
Vídeos: Oficiais / Multimatic, Catesby Tunnel, WRC