Audi e-tron GT quattro – Provavelmente desnecessário, verdadeiramente impressionante
Sei que me vou repetir. E sei que o vou fazer de várias formas e por mais do que uma vez, mas este Audi e-tron GT assim o exige. Desde logo porque é impossível não começar este texto por dizer, uma vez mais, que o eléctrico de que precisamos para “limpar” a mobilidade que o automóvel nos proporciona não precisa de ter nem 500 cavalos, nem 500 quilómetros de autonomia. Nem tão pouco pode custar o que este automóvel custa ou serão poucos os condutores a fazerem a transição que nos dizem ser essencial. Por outro lado, vou repetir-me na utilização de palavras ao descrever um automóvel que, ainda que algo deslocado da relevante questão ambiental, é absolutamente irresistível do ponto de vista emocional. Sim, um eléctrico que é emocional.
Um falso cinzento
Esteticamente, goste-se ou não do e-tron GT – acho difícil alguém não gostar – é inegável o impacto que causa. Parado ou em andamento, o e-tron GT não passará despercebido até ao mais desinteressado dos peões que tenha a oportunidade de o ver de perto. Largo, comprido e baixo, o e-tron GT é um automóvel com uma presença enorme, com uma dianteira cheia de identidade – algo de que poucos eléctricos se podem gabar de ter, por não disporem uma grelha convencional – um perfil dominado pela sua silhueta dinâmica e pela pouca superfície vidrada com janelas sem moldura, bem como por uma secção traseira imponente e musculada, cujos “ombros largos” enchem os retrovisores e com uma iluminação traseira que a parece alargar ainda mais. Este e-tron GT é cinzento, mas de “cinzento” pouco tem, na verdade.
Um interior Audi
Não seria de esperar menos, uma vez que a Audi faz dos melhores interiores do mercado, mas destacar a beleza e solidez de construção do habitáculo do e-tron GT não chega. Não se destaca por ter um ecrã de infotainment enorme, nem por qualquer outro elemento “fora da caixa”, mas sim pela elevada qualidade, transversal a todos os seus elementos, bem como pelo design moderno e digital, mas que não prescinde de botões e outros elementos mais convencionais que em muito ajudam a proporcionar uma experiência de utilização fácil e intuitiva. É claro que mais abaixo no tablier os plásticos “endurecem” e por ali não faltam soluções em comum com modelos de gamas mais baixas da Audi (aqueles botões dos vidros eléctricos…), mas que não fiquem dúvidas, é bom, muito bom, à boa maneira Audi.
Intimidante, também
A posição de condução é excelente. E não digo “excelente” para um automóvel eléctrico, pois é excelente, ponto final. Os bancos, com muito apoio e amplas regulações, e o estupendo volante com ajuste eléctrico combinam-se para que o “piloto de serviço” esteja o mais integrado na acção possível. Ainda que o e-tron GT seja capaz de entusiasmar quem nele é passageiro, é daqui, do lugar do condutor, que melhor se usufrui das suas muitas capacidades, mas foi também daqui que me senti algo intimidado pela sua dimensão, principalmente pela muita largura, ao deslocar-me no centro de Lisboa. Dei, certamente, nas vistas. Pelo belíssimo automóvel que conduzia, bem como pelo extremo cuidado com que abordei as vias mais movimentadas e estreitas da capital.
Um grand tourer para quatro
Ainda que as portas sejam relativamente pequenas e não abram assim tanto, aceder ao banco traseiro é bastante fácil. Já instalado, fiquei surpreendido pelo espaço disponível em altura num GT de quatro portas como este, com um perfil tão baixo e dinâmico. Já para as pernas, a folga é ainda maior, compensando um assento que me pareceu algo curto. Ainda assim, dois passageiros viajam em grande conforto, podendo ali receber um terceiro passageiro no menos simpático lugar central. As janelas, como disse, são pequenas e os bancos dianteiros integrais retiram visibilidade para a frente. Felizmente, a bordo, todos podem desfrutar do enorme tejadilho em vidro e da muita luz natural que por ali entra. Mais atrás, a bagageira pode até ser pouco alta, mas é muito funda, recebendo, sem problema, as malas de fim-de-semana de quatro sortudos que ali se passeiem. O banco pode até ser rebatido, criando, assim, um plano de carga contínuo e debaixo do alçapão há espaço para arrumar os cabos de carregamento. Querem melhor? Na medida do possível, até sabe ser versátil.
Colados ao banco
Passemos ao que mais importa, as sensações de condução do e-tron GT, puramente eléctricas e verdadeiramente impressionantes. Os grandes culpados disso são os motores – um por cada eixo – capazes de largar uns vigorosos 476 cavalos e imediatos 630 Nm de binário no asfalto. Este Audi com tracção quattro 100% eléctrica ganha velocidade como poucos, um poder de aceleração que parece tornar quase insignificantes os efeitos das mais de duas toneladas de peso que tem. Os passageiros mais distraídos, ou até mesmo aqueles que foram alertados, mas que nunca experienciaram algo assim, podem sentir alguma dificuldade momentânea em descolar do banco. Estão avisados, até porque, também momentaneamente, a potência entregue pode chegar aos 530 cavalos. Quanto a modos de condução, estão disponíveis três pré-configurados e um “Individual” que permite combinar três níveis de resposta do acelerador com os dois perfis disponíveis para a suspensão.
Confortável e dinâmico
A suspensão pneumática adaptativa é, assim, outro dos destaques da experiência, dando ao e-tron GT o melhor dos dois mundos: uma grande capacidade de filtragem e de absorção de irregularidades para proporcionar um conforto exemplar e, no outro extremo, um controlo de movimentos impressionante – uma vez mais, considerando a sua dimensão e peso – que lhe permite curvar com a agilidade que se espera de um automóvel bastante mais ligeiro. Não me lancei em grandes aventuras, mas abordei algumas curvas com alguma velocidade acumulada e os Pirelli Cinturato P7 que calçam as jantes de 20 polegadas – de medida 245/45 e 285/40, à frente e atrás, respetivamente – foram os primeiros a dar sinais de que lhes estava a exigir demasiado. Há que entrar mais devagar, ser progressivo com o volante e depois, já a 50% da curva, deixar que o baixo centro de gravidade, a tracção quattro e o incansável pulmão eléctrico façam a sua magia a lançar-nos da curva para fora. Os mais corajosos podem sempre desligar as ajudas, mas acreditem, precisam de espaço e de reacções rápidas para que a experiência seja recompensadora e não saia cara.
Um perfeito rolador
Curiosamente, não foi a explorar a muita potência e as capacidades dinâmicas que mais usufruí deste fantástico e-tron GT. Foi num cenário que normalmente não me permite conhecer tão bem um automóvel e onde menos aprecio o acto da condução, quilómetro atrás de quilómetro, autoestrada fora. Só eu e o potente silêncio dos quase 500 cavalos, interrompido, porém, pela música que não dispenso em viagens longas, mais ainda quando a combustão não entra na equação. Noite dentro, o Audi abriu caminho por entre a escuridão, adaptando a luz de forma a não incomodar os poucos que ainda regressavam a casa ou que já iam a caminho de uma madrugada na estrada. A inabalável segurança que constantemente me transmitiu, a indiferença para com os elementos que enfrentou, a quase interminável disponibilidade de potência e o conforto de rolamento com que sempre me brindou, fez-me desfrutar verdadeiramente da sua condução.
Não preciso, mas…
Com uma média final de consumo de energia de 23 kWh/100 km, é óbvio que a prioridade deste Audi 100% eléctrico não é ser o mais eficiente. É apaixonar pelo design, convencer pelo rigor de construção e impressionar pelo andamento. Acho-o lindíssimo, com uma inquestionável qualidade de construção e é, sem dúvida alguma, impressionante de conduzir. Não estou, com isto, a defendê-lo, contrariando o que sempre defendo. Repito, não é este o veículo eléctrico que acho necessário, mas assumo que, em muitos momentos, foi capaz de me proporcionar momentos de condução memoráveis e admito, igualmente, que a muita potência eléctrica deixou-me, variadíssimas vezes, com um sorriso na cara. As emoções são, claro, muito diferentes das proporcionados por uma potente e sonora berlina ou GT com motor de combustão de 500 cavalos, mas estão lá e eu encontrei-as. Se eu tivesse 130 mil euros, não comprava este Audi e-tron GT pela sua performance puramente eléctrica, mas se a nossa realidade futura é puramente eléctrica e eu tivesse 130 mil euros, comprá-lo-ia, muito provavelmente, por ser um automóvel verdadeiramente impressionante.