Elétrico vs. Combustão: Os verdadeiros incendiários?
“Então diz-me lá, João, devo comprar um elétrico?” “Não” e “sim”, respondo quase sempre quando mo perguntam. E perguntam muitas vezes. “Depende da utilização que vais dar ao carro e depende, também, de quanto tens e queres gastar”, acrescento. Porque sou totalmente a favor do automóvel elétrico, mas não para todos e muito menos para tudo, pelo menos para já.
Isto porque nem todos temos o poder financeiro para chegar aos preços exorbitantes de um elétrico – obrigatoriedade que nos privará do acesso à essencial mobilidade particular, como apontado, e bem, repetidas vezes, por Carlos Tavares, CEO da Stellantis – e porque outros tantos condutores e famílias não tem ainda acesso a um ponto de carregamento privado (nem vão ter no tempo que lhes resta, lamento informar).
A luta EV versus ICE estende-se às incontroláveis e tantas vezes apalermadas redes sociais, alimentadas por bombásticas manchetes que abrem as notícias de automóveis a arder e que se propagam com ainda mais velocidade do que o próprio fogo. “Fogo terá tido início num Tesla, acabando por se alastrar a outros carros”. Duzentos automóveis para a sucata no passado mês de agosto, em Lisboa, por causa de um elétrico. Após a leitura deste destaque, “velhos do Restelo” (e de outras paragens) agarraram-se aos seus veículos a combustão que nem cotão a velcro e vieram defendê-los e às suas emissões de escape, “incendiando”, novamente, a conversa.
Mas eis que, afinal, parece que não, parece que coiso e tal e que, após investigação, se justifica repor a verdade, uma verdade que rapidamente se transforma num novo ataque ao automóvel, desta vez ao verdadeiro culpado, o motor de combustão: “Mercedes com 21 anos provocou o incêndio no Prior Velho”, li esta semana. Afinal foi um “carro velho”, dizem, aquele que o português consegue suportar, que usa para ir trabalhar, pagar contas e sustentar e cuidar da família. Porque então, conclui-se agora, sustentável é trocarmos de automóvel de quatro em quatro ou de seis em seis anos.
Tudo certo, então. Com este novo incentivo ao elétrico, teremos ar limpo e menos ruído nas cidades. E até porque vivemos num país com salários e uma política de tributação que também incentiva à compra de novos automóveis, como se essa fosse, neste momento, a prioridade da maior parte dos portugueses, trocar de carro, antes de pagar a renda da casa e de pôr comida no prato.
Gasolina, Diesel, mild hybrid, full hybrid, plug-in hybrid, GPL, GNC, elétrico a bateria, elétricos com pilha de combustível a hidrogénio, combustíveis sintéticos, trotinetes, bicicletas e transportes públicos. Vivemos numa era com cada vez mais soluções e procuramos uma só, suportando uma discussão que não só não resolverá o problema, como o intensificará, promovendo uma luta que atrasará a mudança de mentalidades e implementará, cada vez mais, um cenário de dúvida perante tanta desinformação que apela apenas ao “gosto” fácil e à “setinha” da partilha que dissemina ainda mais a mensagem errada.
Temos um problema para resolver, reconheço que sim, e um que não tem solução fácil. E essa solução passa pelo elétrico? Sim, sem dúvida. Mas, atualmente, não em exclusivo, isso garanto-vos. A solução passa pelas soluções todas, a mais adequada às necessidades e capacidades de cada um de nós. E não, não o digo por ter recentemente comprado um Mercedes “velho” como o que, pelo menos até nova investigação e novo e avassalador título, causou este incêndio, mas porque os carros, infelizmente, vão continuar a arder, os de combustão e os que têm uma bateria.