Ford Ranger Raptor V6 Ecoboost – No mínimo, indecente. No máximo, absolutamente espetacular
Não sei bem por onde começar. Talvez por dizer que sabia, isso sim, de antemão, que este não ia ser um ensaio como os habituais. Nem tão pouco um daqueles mais emocionais, em que passo uns dias ao volante de um descapotável ou de um rápido desportivo. Não. Passar uns dias com a chave da Ford Ranger Raptor no bolso é um convite constante à rebeldia, ao exagero e a sair da nossa zona de conforto. Eu saí, ainda que pouco.
Não o confundam com irresponsabilidade, por favor. Mas no ambiente certo, com uma bem-vinda margem de segurança providenciada pela solidão de caminhos fora de estrada raramente utilizados, a Raptor permitiu-me ir um pouco mais além do que considero, quase sempre, o limite do aceitável. Isto porque, a bordo, é imediata a sensação de a Raptor é imperturbável perante praticamente tudo o que lhe possamos colocar no caminho. Seja pelas impressionantes dimensões da carroçaria, pela muito folgada altura ao solo ou pelo motor V6 biturbo, tudo parece ter sido pensado para que a Raptor nem hesite quando lhe pedimos para ir, para subir, para atravessar ou para superar qualquer outro verbo que possa aqui incluir.
Sim, é enorme. Mas fui aos Santos nela. Estacioná-la foi, para quem assistiu, uma experiência quase cómica. E sim, também gasta muito combustível, sempre bem acima dos dois dígitos, mais perto dos “indecentes 20” do que dos “simpáticos 10”. Por isso aceitem que custa menos. Mas o que a Ford Ranger Raptor faz, nenhuma outra pick-up à venda no mercado consegue tentar imitar, quanto mais aproximar-se daquilo que são as suas capacidades. Está bem enganado quem pensa que esta é só uma pick-up com um motor mais potente. Não é, de todo, a mais indicada para usar em trabalho durante a semana e que, inevitavelmente, é usada ao fim do dia para as coisas mundanas do quotidiano e ao fim-de-semana para passear. “Nop”. A Ranger Raptor é, assumidamente, um brinquedo. Mas um brinquedo muito sério, totalmente personalizável ao gosto do condutor ou às condições a enfrentar.
Raptor agora a gasolina
O motor de 3.0 litros a gasolina é um colosso de disponibilidade e força. São 292 cavalos de potência e 491 Nm de binário, números que são explorados por uma caixa automática de 10 velocidades que garante que o V6 esteja sempre pronto a levar a Raptor para a frente com vigor. Soa refinado e suave, mas consegue, ao mesmo tempo, impressionar com uma sonante melodia “seis cilindros” que não deixa ninguém indiferente. Está, aliás, disponível um botão que faz variar o som de escape. Aconselho, obviamente, o modo menos aconselhável a usar perto dos vizinhos: o mais barulhento. Quem quiser um Ford silencioso, compra um Mach-e e fica muito bem servido.
Escape, direção e suspensão podem também ser ajustados ao gosto do condutor, estando igualmente disponíveis diversos modos de condução que lhe permitem adaptar-se ao terreno, seja para percorrer caminhos enlameados, areia ou “trepar” pedras e calhaus. Nada, ou quase nada, a consegue parar. Mas mais do que o motor, fiquei maravilhado com o trabalho combinado do chassis reforçado da Raptor com o da suspensão Fox e com a amplitude de competências que assim lhes proporcionam. Relativamente a uma Ranger convencional, a Raptor recebeu, por exemplo, reforços estruturais e de proteção, braços de suspensão em alumínio, bem como uma ligação Watt para um superior controlo de toda a muita física envolvida, principalmente se conduzida agressivamente em ambiente fora de estrada, como tanto gosta.
Em estrada, não fosse a sua imponente dimensão, a mais brutal das Ranger conduz-se com uma facilidade e conforto que pouco a separam de um automóvel mais normal e ligeiro. Mas é fora de estrada que o desempenho da Raptor se torna simplesmente espetacular, com os amortecedores ativos a adaptarem-se em tempo real às condições do piso, filtrando e superando tudo o que lhe possamos colocar à frente e ajustando-se, também, ao modo de condução selecionado. A afinação específica da Ford Performance impede os amortecedores de atingirem os extremos da sua faixa de utilização, evitando ressaltos e descompensações em situações de elevadas compressões e extensões, garantindo a força de amortecimento adequada a cada situação e curso utilizado, bem como uma força máxima nos últimos 25% do curso de suspensão. A teoria impressiona, mas ao volante tudo ganha uma nova dimensão.
Modo Baja, sem hesitar
Escolhido o ambiente adequado, selecionei o modo Baja e lancei-me a umas curvas para fazer um “retrato dinâmico” sem atropelar o fotógrafo de serviço. Tração traseira, ajudas desligadas e bloqueio do diferencial ativo são a receita perfeita para num caminho de terra batida ser fácil soltar a traseira sob aceleração. Ainda que longe, muito longe do limite das suas capacidades, não é, de todo, difícil controlar a Raptor num algo lento, mas recompensador drift. Fotografia feita, refeita e feita novamente, mais difícil foi parar. Impressionante é, igualmente, a aderência dos pneus, mesmo sobre terra ou gravilha, dando sempre confiança para travar ligeiramente mais tarde do que o nosso cérebro aconselha para depois a balancearmos ligeiramente para dentro da curva de onde, posteriormente, a muita tração a vai tirar sob a melodia do bestial V6 que lá vai dentro.
A Raptor, como disse anteriormente, não é uma pick-up convencional. Tem um habitáculo confortável, recheado de equipamento e tem, inclusivamente, uma caixa de carga com cobertura elétrica para proteger o que lá colocarmos. Porém, também não é, com este motor e dimensão, um veículo para todos os dias. Poderá sê-lo noutros mercados, não duvido. Mas no nosso dificilmente o será. Mas o que a Raptor sabe ser, indiscutivelmente, no nosso ou em muitos outros mercados, é ser um automóvel único. De capacidades exclusivas e de sensações incomparáveis. Com uma capacidade de personalização, adaptação e superação de que poucos veículos se podem gabar. Se alguém me disser que preferia ter uma Raptor a um Boxster, quem sou eu para discordar. Ambientes diferentes, competências indiscutíveis.
Enorme, gastadora, cara e brilhante
Gastou 19 litros a cada 100 quilómetros que percorri, é certo. Quase nunca consegui estacionar onde queria e, claro, não nos esqueçamos do preço, nada mais, nada menos do que 82.800 euros, ainda antes de somados os 3.000 euros de extras desta unidade. Por outro lado, nunca tinha conduzido um automóvel assim. Um que, embora pesado, se sinta tão ligeiro. Um que seja tão difícil de justificar e que, assim que conduzido com convicção, depois do alcatrão acabar, começa a fazer todo o sentido. Um brinquedo, sim, talvez seja mesmo isso que melhor a define. Mas um que fez mesmo sorrir, que deu um tremendo gozo de explorar. Uma super pick-up cheia de truques nos seus modos de condução, na brilhante suspensão e diferenciais, com motor de supercarro e que é capaz de trucidar qualquer dito super SUV que ouse meter-se no seu caminho. Saí, ligeiramente, da minha zona de conforto, mas sinto que a Raptor esteve longe, mas mesmo muito longe, de sair da sua.