Itália é Tri-Campeã do Mundo de Fut… – perdão! – de Autobol
O que dizer de um Campeonato do Mundo que se disputa numa área semelhante a um campo de andebol, colocando-se frente a frente dois países e uma bola? Podia ser de uma modalidade dita tradicional, só que neste caso não. As tentativas de colocar dentro da baliza esse esférico de dimensões consideráveis fazem-se… ao volante! Eis o “Autoball WM 2022”, disciplina que há dias consagrou a Itália como Campeã do Mundo, pela terceira vez, e que contou com um certo pluri-Campeão do Mundo de Ralis a defender as cores do seu país!
Se na Argentina os festejos pelo seu terceiro título mundial de futebol ainda decorrem a bom ritmo e com muito ruído associado, já em Itália talvez sejam muito poucos os que sabem que o seu país voltou a sagrar-se, há dias, Campeão do Mundo de Autobol! Algo que não é assim tanto de estranho, pois apesar de já ter um historial de umas quantas edições, é uma iniciativa de entretenimento do programa “TV Total”, transmitido no canal alemão ProSieben.
Tudo se passa nesse tal campo onde dois condutores, em automóveis exactamente iguais – na presente edição foram usados Opel Corsa “C” – tentam direccionar uma bola, com mais de dois metros de diâmetro e cerca de 15 quilos de peso, até à baliza adversária. Os jogos de qualificação são de cinco minutos e a final de oito, havendo, em caso de empate, dois minutos extra. Depois, se necessário, vai-se a penalties por morte súbita, acabando o jogo assim que uma equipa marcar e a outro falhar o remate. Outras regras dizem que cronometro pára sempre que a partida for interrompida, nomeadamente em caso de faltas – colisões intencionais ou comportamentos antidesportivos – são mostrados cartões amarelos. Se reincidente, o segundo amarelo resulta num penalti.
À semelhança das iniciativas da FIFA e da UEFA, o Campeonato de Autobol alterna entre Europameisterschaft e Weltmeisterschaft. Começou como Europeu, em 2008, edição em que a Alemanha conquistou o seu único troféu até à data, a que se seguiu-se o Mundial de 2010, cuja taça ficou para Itália, o mesmo acontecendo no Europeu de 2012, a única edição em que Portugal foi um dos 8 participantes, ficando-se pelo 3º lugar no seu grupo de qualificação. Veio, depois, o Mundial de 2014, em que foi, também a Itália a amealhar o título, antecedendo uma interrupção em que não houve os Europeus de 2016 e 2020 nem o Mundial de 2018, agora terminada.
O Autoboll WM 2022 decorreu a par com o findo Mundial do Qatar, tendo como palco das batalhas a ZAG-Arena de Hanover, numa Final jogada a 16 de dezembro, dois dias antes de um Argentina x França de cortar a respiração. Nesta versão motorizada, os finalistas foram a Islândia e a Itália, depois de deixarem para trás os representantes da Alemanha, Bahamas, Brasil, França, Nigéria e Turquia. Nós não fomos lá!
Quanto a condutores, oriundos de diversos quadrantes, quase todos tinham ligações à Alemanha: o moderador alemão Sebastian Pufpaff, a cantora brasileira Fernanda Brandão, o influencer gastronómico italiano Stefano Zarrella ou mesmo os futebolistas nigeriano Patrick Owomoyela e islandês Rúrik Gíslason, mais o rapper e actor turco Eko Fresh, ou ainda Jean-Pierre “JP” Kraemer, reputado nome no mundo do tuning, oriundo das Bahamas. Em defesa das cores da França esteve nada menos do que Sébastien Ogier, senhor grande do mundo dos ralis, por oito vezes Campeão do Mundo, e que no meio dos seus imensos afazeres lá arranjou um tempinho para estar com a mulher Andrea Kaiser, apresentadora e dinamizadora de parte das entrevistas e contactos com os jogadores, como parte de uma equipa que tentou transmitir a emoção destes confrontos sobre rodas.
Após os primeiros encontros, Itália e França avançaram no Grupo 1 e Alemanha e Islândia no Grupo 2, para depois o representante italiano deixar a equipa da casa pelo caminho (empate a 2 no jogo e decisão por penalties), enquanto o islandês batia o francês por 3:1. A Final opunha, assim, o até ali invicto Gíslason, representante islandês que até ali ganhara todos os confrontos, com o italiano Zarrella, do país campeão em título, embate a que poderá assistir no Youtube do “TV Total”. não é nada de preocupante se não souber alemão, porque as tácticas, os dribles e as trivelas sobrepõem-se a tudo o resto.
No final e pela quinta vez na história da iniciativa ouvir-se-iam os acordes do “Il Canto degli Italiani”, com Stefano Zarrella a herdar o troféu do seu irmão Giovanni, que representou a Itália em todos os anteriores Europeus e Mundiais de Autobol. Quanto a Ogier, não foi desta que juntou este peculiar ceptro à sua extensa vitrina de troféus, ele que terminou na 3ª posição, ex-aequo com a equipa da casa, pois não houve jogo para apurar o 3º e 4º classificados. Será que o veremos no Euro 2024?
O Autobol será octagenário em 2023
Sim, leu bem, 80 anos, pois o autobol é já bem antigo, caminhando a passos bastante irregulares rumo ao centenário. O primeiro confronto entre carros com uma bola remonta a Junho de 1933, quando os pilotos Karl Kappler e Willy Engesser se defrontaram com os seus Mercedes-Benz e Opel, respectivamente, no campo do então FC Frankonie, em Karlsruhe. A vantagem ficou para o primeiro, por – segundo os registos da altura – “ter pneus melhor adaptados ao terreno de jogo”. Mais tarde Kappler duplicava o número de viaturas em campo, para um jogo em que a Continental terá desenvolvido uma bola com 120 centímetros de diâmetro, driblada por uns hoje bem clássicos Wanderer W10 e Mercedes-Benz Type 290.
No início dos anos ’70, a série ressurgia no Brasil pelas mãos do piloto/ortopedista de futebol Mário Tourinho, com um tal sucesso que até se criou um Campeonato Carioca de Autobol, com o envolvimento de clubes como o América, o Fluminense (Campeão em 1973), o Botafogo (e 1974) e o Flamengo (1975). Os carros, que iam dos Renault Dauphine aos VW “Fusca” (o nosso “Carocha”), entre outros, envergavam as cores das camisolas e os emblemas dos clubes e os jogos faziam-se em campos em terra batida ou saibro, com uma bola feita de couro de búfalo com 1 metro de diâmetro e 11 kg de peso.
A imprensa da altura refere que “os carros de capô mais arredondado eram usados para chutar a bola para o alto, possibilitando que os demais veículos da equipa a enviassem para a baliza. Já os de capô quadrado executavam os passes rasteiros e as cobranças das faltas”. Elucidativo!
Apesar do sucesso, o autobol morreria desse lado do Atlântico por culpa da crise do petróleo, para voltar a ganhar novo fôlego na Europa no final dessa década, imagine-se, na então Jugoslávia. Estávamos em 1978 e a dupla de equipas – Red Star vs Belgrado – percorria o país, sob a direcção de Branimir “Joe” Peric, com os jogadores ao volante de uns minimalistas Zastava 750 Lux, produto local derivado do italiano FIAT 600, ali produzido sob licença. Os espectáculos de exibição sucederam-se por mais dois anos até o público começar a perder o interesse.
Em 1985 o popular programa de TV britânico “Top Gear” lembrou-se do tema e dividiu 10 Toyota Aygo – patrocinador da acção, na altura do lançamento deste pequeno citadino – entre duas equipas, para em 1986 a desforra fazer-se com 5 Toyota Aygo, capitaneados por Richard Hammond, versus 5 VW Fox, produto “made in Brasil”, sob orientação de James May. Veja (ou recorde) aqui e aqui esses encontros muito imediatos!
Doze anos depois, o concurso de televisão alemã “Schlag den Raab”, da autoria de Stefan Raab, servia de rampa de (re)lançamento deste jogo de futebol com carros, servindo de tema num dos seus segmentos, em que concorrentes demonstravam conhecimentos e habilidades motoras. O sucesso foi tal que Raab criava um evento independente e, com isso, uma renovada quinta vida da iniciativa, hoje traduzida no Mundial e Europeu de Autobol.
Pelo meio, em 2010 e aproveitando o facto de ser patrocinador principal do Mundial de Futebol da África do Sul, a Hyundai também teve a sua própria acção de autobol, recorrendo ao recém-lançado i10. Ultrapassadas as eliminatórias e afastados os diferentes adversários, a final seria Brasil x Espanha, com a vantagem final a tender para nuestros hermanos.
Hoje com esse estatuto europeista / mundialista, ainda que apenas e só organizado em solo alemão, por um programa de televisão local, o autobol já cativa milhares de espectadores na região e países vizinhos, nomeadamente os de língua germânica, fruto da sua realização quase paralela aos Europeus da UEFA e aos Mundiais da FIFA. A extensão ao resto do mundo devém dos países participantes – têm sido apenas 8 por edição – e do eco que lhe for dado.
Apesar desses seus quase 80 anos de idade e das múltiplas ameaças de extinção, o autobol parece, assim e ainda, respirar alguma saúde! Até quando? Há que aguardar pelo “Euro 2024” que, curiosamente, decorrerá no seu país de origem, tal como em 1933!
Fotos: Oficiais / Prosieben & TV Total, Sébastien Ogier (Facebook), Jornal o Globo, Hyundai, Arquivo
Vídeos: Oficiais / Prosieben/TV Total, BBC/Top Gear, Dragan Stanić Stanke, Hyundai