Mazda MX-5: O Miata pode ser de qualquer cor, desde que seja preto
Escrevi, em tempos idos, que o MX-5 é um automóvel de partilha. Um automóvel de sensações, extensíveis ao lugar do pendura. Pois bem, na minha viagem anual à Serra da Estrela a bordo de um dos meus preferidos de sempre, comprovei, este ano, que tinha razão no que defendia.
Já não resisto. Sempre que tenho oportunidade, pego num dos meus automóveis favoritos e aponto-o a um dos meus destinos de eleição no nosso belo Portugal, a Serra da Estrela. A desculpa é sempre a mesma. Ir à procura de um manto branco de neve que, este ano, outra vez, deu lugar a um da invisibilidade, tal e qual ao descrito nas linhas mágicas de Harry Potter. Neve? Nem vê-la.
Não queria, por outro lado, e tal como quando Raul Solnado chegou à guerra para a encontrar fechada, apontar às Penhas da Saúde e levar com uma cancela a bloquear-me a passagem. Queria só um pouco, um “coche”, um “conhé”, uma “beca” de neve. Só isso. Só para ter o gosto da paisagem e do frio, de poder atirar umas bolas aos meus amigos, do desafio da condução e, claro, para ter uma desculpa para ligar o aquecimento dos bancos de que tanto gosto.
Mas não foi a falta de neve – por muito que goste dela e que a use como justificação para ir à Estrela todos os anos – que me impediu de aproveitar a experiência. Porque como diz aquela velha máxima tão usada por viajantes, “não é tanto o destino que importa, mas sim a viagem”. E este ano a viagem foi especialmente boa. A melhor de todas que ali fiz de MX-5, garantidamente.
Tudo isto porque fui com um grupo de gente boa, de amigos de e para a vida e porque dividi o MX-5 com uma fã do mítico Miata que, tal como eu, é-o cada vez mais. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que nos juntámos os três: eu, a Marisa e “Ah! Um Miata!” Uma adepta até então discreta, mas que, a partir daquele dia, revelou que, tal como eu, dificilmente resiste à condução, ao som e às sensações do MX-5.
Saímos de Lisboa e parámos em Aveiras para o obrigatório “esticar de pernas”, café – sem açúcar, claro, para não estragar – e para ouvir os colibris à solta nas casas de banho, cantando ao som de autoclismos automáticos e pouco higiénicos secadores de mãos supersónicos. Já o tínhamos combinado previamente e queria mesmo que a Marisa conduzisse e desfrutasse do MX-5 tanto como eu. Por isso, à saída da área de serviço, dei-lhe a chave para a mão e senti nela o entusiasmo que sempre me invade de cada vez que vou à Mazda buscar um MX-5. É sempre igual, mas é sempre bom.
Já ao volante, a Marisa não precisou de mais do que uns segundos e umas dezenas de metros para esboçar os primeiros sorrisos, “vestindo” e conduzindo o MX-5 como ele gosta de ser conduzido, com empenho, com rotações altas e passagens de caixa rápidas e decididas e com, acima de tudo, gosto pela condução. Era notório, não dava para o esconder.
Mas não foi por a partir desse momento ter passado a ocupar o lugar de passageiro que o MX-5 deixou de me fascinar. Nunca o tinha apreciado daquela perspetiva, é certo, vendo-o ser bem explorado e a provocar na Marisa aquelas constantes expressões de aprovação: “sim, era mesmo isto”. São as mesmas que eu faço, imagino, mas que nunca vejo. “Eu não podia ter este carro”, disse-me com um sorriso de quem dificilmente resistiria à tentação diária de carregar no acelerador mais do que devia.
Nunca tinha, também, acompanhado a subida do ponteiro das rotações acompanhada daquele bonito ronco do pequeno quatro cilindros a partir dali. Ouvimos muita música, mas o motor esteve sempre à altura, com a banda sonora perfeita. Mas se, por um lado, é verdade que é difícil resistir ao constante convite a acelerar – mas que, como dizia o nosso companheiro de viagem: “Porém não posso, porém não posso…” – também é verdade, por outro, que assim que lhe perguntei a cor que escolhia para o seu MX-5 percebi que não era a primeira vez que pensava nisso.
Antes da subida à Covilhã, nova paragem numa área de serviço e nova troca de condutor. Como não nos faltava muita autoestrada pela frente, decidimos baixar a capota e colocar algo na cabeça – especialmente eu – para compensar o frio que, novamente, não encontrámos. Seguimos serra acima e os primeiros cumprimentos e olhares de aprovação começaram a surgir. O MX-5 está longe de ser um exótico ou um automóvel raro, mas a simplicidade e beleza do seu design continua a dar as vistas e a agradar à sua passagem.
O resto da nossa malta – também a bordo de um Mazda, um bonito 3 de 2017 que podem conhecer melhor clicando aqui – também o confirmou à chegada da Torre. Não havia a espessa, fofa e desejada neve, nem tão pouco um contrastante céu nublado para cortar o bonito efeito de cores quentes que o sol de inverno pintou nas curvas do nosso MX-5 Zircon Sand. Encaixava bem na paisagem e as fotografias, garanto-vos, não lhe fazem justiça. Nem, muito provavelmente, as minhas palavras.
Dali até Manteigas, onde passámos a noite, o MX-5 não teve grandes oportunidades de voltar a brilhar. No sentido literal da expressão porque o sol já não tinha altura para banhar o vale, bem como no figurado, uma vez que a bonita estrada do Covão da Ametade estava em obras. Já de capota fechada, estacionámos a dupla Mazda à beira da estrada e fomos todos recolher bem cedo, à boa maneira da “faixa etária”. Frio? Pouco. Neve? Nada. Vinho e comida quente? Estavam à nossa espera, felizmente.
Na manhã seguinte saímos cedo. O MX-5 estava, como esperado, sombrio e coberto de uma fina camada de geada matinal que lhe ofuscava todo o brilho que refletiu no dia anterior. Acordou rouco, como sempre faz nos arranques a frio, mas pronto a seguir viagem. Já perto do sítio escolhido para tomar o pequeno-almoço, olhámos um para o outro ao nos cruzarmos com um parque de estacionamento pelo qual tínhamos passado antes. Um MX-5, um botão para desligar o controlo de tração e um pedaço de terra batida. Quase não precisei de terminar a pergunta porque a minha copiloto rapidamente consentiu. Peço desculpa ao agrupamento de escoteiros de Manteigas – que me fitou, desconfiado, ao longe – mas a escorregadela era essencial. Foi “soft”, juro.
No regresso a Lisboa voltámos a dividir o volante do MX-5. À vez, lá fomos tentando conter a pressão no pedal da direita, mas a verdade é que nenhum dos dois resistiu momentaneamente a aumentá-la ou, a partir do lugar do pendura, a incentivar o condutor de serviço a fazê-lo. Das curvas junto a Belver, onde almoçámos, aos inúmeros acelerados arranques a partir das portagens, passando, obviamente, pelo encanto do tapete negro desenhado em torno do maciço da Estrela, o MX-5 voltou a mostrar o que vale. Vale muito.
Não há, neste patamar de preço, potência superior, eficiente eletrificação ou extensa lista de equipamento que supere a pureza das sensações e a ligação que o MX-5 proporciona com o seu condutor. Continua a ser, tantos anos após o seu lançamento, ainda um dos meus preferidos da atualidade. Posso, também, garantir que o é para a minha companheira de viagem. Tal como diria Henry Ford e como o disse a Marisa: “Pode ser de qualquer cor, desde que seja preto”.