Um dia duplamente inesquecível com a Toyota Gazoo Racing
Tenho a certeza de que não existe nem um entusiasta de automóveis por este país fora e além-fronteiras que não tenha sonhado com a possibilidade, ainda que muito remota, de um dia vir a tornar-se piloto profissional. Mas só agora, e mesmo sem estar ao volante, tive uma real noção do que isso representa.
Da terra ao asfalto, do enlameado palco do campeonato do mundo dos ralis ao mais limpo e ainda mais exclusivo círculo da Fórmula 1, o mundo da competição tem tanto de apaixonante como de desconhecido, inclusivamente para alguém que acompanhe as corridas das principais disciplinas de forma assídua, que saiba parafrasear as alíneas menos lidas dos respetivos regulamentos e que guarde no seu arquivo mental as mais obscuras curiosidades de uma determinada prova realizada num longínquo passado. E desconhecido porquê? Porque se visto de fora o mundo da competição automóvel é absolutamente viciante e excitante, estar, pela primeira vez, por dentro da ação, mais concretamente no lugar do copiloto, foi uma experiência que jamais esquecerei. Uma experiência proporcionada pela Toyota Caetano Portugal que foi, na verdade, em dose dupla e que me colocou, primeiro, a bordo de um Toyota GR Yaris da Toyota Gazoo Racing Iberian Cup, bem como, mais tarde, numa impressionante Toyota Hilux T1+. Arranquemos.
GR Yaris TGR Iberian Cup: A primeira dose
A bordo do GR Yaris da Team Caetano Auto esperava-me o piloto Pedro Lago. Vencidas as dificuldades inerentes à inexperiência deste vosso copiloto por um dia com a ajuda da organização – como colocar corretamente o capacete, superar o rollbar de proteção e apertar o cinto de segurança de seis pontos – instalei-me no lugar normalmente ocupado por Ricardo Faria. Apresentações feitas e depois de uma ligeira introdução à máquina que me permitiria ter uma primeira experiência num automóvel de ralis, saímos em direção ao início da pequena, mas exigente classificativa.
Rapidamente me apercebi do quão boa ia ser a experiência, mas a rapidez com que achei que o pé do Pedro já devia de ter soltado o acelerador não foi menor. Isto porque se aproximava uma curva que, à partida, me pareceu exigir menos velocidade de entrada. Só que não. Afinal era só uma reta disfarçada de curva, descrita com uma primeira escorregadela do eixo traseiro que me fez largar uma primeira gargalhada que tentava disfarçar um misto de nervosismo com adrenalina. Pouco me lembro da primeira sequência de curvas, mas recordo com relativa precisão aquela que foi uma abordagem, aos meus olhos, perfeita, às bem mais lentas encadeadas que se seguiram. Uma travagem forte sincronizada com rápidas reduções de caixa e acompanhada de alguns golpes de volante retiraram o Yaris da sua trajetória e permitiram colocar o eixo dianteiro perfeitamente apontado para o interior da primeira direita. Pareceu-me tão fácil e tão natural para o piloto de serviço que, imagino, só pode ser difícil e o resultado de muito treino e talento. Passámos tão perto do pequeno morro de areia que pensei sinceramente que se ia sentir algum, ainda que ligeiro, contato. Mas nada. Zero.
Segundos depois já o Yaris tinha as quatro rodas bem cravadas no piso, procurando tração depois do Pedro ter esmagado o pedal de acelerador, retirando-nos da primeira direita e catapultando-nos para a esquerda seguinte. Seguiu-se uma zona intermédia do troço onde o travão de mão hidráulico foi um excelente aliado para desequilibrar e assim ajudar a colocar o Yaris nas curvas seguintes, bem como para compensar alguma subviragem nas zonas lentas onde o cascalho acumulado sobre piso duro retirava precisão na colocação das rodas da frente. Foi mais ou menos nesta fase que me apercebi, uma vez mais, da tarefa árdua e corajosa que é ser-se um bom copiloto. Colocado em posição baixa no habitáculo do Yaris, tive de me esforçar por diversas vezes para contrariar a física e conseguir ver o caminho à frente, por cima do tablier. Sim, eu não estava ali para “cantar” notas com a destreza de um copiloto profissional que não só vê, como também sente o carro a mexer-se debaixo de si, “lendo” a dança do Yaris de curva em curva e antecipando as notas seguintes que dizem ao piloto o que fazer. Se o Pedro dependesse de mim, duvido que chegássemos ao final da classificativa. Felizmente, a minha presença a bordo do Yaris tinha outro propósito.
O final aproximava-se, bem o sabia, e se por um lado queria andar o mais depressa possível, por outro não queria que a experiência terminasse. Por esta altura estava, por isso, muito concentrado em absorver e usufruir ao máximo daquele momento. Um que, em menos de nada e como eu esperava, terminou, após uma última secção mais veloz da qual guardo um momento mais “no limite” em que uma rápida – e na dose certa – reação de contra brecagem foi “buscar” a traseira do Yaris que decidiu alargar-se numa esquerda rápida. Daí até ao final, o ligeiro, mas intenso GR Yaris limpou com destreza os derradeiros metros, superando com destreza o salto final e parando, depois, junto da tenda da TGR. Cumprimentei e agradeci ao Pedro a sua simpatia e pela oportunidade de com ele partilhar o habitáculo do seu GR Yaris. “Então, João, gostaste da experiência? Não íamos a fundo, mas acho que já dá uma boa ideia!” Respondi com uma última e inexperiente nota: “Não íamos a fundo?!”
Hilux T1+: A dose de reforço
Fui informado, ainda antes do almoço, que a experiência a bordo da Hilux T1+ do piloto João Ramos seria, por um lado, mais “confortável”, mas por outro ainda mais espetacular e mais intensa. Decidi, por isso mesmo, não me prolongar demasiado tempo à mesa. Uma refeição ligeira acompanhada de uma água bem fresca para compensar o muito calor que se fazia sentir e estava mais do que pronto para aguardar pela minha vez de ocupar novamente o lugar de copiloto.
Aceder ao habitáculo da Hilux é, no fundo, subir lá para dentro. Novamente com a assistência dos elementos da equipa, instalei-me na baquet de competição e os cintos foram apertados e ajustados de forma a imobilizar por completo o corpo. Saímos a ritmo tranquilo em direção à zona de partida do troço de demonstração, este mais extenso e exigente do que o percorrido pelo mais ágil GR Yaris. Antes do primeiro gancho, o experiente piloto de serviço rodou um interruptor central na consola e fez surgir no display as palavras “Anti Lag Soft”. O ponto alto da experiência ia ter início em breve, mas quando dei por isso já este tinha começado, pois a Hilux já estava a rodar num apertado e lento drift em que não íamos, certamente, a mais de 40 ou 45 km/h. Porém, já alinhados para a primeira zona rápida, e depois de duas ou três decididas passagens de caixa estávamos já no salto, zona onde voltaríamos a voar baixinho no final do troço. A subtileza com que aterrámos deixou-me surpreendido, uma vez que, ainda que as rodas não tenham retomado o contato com o piso ao mesmo tempo, a suspensão fez um trabalho incrível ao suportar novamente a Hilux em cima de si, não provocando qualquer ressalto e permitindo que o primeiro input de direção dado colocasse a veloz pick-up perfeitamente apontada para a ligeira viragem que se seguia. Impávidos e serenos, mas velozes e espetaculares, seguimos “viagem”.
Entrámos depois na zona mais sinuosa que tanto me impressionou durante a manhã quando lá passei de Yaris. A bem maior Hilux teria certamente mais dificuldade em passar com a mesma destreza pela apertada sequência de curvas e contracurvas, mas agora que recordo com saudade aqueles minutos, a verdade é que a maior e mais pesada pick-up fintou as leis da física tão bem ou melhor do que o Yaris, com uma facilidade que impressionou tanto o Isaac a bordo como impressionaria o outro de igual nome que dedicou a vida a estudar essa área científica. A bordo, o ensurdecedor motor V6 biturbo continuava igualmente a dominar as atenções, inundando o habitáculo com uma sonoridade que tinha tanto de pura e melódica, como de possante e robusta.
Após as inúmeras passagens feitas ao longo do dia, o piso estava já muito degradado em algumas zonas, mas o impressionante curso e capacidade da suspensão, aliada à dimensão das rodas, não só permitiram à Hilux superar essas zonas com facilidade, como lhe proporcionam uma motricidade incrível, mantendo sempre os pneus em contato com o solo. Recordo-me de ver o João completar uma zona mais sinuosa com apenas a mão esquerda no volante, pois a direita dividia-se entre a caixa e o travão de mão, em repetidas passagens e aplicações momentâneas de bloqueio das rodas que lhe permitiam colocar a Hilux a seu gosto para o que se aproximava no seu campo de visão. Dei por mim a pensar na quantidade de treino, dedicação e talento exigidos para tal exercício.
Um pouco mais à frente, outro momento que também não me saí da cabeça. O velocímetro, tenho a certeza, marcava um valor com três dígitos e a Hilux dirigia-se ao topo de uma ligeira elevação, suficientemente inclinada para, naquele momento, só me ser possível ver o azul do céu via para-brisas. Posso também afirmar com bastante certeza de que o João rodou o volante para a esquerda antes do topo, mas a curva seguinte – pelo menos para mim, cega – era para a direita. De uma forma perfeitamente natural, a traseira soltou-se sob aceleração e fomos deslizando até ao cimo onde à muito ligeira perda de contato com o piso seguiu-se uma perfeita escorregadela já compensada de antemão. Aos meus olhos, a curva saiu perfeita.
De seguida, voltei a ficar estupefato com o trabalho e eficácia da suspensão. Aproximava-se uma direita rápida com uma profunda vala interior que, pensei eu, devia ser evitada a todo o custo. Não podia estar mais enganado. A roda da frente foi lá propositadamente colocada, colando a frente na trajetória certa e, acima de tudo, sem com isso provocar qualquer desequilíbrio à Hilux, uma vez que as rápidas extensão e compressão da suspensão permitiram à roda ir ao ponto mais baixo e de seguida regressar à sua posição normal, sem quaisquer sinais de hesitação do João ao fazer essa abordagem.
Aproximava-se o inevitável final da “prova”, mas ainda antes da segunda passagem pelo salto, esperava-nos uma zona rápida onde a muita aderência dos pneus na forte e tardia travagem sobre gravilha me deixou incrédulo. Não me parecia possível parar a tempo da última direita, mas a transferência de peso de trás para a frente cravou as rodas dianteiras no solo sem quaisquer sinais de bloqueio e uma bela execução do famoso “scandinavian flick” deixou a Hilux pronta para o gancho final que antecedia o aguardado salto. Ao longo do dia, assisti “da bancada” à forma mais decidida com que o João abordava a segunda passagem pelo salto, brindando os convidados com um voo mais alto e prolongado. Já sabia, por isso, o que me esperava. Não tive tempo de olhar para o velocímetro no momento imediatamente antes da descolagem, mas a prova de que íamos mais depressa rapidamente chegou, com a Hilux a regressar ao solo bem mais à frente, até um pouco fora da pista, algo que, ao longo do dia, não fez o João mudar de estilo de condução, garantindo que todos pudéssemos desfrutar do espetáculo, fora da Hilux e, em especial, a partir do habitáculo. Inesquecível. Duplamente inesquecível.