Alfa Romeo Tonale 1.5 Hybrid 130 TCT – E agora? Qual é a desculpa?
Goste-se ou não da Alfa Romeo, é inegável a riqueza da sua história. Mais de cem anos de uma vida repleta de sucessos no mundo da competição, de icónicos modelos que dezenas de anos depois do seu lançamento continuam a apaixonar e, também, de períodos mais conturbados que, tantos anos depois, continuam a manchar, de uma forma algo injusta, a reputação de um símbolo incomparável do automóvel. Dos entusiasmantes, mas algo temperamentais motores boxer do 33 à qualidade de construção, por vezes, insuficiente, passando ainda pela sempre tão criticada facilidade com que modelos como o Alfasud enferrujavam.
E digo que é injusto porque embora parte destes problemas sejam verdade, digam-me, por favor, se nas idas décadas de 1960 e 1970, só os Alfa Romeo tinham essa tendência de voltar à terra mais depressa, bem como se, nesses socialmente conturbados tempos, a “Alfa” foi a única marca cuja produção e consequente qualidade de construção saiu prejudicada por constantes greves e gestões duvidosas? Sim, é verdade que os italianos têm uma maneira muito própria, peculiar, estranha até, de fazer as coisas, mas uma verdade absoluta é que foi – e é – dali, daquela bota rodeada de água, que vieram alguns dos mais belos e melhores automóveis de sempre. A Alfa Romeo é disso um excelente exemplo.
Prometo que vou tentar não me deixar levar pelas palavras porque sim, sou uma dessas pessoas, por muitos incompreendidas, que adora a Alfa Romeo. Tanto que há uns anos comprei um Giulietta de 2011 para logo na primeira semana ser abordado por um vizinho de há muitos anos que me disse: “Compraste um Alfa Romeo, João? Olha que isso desafina!” É claro que os carburadores do meu Giulietta de injecção nunca desafinaram e a chapa de “máquina de lavar roupa” nunca se desfez depois de um Inverno rigoroso passado ao relento.
Tudo isto para dizer que sim, a Alfa Romeo tem uma herança rica e apaixonante, mas sofre, igualmente e no outro extremo, com uma injusta reputação que muitos parecem não conseguir ou, pior, simplesmente não querer esquecer. Um grande número de palavras para introduzir aquele que é, para mim, o modelo mais significativo da sua história recente e um dos mais importantes dos seus 112 anos de vida, o novo Tonale. E porquê? Porque este é o ponta de lança da ofensiva que garantirá o futuro da marca. A sua responsabilidade é, por isso, enorme. E antes que me acusem de ser parcial na análise por ser um fã assumido da marca, serei, garantidamente, exigente. Porque quero que o Tonale represente o ponto de viragem, a entrada numa nova era, electrificada, sim, mas uma em que a Alfa Romeo prospere.
SUV, pois claro
O Tonale é, inevitavelmente, um SUV. Por muito que do ponto de vista emocional a ideia não me agrade, esta é a decisão mais racional. É este o formato que vende, é, portanto, aqui que a Alfa Romeo tem potencial de crescimento, neste caso em particular no segmento C premium. E tal como o Stelvio, mesmo para um não entusiasta do formato SUV, o Tonale é esteticamente muito apelativo. Conto pelos dedos de uma mão os SUV que considero verdadeiramente bonitos, mas dois deles são ocupados pela dupla italiana. No caso desta unidade ensaiada, um Edizione Speciale, são destaque as jantes de 20 polegadas e a belíssima cor Verde Montreal – 1.600 € bem gastos – elementos que tão bem complementam um design que é, simplesmente, bem-nascido, elegante e, ao mesmo tempo, emocionante.
A iluminação dianteira de aspecto agressivo e com três elementos de luz faz a ligação a modelos como a dupla SR/RZ ou ao mais recente 159 e atrás aprecio a barra iluminada a toda a largura da carroçaria. O terceiro pilar deixou-me, ao início, com algumas dúvidas. Até passar estes dias com o Tonale, nunca me pareceu tão bem concebido quanto o do irmão Stelvio. Dúvidas que, entretanto, se dissiparam. Um SUV, sim, mas cheio de estilo, pleno de classe. Um verdadeiro Alfa Romeo, portanto. Daqueles que me fez olhar por cima do ombro depois de o estacionar, ao encaminhar-me para casa.
Mais espaço do que esperava
Abrir as portas do Tonale e dar início a este ensaio levar-me-ia a uma das grandes surpresas deste trabalho. O encorpado Tonale não é um automóvel enorme, mas é, por dentro, bastante mais espaçoso do que esperava. Tratando-se de um modelo de aspirações familiares, permitam-me começar pelos lugares traseiros. As portas são, desde logo, grandes e com um também grande ângulo de abertura, o que facilita não só a acessibilidade como a colocação das cadeiras dos Alfistas mais pequeninos. Espaço para pernas não falta, mesmo para os mais altos, havendo inclusivamente folga debaixo dos bancos dianteiros para colocar os pés. Em altura, os centímetros livres não são tantos, mas considerando os meus 1,8 metros, ainda me sobraram uns quatro dedos acima da cabeça.
O túnel central é, também, relativamente baixo e viajar com três pessoas no banco traseiro não me pareceu ser uma experiência terrível. O conforto não será exemplar, mas há, no mercado, quem ofereça bem pior. Os plásticos das portas são menos agradáveis do que os utilizados à frente, mas na zona intermédia e no apoio de braço, as coberturas estão forradas a napa. Infelizmente os compartimentos de arrumação, mais abaixo, são muito pequenos e não estão forrados a alcatifa. Um mal de que as portas da frente também sofrem, apesar de contarem, como disse, com materiais mais agradáveis ao toque. Para o compensar, existem bolsas nas costas dos bancos da frente e ao centro, para além das saídas de ar, estão posicionadas duas tomadas USB, uma delas USB-C. Nota positiva também para as janelas, grandes e com abertura quase na sua totalidade.
Já a bagageira conta com porta com abertura eléctrica e oferece 500 litros de volume. Gostei da largura do acesso, bem como do plano de carga, a uma altura que não me pareceu exageradamente alta para um SUV. O piso amovível é uma mais-valia e esconde mais espaço de arrumação, sendo suportado por patilhas que o mantêm numa posição elevada. Infelizmente por ali não está uma roda suplente, algo que continua a fazer-me imensa confusão, independentemente da marca, segmento ou patamar de preço.
Prático e versátil, mas focado no condutor
Uma proposta familiar, sem dúvida, mas cujo foco na condução não se perdeu na obrigatória versatilidade. Isto é notório assim que nos sentamos no lugar do condutor. Para o meu gosto, apesar da qualidade do suporte do banco e de me sentir perfeitamente encaixado em frente ao volante, senti-me, sempre, demasiado alto. Bem integrado no posto de condução, mas elevado relativamente ao asfalto, entenda-se. Para mim, um preço a pagar por esta abordagem “mais por cima”, mas para a maioria, aquilo que se espera de um moderno SUV. A escolha de materiais destaca-se pela positiva, assim como a qualidade de execução. Apenas a moldura do estupendo painel de instrumentos me pareceu um pouco frágil. E digo estupendo porque é, graças a um pormenor, um dos pontos altos da experiência Tonale, ao dispor de um modo em que o grafismo da instrumentação se inspira em modelos históricos. Genial.
Quanto ao sistema de infotainment, gostei, acima de tudo, da sua dimensão adequada. Tem tudo e faz tudo sem gritar ao mundo que tem um número absurdo de polegadas, contribuindo com a dose certa de digitalização a um habitáculo onde se mantém uma certa aura clássica que muito aprecio. Comandos físicos para a climatização são mais do que bem-vindos. A Alfa Romeo não se pôs a inventar como tantos outros o fizeram recentemente. Obrigado. O volante desportivo, com botão para arranque do motor, é complementado por patilhas para controlo da caixa de velocidades que são, simplesmente, do que de melhor se faz no mercado a este nível. Destaque ainda, nesta unidade, para o sistema de som da Harman/Kardon, bem como para a iluminação ambiente com o painel frontal do tablier retro iluminado, um toque de bom gosto. O botão rotativo para selecção dos modos de condução está, também, correctamente posicionado na consola.
Para já, 130 cavalos
Neste primeiro ensaio ao novo Tonale, tive oportunidade de o conduzir com o novo motor Mild Hybrid 1.5 Turbo de 130 cavalos que já conhecia do ensaio ao renovado Jeep Compass. Ainda que não tenha a capacidade de circular durante muito tempo em modo puramente eléctrico, supera a tecnologia mild hybrid mais comum que nunca o consegue fazer. E a verdade é que a média final de 6,8 l/100 km atesta bem o contributo da vertente eléctrica para a eficiência do conjunto. A bateria tem uma capacidade reduzida, carregando e descarregando através de ciclos de utilização curtos que permitem ao Tonale percorrer distâncias reduzidas – situações de pouca exigência, a baixas velocidades e durante as manobras – recorrendo exclusivamente ao motor eléctrico com cerca de 20 cavalos e 55 Nm.
A combinação do motor de quatro cilindros a gasolina com a pequena máquina eléctrica prima por um funcionamento suave, com transições discretas e igualmente bem integradas com a caixa de dupla embraiagem de 7 velocidades, transmissão que nunca me pareceu tão rápida quanto uma DSG do Grupo Volkswagen, mas que é, sem dúvida, uma grande evolução relativamente às experiências prévias com a sigla TCT. O contributo do motor eléctrico faz-se sentir com uma agradável e antecipada resposta do motor, mas com 130 cavalos e 240 Nm resultantes da combinação de ambos os motores, não se esperem acelerações fulminantes. Porém, apesar da boa resposta do motor, a resposta do acelerador no modo de condução normal pareceu-me muito “apagada”.
Esta é a motorização de entrada na gama, ideal para o dia-a-dia, com uma entrega de potência linear e uma performance adequada às exigências do quotidiano, mas claramente sem capacidade para deslumbrar e, acima de tudo, sem conseguir gerar um andamento à altura daquilo que são as capacidades do chassis. O motor soa refinado, como se espera no menos desportivo dos Tonale, mas ao puxar pelas rotações, o “um ponto cinco” não consegue, felizmente, esconder-se na totalidade, fazendo-se ouvir com uma muito ligeira rouquidão que apreciei ouvir pontualmente.
A rápida direcção e a dinâmica da Alfa Romeo
A direcção do Tonale tem sido um dos pontos mais elogiados do novo SUV da Alfa Romeo e embora seja fácil perceber porquê, principalmente pela rapidez com que responde ao que lhe exigimos via volante, considero que podia estar mais bem calibrada. Essa reduzida desmultiplicação induz algum nervosismo ao eixo anterior que tem necessariamente de ser compensado por ângulos mais contidos do volante. Até me habituar, e a ritmos mais elevados, não foram poucas as vezes em que dei por mim mais por dentro da curva do que queria, tendo de “abrir” a direcção para evitar fechar demasiado a trajectória. Mas isso é feitio do Tonale, rápido e dinâmico, pois o erro e a falta de hábito foram, assumo, meus. O que não gostei tanto foi da excessiva assistência sentida, mesmo quando seleccionado o modo de condução mais desportivo. A direcção ganha “peso”, mas nunca o suficiente. Ora assim, algo leve de sensação e rápida de resposta, nunca me transmitiu, na totalidade, a ligação e confiança que desejava ter encontrado. Rápida como é, sem dúvida, mas com uma calibração de assistência um pouco mais contida e, digo eu, ficava no ponto.
Um dos pontos altos do desempenho do Tonale é, como esperado, o seu comportamento dinâmico. Sem amortecimento variável neste exemplar e com pneus de perfil reduzido, 235/40 R20, seria compreensível assumir que a eficácia dinâmica é conseguida à custa de uma excessiva rigidez do amortecimento. Em parte, sim. É verdade. A afinação de suspensão do Tonale está mais orientada nesse sentido, mas excessiva? Não. Isso não. Apesar da pouca filtragem providenciada pelos pneus, o trabalho da suspensão independente às quatro rodas permite manter um bom nível de conforto na mais acidentada cidade ou nas mais bem conservadas vias rápidas, ao mesmo tempo que oferece ao Tonale capacidades dinâmicas acima da média no seu segmento. Não deixam de ser 1.600 kg, mas a agilidade e controlo demonstrados parecem reduzir esse valor, um emagrecimento que permite ao Tonale mexer-se com ligeireza entre curvas e mantendo muita velocidade nestas. O controlo de estabilidade pode ser desligado, dando assim uma liberdade extra ao eixo traseiro, se provocado.
Como a Alfa Romeo o disse, a “metamorfose”
Como acima tentei mostrar, o Tonale é um automóvel cheio de qualidades. Não é perfeito, como também tentei demonstrar, pois tem alguns pontos que podem ser melhorados, mas é, globalmente muito competente. Ajustar a assistência da direcção e calibrar a resposta do acelerador parecem-me alterações essenciais. Mas no geral, é, na minha opinião, um “enorme” automóvel. Desde logo, e sendo uma análise subjectiva, bem o sei, acho-o incrivelmente bonito, mesmo tendo um formato de carroçaria que eu não aprecio, mas que é o que mercado quer. Considerando, também, a sua dimensão exterior, é muito espaçoso e surpreendentemente versátil. Dispõe de uma motorização mild hybrid inovadora capaz de o fazer rolar em modo 100% eléctrico, bem como de registar consumos baixos. E para quem os 130 cavalos soam a pouco, está disponível uma versão com 160 cavalos. O poderoso híbrido plug-in de 280 cavalos e tracção integral chega, igualmente, em breve. Equipamento, nesta versão de lançamento, também não lhe falta.
Mas o melhor de tudo é que, pelo menos nos cinco dias que com ele passei, os carburadores do Tonale não desafinaram e não fiquei sem bateria durante a noite. Quando fiz pisca a janela do pendura não se abriu. Enfrentei bastante chuva, passeei pela muito húmida zona oeste, fotografei-o junto ao mar e não encontrei quaisquer sinais de oxidação na carroçaria na manhã seguinte. Os quatro cilindros trabalharam sempre por igual e não tive de acertar o nível do óleo no final de cada viagem. Parece que é desta. Parece que, finalmente, a Alfa Romeo fez um automóvel bom. Já não era sem tempo. Talvez assim, ao fim de 112 anos, com tantos argumentos, qualidades e defeitos superados, consigam conquistar novos clientes. E oxidando, isso sim, toda a ironia destas minhas últimas linhas, termino com a mesma pergunta com que iniciei: “E agora? Qual é a desculpa?” Eu sei. Até parece que já os estou a ouvir: “Não gosto de Alfa Romeo. É só problemas. Nunca tive. Mas um amigo do meu cunhado teve um e aquilo estava sempre na oficina.”