O Giulia é arte. Desejar, faz parte
Assim que entrei neste Giulia pela primeira vez, pensei: “Não vou poder fazer um ensaio como os outros.” E decidi, efetivamente, não o fazer. Sei ser imparcial e consigo, sem quaisquer influências daqueles que são os meus gostos pessoais no mundo automóvel ou de excessivas emoções associadas, reconhecer que este não é um automóvel isento de falhas. Mas a Alfa Romeo e, em particular, esta mais recente geração do Giulia terão para sempre direito a um espaço muito especial no meu arquivo de preferências no círculo, não literal, das quatro rodas.
Se há quem esteja sentado em silêncio, ao longo de várias horas, a absorver toda a profundidade da mensagem e visão expressa nas pinceladas impressionistas de um Monet – comportamento que compreendo mesmo sem as bases para o perceber – admito que sou capaz de fazer o mesmo com o Giulia. E não preciso de uma sala cirurgicamente limpa, de um confortável cadeirão, nem da iluminação perfeita e do silêncio sepulcral de um museu para o fazer, pois mesmo no apocalíptico caos da minha praceta dei por mim a olhar para o Giulia e a desligar por completo de todo o ruído, não apenas sonoro, que o envolvia. As linhas são subtis e elegantes e as proporções estão “no ponto”, levando-me a olhar por cima do ombro, às vezes repetidamente, só para o admirar novamente antes de entrar em casa.
O habitáculo recebe quatro passageiros com conforto, requinte e o espaço que se espera de uma berlina deste segmento, mas o lugar que importa ocupar é em frente ao volante. A posição de condução não deixa, aliás, quaisquer margens para dúvidas. O desenho elegante, mas desportivo, do tablier, as enormes e robustas patilhas para controlo da caixa automática, o suporte e envolvência do banco e a quase total ausência de comandos táteis elevam a experiência a um patamar de pureza e textura sensoriais já difícil de encontrar no cada vez mais frio, artificial e desligado panorama automóvel atual. Sou defensor do automóvel racional, adaptado às exigências atuais, ambientais e espaciais, cada vez mais até, mas sou, acima de tudo, um entusiasta racional que se emociona com facilidade. Não precisar e não conseguir são raciocínios absolutamente vazios e sem importância quando o desejo de o ter e conduzir é incomensuravelmente superior.
Já conduzi o todo-poderoso Quadrifoglio, até mais do que uma vez, e não senti em momento algum que os 280 cavalos deste muito menos explosivo Competizione não me chegassem. Ainda que falte uma sonoridade mais entusiasmante e algum carácter ao motor de quatro cilindros deste Giulia, a verdade é que é uma potência muito refinada e disponível, bastante mais utilizável no quotidiano do que os colossais 520 cavalos do Quadrifoglio, para os quais são necessárias outras condições para deles se usufruir. Apesar de muito menos focado na máxima performance e eficácia dinâmica, o brilhantismo do trabalho realizado pela Alfa Romeo no desenvolvimento do chassis do Giulia continua a revelar-se, ainda que não seja acompanhado por todas as especificidades que o trevo de quatro folhas lhe incorpora.
A direção é das mais rápidas que já tive oportunidade de experimentar, com um grau de precisão disponível nas pontas dos dedos que é verdadeiramente delicioso. Exige até alguma habituação, pois o ângulo de volante necessário é muito inferior ao habitual, permitindo manter ambas as mãos no mesmo sítio ao curvar e reduzindo o atraso na colocação das rodas da frente exatamente no sítio onde queremos. As grandes patilhas em alumínio para controlo da caixa de 8 velocidades garantem que é extremamente difícil falhar uma redução ou passagem acima uma vez que não acompanham os movimentos do volante, estando fixas na coluna de direção.
Tal como a direção, também os travões exigem algum treino do pé na hora de forçar a desaceleração deste quadro com rodas. A capacidade de travagem está lá toda, poderosa, segura e consistente, sem quaisquer sinais de fadiga após alguns abusos. Mas não existindo ligação mecânica do pedal com os travões propriamente ditos, os condutores mais sensíveis poderão sentir um pouco a falta daquela camada extra de comunicação. Eu também o senti momentaneamente, mas a verdade é que toda a envolvência da condução rapidamente levou o meu pensamento para a próxima curva.
O amortecimento variável permite duas afinações distintas, sendo possível ter o Giulia no modo de condução mais desportivo e a suspensão no modo mais brando, a melhor combinação para uma estrada secundária sinuosa cujo asfalto já viu melhores dias. No modo mais macio, a suspensão dá ao Giulia um conforto de rolamento e uma subtileza na absorção de imperfeições do piso que a sua assumida veia desportiva e pneus de baixo perfil não deixam adivinhar, sendo igualmente surpreendente a capacidade dinâmica que o Giulia já revela ainda antes de se selecionar a afinação de suspensão mais firme. Resisti pouco tempo, admito.
Já na minha estrada de eleição, onde o bom alcatrão abunda e as retas são raras, dei por mim a abordar as curvas com uma confiança bem acima da média. A entrada é precisa e controlada, a velocidade de passagem muito elevada e a saída é estável e decidida, com a tração integral a colocar, sem hesitações, toda a potência no chão. A todo e a cada momento o Giulia transmite a sensação de que as rodas estão carregadas de forma equitativa, com a distribuição da potência, a elaborada geometria da suspensão e uma quase perfeita distribuição de peso a combinarem-se para elevar o desempenho dinâmico ao nível do que de melhor se faz neste e, inclusivamente, noutros segmentos.
O som algo contido e a entrega linear do motor dois litros turbo podem até não entusiasmar, mas a verdade é que os 280 cavalos e os 400 Nm de binário, aliados à aderência da borracha Pirelli e à eficácia da tração integral Q4, levam este Giulia a acelerar de 0 a 100 km/h em 5,3 segundos. A caixa automática é também outro dos pontos altos da condução, suave e discreta a ritmos moderados, rápida e responsiva na hora de acelerar e desfrutar das habilidades dinâmicas do Giulia. O consumo, esse, é algo elevado, mas, e regressando a Monet, é como ter uma pintura sua na nossa sala com uma moldura de gosto duvidoso. Um detalhe que pouca ou nenhuma importância tem. E agora que já mostrei que não percebo nada de arte de pendurar na parede, assumo, sem problemas, que também não consigo esconder o quanto aprecio arte sobre rodas.