O novo C4 é todo o Citroën que sempre deveria ter sido
Avaliar um novo automóvel que é, na verdade, uma nova geração de um modelo que me é muito familiar tem duas vertentes distintas. Por um lado, se gosto do modelo, o suficiente para ter um, arranco para o ensaio com um conhecimento diferente, com uma experiência assente em anos de utilização, e por outro, a expectativa e curiosidade é mais elevada do que na maior parte dos casos, em que me proponho a avaliar um novo carro, considerando, quando possível, os seus antecessores e rivais como referências, mas sem os conhecer tão bem quanto conheço este, o Citroën C4. Isto tudo para dizer que, mantendo-me imparcial, queria gostar do novo C4.
Batentes hidráulicos. Claro que sim
Um Citroën tem de ser, antes de qualquer outra coisa, um automóvel que se distinga, com uma identidade muito própria, fruto de uma imagem e soluções tecnológicas diferentes e inovadoras. E ao nível estético, o novo C4 está lá. Não se confunde com nenhum outro modelo do mercado, é um Citroën. Bonito ou feio, só os olhos e gostos de cada um o dirão, mas anónimo, nunca. E se, esteticamente, acho que a marca francesa acertou “na mouche”, não queria encontrar nele algo que me fizesse dizer “isto é que não”. Ou, por outro lado, uma condução, também ela, sem personalidade. O seu foco é, obviamente, o conforto, mas essa é, na verdade, a prioridade máxima de um Citroën, faz parte dos seus valores, da sua abordagem, mover-se, impávido e sereno, sobre tudo – ou quase tudo – o que lhe possam colocar à frente. Essa é a verdadeira personalidade de um Citroën.
E confirma-se. O conforto deste novo C4 é o conforto digno de um Citroën. A suspensão com batentes hidráulicos progressivos faz milagres, dando uma dupla capacidade ao C4. Isto porque consegue dar-lhe o tão apreciado efeito tapete voador, através dos amortecedores e molas de afinação branda, mas que são, em situações de compressão e extensão mais exigentes, compensados pela presença dos batentes especiais, eliminando pancadas secas e ressaltos, bem como qualquer desconforto e instabilidade que pudessem resultar do excessivo adornar de carroçaria, bastante controlado. Assim sendo, passa com distinção nos dois pontos essenciais de um Citroën, a imagem e o conforto.
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Motor. No meio está a virtude
Passemos ao motor, capítulo em que a Citroën não deixou nenhuma opção de fora da gama. Nela há um ë-C4 para quem o quiser totalmente eléctrico, há, também, um dos mais eficientes motores Diesel do mercado, o 1.5 BlueHDi, disponível com dois níveis de potência, e há, obviamente, motorizações a gasolina, todas baseadas no enérgico três cilindros de 1.2 litros, com 100, 130 ou 155 cavalos. Calhou-me o intermédio e ainda bem, pois no meio está mesmo a virtude. Este C4 acelera com vigor, principalmente se seleccionado o modo Sport, e os consumos em ciclo misto nunca fogem muito dos 7 litros/100 km. O tricilíndrico pouco se faz ouvir, principalmente em autoestrada, ambiente onde melhor se nota a muito boa insonorização. Este “meu” C4 está, igualmente, equipado com a caixa automática EAT8. E se prefiro sempre (ou quase sempre…) uma transmissão manual, tenho de admitir que esta automática só me ajudou a desfrutar, ainda mais, de uma experiência incrivelmente confortável.
O espaço para os passageiros de trás também me surpreendeu. “Sentei-me atrás de mim” e ainda fiquei com 5 dedos de folga até às costas do banco do condutor, ajustado para a posição mais baixa e para os meus 1,8 metros de altura. O lugar central é prejudicado pelo habitual túnel central, mas em largura para os ombros, mesmo sem ter outros dois pares deles para o testar, o C4 pareceu-me melhor do que alguns dos seus rivais. E no que à habitabilidade diz respeito, o mais surpreendente é que estamos na presença de um segmento C que recorre a uma plataforma de segmento B. A bagageira tem 380 litros de capacidade e um fundo amovível, algo que considero cada vez mais útil. A roda suplente, também de grande utilidade, no entanto, nem vê-la.
Falta-me falar da tecnologia e do equipamento presente neste C4. O acesso e arranque sem chave é um dos elementos que mais aprecio, bem como o volante aquecido. E o carregador sem fios para smartphones e 4 entradas USB, duas delas, tipo C, também lá estão, pontos de carga cada vez mais necessários. O painel de instrumentos é totalmente digital e embora seja legível, o C4 merecia-o ligeiramente maior. O ar condicionado automático bizona faz, obviamente, parte da lista, mas o seu destaque é incluir – felizmente! – comandos rotativos, na consola. Outras marcas deviam seguir o exemplo da Citroën. Um passo atrás que é, claramente, dois à frente. No campo da segurança, o C4 está carregadinho. Iluminação LED com máximos automáticos, controlo de ângulo morto, assistente de faixa de rodagem e heads up display são apenas alguns exemplos.
100% Citroën?
Como tenho um carinho especial pelo C4 lançado em 2004, queria, como referi, gostar deste reinventado conceito. Um familiar compacto com postura crossover, um design arrojado e uma condução focada na segurança e conforto. Recuando 17 anos no tempo, o novo C4 é, como seria de esperar, um carro muito superior ao meu. Disso nunca tive dúvidas. Mas seria um Citroën 100% Citroën? Ao conduzi-lo, sentir-me-ia a bordo de algo diferente? Sim, o volante já não tem o centro fixo e o habitáculo, apesar de moderno e tecnológico, não tem “loucura”, não tem o arrojo da sua carroçaria. Mas quando penso no anonimato da segunda geração do C4, modelo que, honestamente, nunca conduzi, não consigo não ficar agradado com tudo o que o novo oferece. Dei por mim a atravessar a cidade, à noite, de mãos quentes, sentado no meu sofá móvel, ao som de Edith Piaf. Só me faltou um copo de café quente no porta-copos e ver a Torre Eiffel, lá fora, iluminada com o nome da mais francesa das marcas francesas. Gostei. E queria muito gostar.