Ford Focus ST X Track Pack: Perfeito para fazer exatamente aquilo que não podemos
Se me dissessem: “João, este é o último carro com motor de combustão que vais ter para o resto da tua vida”, o João responderia que iria dormir bastante bem todas as noites, para esse resto da sua vida. Isto porque esta mais recente evolução do Focus ST, aqui com o Track Pack instalado, é um digno sucessor – e, quem sabe, um dos últimos – da linhagem de desportivos do modelo compacto da Ford, um nome que, como a marca já fez saber, deixará de fazer parte da sua oferta já em 2025.
Comecemos pelo óbvio e, provavelmente, menos importante, o design. Na minha humilde opinião, o Focus sempre foi um automóvel bonito, mas esta mais recente geração, ainda que não seja tão icónica e marcante do ponto de vista estético quanto a primeira, é a mais bonita de todas. Aprovo o dinamismo da silhueta, com uma linha de cintura elevada e aprecio, igualmente, elementos como a dianteira agressiva e uma traseira que não compromete, com linhas limpas e sem grandes exageros estéticos.
Assim, é-me bastante fácil gostar de um Focus como este, “vestido” a rigor com a farda ST, com elementos pretos e detalhes vermelhos contrastantes e com grandes jantes forjadas de 19 polegadas. Como o poriam os ingleses, “it means business”. E que disso não fiquem dúvidas, apesar do Focus ST parecer, no papel, que parte para a luta entre os desportivos de segmento C com desvantagem por “só” ter 280 cavalos debaixo do capot, quando alguma da sua concorrência – cada vez menor, infelizmente – já atinge ou supera a marca dos 300 cavalos.
Menos cavalos, mas “muito” motor
Neste aspeto, o Focus compensa com um maior pulmão expresso pelos 2.3 litros do motor de quatro cilindros Ecoboost que o equipa, unidade que produz, também, uns bem expressivos 420 Nm entre as 3000 e as 4000 rpm. É um motor “cheio”, um daqueles modernos propulsores sobrealimentados que se revela desde cedo, logo a partir de baixos regimes, mas que não tem medo de fazer rotação. Soa exatamente como é, potente, possante e robusto, tornando-se mais sonoro – com um pouco de artificialidade de admissão misturada com os mais naturais “rateres” de escape – se selecionado um modo de condução mais desportivo.
Nunca tinha guiado um Focus ST, mas não posso dizer que seja uma surpresa o facto de ter achado o comportamento dinâmico irrepreensível. Até porque, para quem conhece o Focus nas suas versões, digamos, mais convencionais, sabe que é um dos mais eficazes e envolventes modelos do segmento, quem sabe, até mesmo o melhor neste aspeto. E se a base é boa, a afinação do Track Pack– que lhe adiciona, por exemplo, amortecedores KW V3 especificamente trabalhados pela Ford Performance e ajustáveis manualmente – eleva a fasquia a um nível verdadeiramente excecional.
Os amortecedores permitem variar a altura (até 15 milímetros), bem como são ajustáveis em compressão em 12 níveis e em extensão até 16 níveis através de pequenos manípulos colocados na base e no topo dos mesmos, respetivamente. Com alguma ginástica, verifiquei que a escala de 0 a 5 da compressão estava ajustada para “4” nos quatro cantos e foi assim que o ensaio prosseguiu. A rigidez é notória e assumida, mas curiosamente a suspensão pareceu filtrar melhor as imperfeições quanto maior era o ritmo. Porém, que isto não sirva de desculpa para andar “sempre a abrir” como este Focus convida. As molas são igualmente 50% mais rijas e rebaixam a carroçaria em 10 milímetros relativamente a um ST “normal”, algo que não me causou quaisquer problemas a superar os obstáculos urbanos.
Posição de condução roça a perfeição
Mas ele convida, também e desde logo, pela posição de condução – ou, neste caso, posto de pilotagem – uma avaliação que é, neste Focus, quase perfeita. As estupendas baquets integrais Ford Performance são garantia de que mesmo a ritmo elevado é possível permanecer bem encaixado e todos os principais comandos – volante com aro grosso, punho da caixa de velocidades e pedais – estão devidamente posicionados para que seja fácil encontrar uma posição confortável e que dê confiança para explorar todas as capacidades deste Track Pack.
A direção é rápida e precisa, qualidades que se repetem nas sensações transmitidas pelo comando da caixa manual de seis velocidades, ainda que a sua atuação me tenha parecido um pouco mais filtrada, não tão mecânica e decidida quanto, por exemplo, num Hyundai i30 N. Os pedais, por outro lado – embora estejam bem calibrados para condução desportiva com “peso” à altura de maiores exigências – pecam por ser muito pequenos, dificultando, por exemplo, o “ponta-tacão” manual que o Focus ST sabe fazer de forma automática. O travão de estacionamento é elétrico, por isso esqueçam lá os ganchos “à la Monte Carlo”.
No ambiente certo, o Focus ST Track Pack é brilhante
Como quis dizer com o título escolhido, o Focus ST Track Pack nasceu para andar depressa. E para o fazer em segurança, na impossibilidade de o usar em circuito, a melhor opção é fazê-lo com responsabilidade numa estrada deserta e a horas adequadas. Foi isso que com ele fiz, colocando-o em modo Sport e lançando-o a uma das minhas “classificativas” preferidas. A desvantagem de 20, 30 ou mais cavalos para a concorrência, não me pareceu ter, nestas circunstâncias, grande impacto. A rapidez com que se ganha velocidade retira quaisquer dúvidas sobre o poder de aceleração destes 280 cavalos e a ótima disponibilidade de binário entra em cena para nos tirar das curvas mesmo que nelas tenhamos entrado “uma” acima do que era suposto.
E para garantir que se tira realmente proveito do muito binário disponível, não falta a este Focus ST um eficaz autoblocante mecânico, controlado eletronicamente, capaz de enviar a totalidade do binário para a roda com mais carga e, assim, com melhor tração, a exterior à curva. O seu efeito é bem notório na forma como a subviragem não só é anulada, como quase dá a sensação de que é preciso dar menos ângulo de direção para evitar que se faça a curva demasiado “por dentro”.
Pneus e jantes são específicos
Também a borracha Pirelli P Zero Corsa específica de medida 235/35 tem muita responsabilidade no comportamento exímio do eixo anterior, trabalhando com o autoblocante para transformar os números da potência e binário em aceleração efetiva, bem como com a direção para o permitir colocar com precisão na trajetória escolhida, contribuindo com um praticamente nulo movimento da sua parede, mesmo sob condições de maior exigência. As jantes mais leves são outro elemento de destaque, permitindo uma dieta no peso não amortecido de 1,5 kg em cada roda.
Esta dureza e muita aderência dos pneus é muito bem explorada pela eficácia do trabalho da suspensão, capaz de controlar bem a carroçaria do Focus nos momentos de maior apoio e assim de o manter a curvar plano, quase paralelamente ao piso, maximizando o contato da borracha com o asfalto e assim garantindo a tração que se exige e uma elevada velocidade de passagem de curva. Relativamente a travões, o Track Pack eleva a dimensão dos discos dianteiros de 330 para 363 milímetros e as pinças Brembo de quatro êmbolos garantiram sempre uma mordida forte, progressiva e sem sinais de fadiga nas várias desacelerações mais intensas que lhes pedi.
“Canhão”, até no preço
O Focus ST Track Pack é um desportivo absolutamente delicioso de explorar, puro e duro. Neste segmento, independentemente dos potenciais tempos registados num qualquer circuito ou troço, talvez só o Megane Trophy-R – entre os modelos que conheço – seja ainda mais radical na sua abordagem. Este Focus não é, como esse muito especial Renault, um carro de corridas com matrículas, mas sim um familiar – algo mais gastador, sim, com médias entre os 8 e os 10 litros/100 km – com um habitáculo espaçoso e bem equipado, capaz de elevar (e muito!) as sensações de condução na estrada certa ou, melhor ainda, num track day.
Com um preço base de cerca de 51 mil euros, aos quais devemos adicionar os 3600 euros pedidos pelo Track Pack, é caso para dizer que, considerando os preços da concorrência, é mesmo perfeito para fazer exatamente aquilo que não podemos fazer na via pública. Há que levá-lo, enquanto é possível, a sítios como o traçado de Nordschleife no circuito de Nürburgring, um dos locais onde foi desenvolvido. Era o que o João faria, se pudesse. O João adorou o Focus ST Track Pack. O João não se importava, nem um bocadinho, que este fosse o seu último automóvel com motor de combustão. O João anda a dormir mal.