Os (para já) imbatíveis recordes da Lancia Martini Racing
Se há associação cujos recordes se encontram gravados para sempre nos anais do automobilismo essa formação é a Lancia Martini Racing. E difícil continua a ser alguma outra equipa vir a suplantá-la nos tempos mais próximos, tal é o palmarés que a conjugação das duas reputadas marcas italianas consolidou nos 11 anos em que operaram em conjunto ao mais alto nível dos ralis internacionais.
Tudo começou em 1981, ano em que as cores do cocktail começaram a engalanar os Lancia Rally ou “037”, referência decorrente do nome de código interno “SE037” do projecto, numa apresentação oficial, com pompa e circunstância naturalmente feita em casa, tendo como palco o Salão Automóvel de Turim. A esse primeiro modelo de Grupo B, feito a partir da versão Stradalle e que resultou em versões Evo1 e Evo2, sucedeu-se o bem mais portentoso Delta S4, homologado a 1 de Novembro de 1985 e por vezes apelidado de “La Bestia”, viria também a deixar as suas marcas na categoria, infelizmente nem sempre pelas melhores razões. Mas o grosso do sucesso da equipa Lancia Martini Racing ainda estava por chegar, consolidando-se nas épocas das múltiplas conquistas alcançadas pelas 4 gerações do Delta HF – 4WD, Integrale 8V, Integrale 16V e Integrale 16V “Evoluzione” (também apelidado de “Deltona”) – de Grupo A, que em 6 anos consecutivos, de 1987 a 1992, mais do que dominaram quase todos os palcos dos sucessivos Mundiais de Ralis, deixando pouco mais do que migalhas para quem se lhes tentou opor!
Mas, como não há bem que sempre dure, às 17h00 do dia 19 de Novembro de 1991, os tiffosi e restantes aficionados dos ralis viam-se abalados com o anúncio-surpresa do abandono da marca da cena internacional, a nível oficial. A representação no WRC ainda ficava entregue, em 1992, à estrutura do Jolly Club, que elevou essa depois extinta associação a um 6º e último título de Campeões do Mundo, ano em que a Astra e a Grifone defendiam as cores italianas no Europeu e no Nacional de Ralis do seu país. Em 1993 as icónicas riscas da Martini Racing aplicadas oficialmente a modelos Lancia desvaneciam-se, de vez!
Todo um universo de conquistas
A associação Lancia Martini Racing congrega um volume de conquistas que muito dificilmente – a experiência diz que “nunca se diz nunca” – será alcançado por qualquer outra associação de uma marca automóvel a um grande patrocinador, mesmo aquelas que há muito não se divorciam de quem lhes injecta a fatia maior dos seus orçamentos.
De facto, a Lancia Martini Racing conquistou nada menos do que 7 títulos de Construtores no Campeonato do Mundo de Ralis, o primeiro em 1983, através do 037, para mais tarde somar os tais 6 troféus consecutivos – de 1987 a 1992 – com as diferentes versões do Delta HF, resultados de excelência que complementaram os 3 anteriores ceptros alcançados de 1974 a 1976 pelo Fulvia e pelo Stratos. Há que somar a isto os 4 Mundiais de Pilotos garantidos por duas duplas Bi-Campeãs, os finlandeses Juha Kankkunen / Juha Piironen (1987 e 1991) e os italianos Massimo “Miki” Biasion / Tiziano Siviero (1988 e 1989), juntando-os ao ceptro garantido uma década antes por Sandro Munari, com o Stratos (navegado por Piero Sodano), naquele que foi o primeiro troféu de pilotos de sempre do Campeonato do Mundo de Ralis, atribuído em 1977!
Dotados com a inconfundível decoração Martini Racing, os Lancia contabilizam 56 vitórias absolutas no WRC, 14 alcançadas pelo Delta HF Integrale 8V, 13 pelo Delta HF Integrale 16V, 11 pelo Delta HF 4WD e 8 pelo Delta HF Integrale 16V “Evo”. Já os 037 oficiais registam 6 sucessos e o Delta S4 de Grupo B as restantes 4 vitórias, que só não foram 5 porque os resultados do Rali de Sanremo de 1986 foram anulados, num processo que, à altura, deu rios de tinta e muitas batalhas nos tribunais desportivos!
Do “Mr Maximum Attack” a um escritor de romances…
Um compendio de histórias da Lancia Martini Racing que foram conduzidas por dezenas de pilotos, num grupo sui generis e intercontinental, do qual fizeram parte 8 italianos, 6 franceses, 4 finlandeses, 3 quenianos, 2 argentinos, 2 suecos, 1 alemão e 1 holandês. Isto sem esquecer os seus indispensáveis navegadores, outro grupo também bastante heterogéneo e ainda mais robusto, em mais de 40 nomes.
Aos comandos das gerações Lancia Rally 037 estiveram, por esta ordem e em 1982, o finlandês Markku “Mr Maximum Attack” Alen e os italianos Attilio Bettega, Adartico Vudafieri e Fabrizio Tabaton, e ainda o hoje pouco conhecido francês Jean-Louis Clarr em 1982, juntando-se-lhes, no ano seguinte, o alemão Walter Röhrl, o francês Jean-Claude Andruet, o argentino Francisco Mayorga e o finlandês Pentti Airikkala. Depois, em 1984 o grupo engrossava com nomes com o nórdico Henri Toivonen e o queniano Vic Preston Jr, para no ano seguinte, na Volta Córsega, a Lancia se ver brutalmente roubada da companhia de Bettega, na sequência de um acidente que lhe ceifou a vida.
Já ao volante dos Delta S4, aos repetentes Alen, Toivonen – que também viria a falecer nas estradas da Córsega, após grave acidente que também levou o seu navegador Sérgio Cresto – e Tabaton, juntaram-se o italiano “Miki” Biasion, o sueco Mikael Ericsson, o argentino Jorge Recalde e o também sueco Kalle Grundel.
Finalmente, divididos pelas 4 gerações dos Delta HF, transitaram nomes como Biasion, Ericsson, Preston Jr e Recalde, juntando-se-lhes o finlandês Juha Kankkunen, os franceses Bruno Saby, Yves Loubet, Didier Auriol, os italianos Alessandro Fiorio, Andrea Aghini e Dario Cerrato, o sueco Bjorn Waldegaard e o francês Philippe Bugalski, entre outros nomes esporádicos como o holandês Hank Vossen ou o Giorgio Faletti, um romancista italiano que, um dia, num one-off, se viu a defender as cores da Lancia Martini Racing.
Através de equipas satélites, oficiais, semi-oficiais ou privadas, a Lancia viria a alcançar muitos outros troféus de referência, nomeadamente o Mundial de Grupo N (Pilotos) de 1987, por Alessandro Fiorio, com o Delta HF 4WD da Jolly Club, e mais 6 ceptros do Europeu de Ralis (Pilotos), através de Dario Cerrato (1987), Fabrizio Tabaton (1988), Yves Loubet (1989), Robert Droogmans (1990), Piero Liatti (1991) e Pierre-Cesar Baroni (1993), mais 2 Europeus de Grupo N, por Piero Liatti (1988) e Maurizio Ferrecchi (1989), e ainda o Europeu Feminino de 1991 com Paola De Martini.
Em Portugal, a Lancia também teve a sua época de glória, se bem que nunca sob as cores oficiais da Martini Racing, havendo a destacar os excelentes resultados finais alcançados pelos irmãos Bica, com Carlos a sagrar-se tetra-Campeão Nacional de Ralis de 1988 a 1991 e Jorge a saborear o champanhe do título de 1993, entre outra(s) história(s) que ficam para contar num próximo episódio da Garagem.
Fotos: Oficiais / FCA, Clube Lancia Delta Integrale Portugal (Facebook), I Love Lancia (Facebook), Louwman Museum